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3 A NATUREZA DA CONCEPÇÃO

3.2 Concepção e Cognição

3.2.2 A concepção nos limites da cognição

3.2.2.1 Formação de conceitos

Na subseção 2.2 do capítulo 3, nós discutimos que não seria necessário um posicionamento sobre a ontologia de conceitos para compreender a concepção, o conceber. Aqui faremos algo no mesmo sentido. Podemos compreender o processo de formação de conceitos sem uma posição sobre a ontologia de conceitos. Isso se dá porque a formação de conceitos é um processo cognitivo, algo que podemos compreender à luz das nossas teorias da cognição, qualquer que seja a natureza dos conceitos. O que importa é observar o que um sistema cognitivo capaz de conceber, nos termos que vimos anteriormente, faz ou precisa para formar ou apreender conceitos. Essa é uma pergunta sobre a condição de possibilidade da formação de conceitos, como consequência, sobre a condição de possibilidade da concepção.

53 Aqui pode surgir o questionamento se os qualia podem ser considerados informação, posto que a informação

tem uma característica replicável, objetiva, e isso retiraria a subjetividade da noção de qualia. Penso que há duas formas de ver essa situação. A primeira é na esteira da noção it from bit (a informação é a substância básica do mundo), os qualia seriam informação porque tudo no universo é informação, isso não retiraria a subjetividade dos qualia porque a subjetividade é a ideia de pertencer apenas o sujeito, portanto seria uma informação que se realizaria situadamente apenas em um sistema cognitivo – seria informação e não perderia a subjetividade da noção. A segunda forma de ver é a de entender que qualia não são informação, mas informativos, eles geram informação para o sistema cognitivo portador de tal modo que esta informação não seja transmissível e, desse modo, permaneça a característica subjetiva. Qualquer que seja a visão assumida, ela mantém os propósitos do fluxo argumentativo que estou propondo. Por isso, não se faz necessária a discussão sobre a verdade da posição it from bit.

106 Há algumas formas de uma pessoa obter um conceito. Ela pode ir ao dicionário com objetivo de entender determinado conceito. Essa pessoa pode estipular uma nova palavra e com ela se referir a outros conceitos já existentes, formando um conceito novo (uma combinação) – uma parte do processo de criação de neologismos jaz aqui. Essa pessoa também pode querer descrever um objeto e utiliza outros conceitos para isso (quando se diz que ‘água é H2O’ por exemplo). Mas essa pessoa pode nem querer estipular, nem descrever e nem saber o uso corrente (dicionário), ela pode querer explicar alguma coisa. Nos casos de explicação de um conceito, diferentemente das outras formas, a pessoa não busca capturar todos os aspectos do conteúdo mas algo razoável para um contexto de uso. Cada forma de conceituar que exemplificamos corresponde a um tipo de definição, respectivamente, definição de dicionário, definição estipulativa, definição descritiva e definição explicativa (HEMPEL, 1974, pp. 109-10; GUPTA, 2015, seção 1).

As formas de formar um conceito para um indivíduo via definições não são apenas as que enunciamos no parágrafo anterior. Todas as enunciadas têm uma característica importante que gostaríamos de frisar, a saber, elas são formação de conceitos na base de outros conceitos. Com efeito, se para formar um conceito nós utilizamos outros conceitos, parece que criamos aí um ciclo vicioso em que para um indivíduo formar um conceito ele já precisa ter outros conceitos formados. Ora, mas nós não nascemos com conceitos formados em nosso sistema cognitivo54. Então como saímos desse ciclo vicioso? Em termos de definição, a solução dada

são as chamadas definições ostensivas. Esse é o nosso ponto de interesse.

Definições ostensivas são aquelas que dependem de um determinado contexto e experiências dos envolvidos. Considere quando uma criança está aprendendo as cores, se quer aprender o que seja vermelho, invariavelmente apontamos para objetos vermelhos e dizemos “vermelho” na mesma intenção de dizer que isto55 é vermelho. O mesmo ocorre quando

buscamos aprender outras línguas. Alguém pode aprender o signficado de 'red' quando outra pessoa aponta para algo vermelho e diz “red”. A formação do conceito para o indivíduo dependeu da circunstância (alguém apontando para um objeto) e da experiência que o indivíduo tem do objeto (no caso específico a experiência da sensação visual de vermelho).

54 Pelo menos não a maioria, o que quero dizer é que nós aprendemos muitos conceitos durante a vida, não

nascemos com todos os conceitos. Em geral, as defesas de conceitos inatos são conceitos muito gerais e estruturantes, como conceitos lógicos, mas eles sozinhos não são suficientes para nos dar definições. Quero dizer que, por mais que nasçamos com alguns conceitos inatos (conforme algumas visões filosóficas), não nascemos com um vocabulário suficiente para formular definições – precisamos de mais que estes conceitos inatos.

107 O que a observação da existência de definições ostensivas nos diz? Ela parece sugerir que as nossas experiências subjetivas são fundamentais para a formação de conceitos – se não todos, os basilares. Não queremos dizer com isso que a natureza do conceito é essa natureza da experiência, o que poderia nos guiar para uma visão representacional de conceitos necessariamente. Dizemos que a experiência é uma peça chave para a formação de conceitos, ainda assim a experiência é uma coisa e o conceito é outra. Isso quer dizer que sem experiência não há concepção56.

Aqui pode-se questionar, ou até mesmo objetar, com o seguinte: então zumbis fenomênicos não concebem nada? A resposta que sugiro a essa questão é a seguinte: a preocupação dessa reflexão é capturar como nós concebemos, não como zumbis fenomênicos concebem (se concebem!). E se isso nos leva a dizer que, conforme essa análise da concepção, zumbis fenomênicos não concebem – e é justamente o que se indica – isso não é um problema para a análise proposta para a concepção, isso é um problema para os zumbis fenomênicos e para quem quiser usar essa ideia de zumbis fenomênicos argumentativamente. Se formos pautar nossa análise da concepção, dizer o que é concepção, preocupando-nos com ajustar a concepção para que zumbis fenomênicos concebam, então sugiro que estaríamos fazendo algo muito errado. Além disso, talvez essa análise da concepção seja suficiente para nos mostrar que nós não concebemos um mundo zumbi fisicamente idêntico ao nosso, pois um mundo em que os zumbis fenomênicos não concebem nada, certamente não é um mundo fisicamente idêntico ao nosso (imagine se zumbis poderiam, por exemplo, agir no mundo como nós agimos sem a capacidade conceptiva). De qualquer maneira, voltaremos ao argumento dos zumbis no Capítulo VI – Consequências Filosóficas. Por fim, resumidamente, isso não é um problema para essa análise e nem uma objeção, é um problema para zumbis e seus argumentos. Prossigamos.

Uma vez que a experiência é fundamental para a formação de conceitos e para o desenvolvimento da concepção e a experiência é uma forma de receber informação, então a informatividade da forma da informação é crucial para a formação de conceitos para um sistema cognitivo. O que, no quadro conceitual de um sistema cognitivo, significa dizer que há um papel para a informatividade da forma da informação na sua economia cognitiva.

56 Ao menos no caso humano. Isso pode ser usado como argumento para dizer que uma inteligência artificial não

conceberia, mas também pode ser usado para dizer que uma inteligência artificial tem experiências reais, se assumimos que ela apresenta concepção.

108 Tendo em vista tais observações, estamos munidos para ver o lugar da concepção nos limites da cognição. É o que faremos na próxima subseção.