• Nenhum resultado encontrado

ATORES E PODERES NA ORDEM GLOBAL CONTEMPORÂNEA

2.3. As empresas no cenário contemporâneo: um poder contestado

Paralelamente à emergência do neoliberalismo, ao esvaziamento do espaço público e à multiplicação das iniciativas espontâneas da sociedade civil, temos assistido, durante os últimos 20 anos, a uma explosão de retórica em torno da noção de responsabilidade social empresarial. Estimuladas e apoiadas por instituições do porte das Nações Unidas, as companhias (sobretudo as grandes corporações transnacionais26) têm gasto quantidades surpreendentes de tempo e dinheiro para garantir ao público que as condições de trabalho de seus empregados vêm sendo continuamente melhoradas, que todos os tipos de cuidados e padrões ambientais têm sido cuidadosamente observados, e que elas estão profundamente comprometidas na luta contra a pobreza.

O fenômeno manifesta-se de maneira mais flagrante nos países industrializados da América do Norte e da Comunidade Européia, onde está sediada a maioria das empresas que possuem atuação e influência globais, e onde o nível de informação da população é geralmente mais elevado. Trata-se, entretanto, de uma tendência que tem avançado sistematicamente e que já pode ser percebida em grande parte dos países capitalistas e democráticos contemporâneos, com particular destaque para o Brasil (DUNFEE e WERHANE, 1997; ENDERLE, 1997; MACINTOSH et al., 2001; SROUR, 1998; 2000; CARROLL, 1999; BALLET e DE BRY, 2001; PRÊMIO ETHOS-VALOR, 2002; 2003; 2004; 2005; 2006; GRAYSON e HODGES, 2002; MATTEN e MOON, 2004).

Parece existir uma relação bastante estreita, ou pelo menos uma clara coincidência histórica e temporal, entre o crescimento dessa manifesta preocupação com a ética, ou com a responsabilidade das empresas vis-à-vis da sociedade, e o fato de que as exigências do mercado (representado principalmente pelas instituições financeiras e pelas grandes companhias transnacionais) vieram a assumir, durante o mesmo período, o valor de verdade única e universal. Como vimos no item anterior, esta preponderância é tamanha que hoje os

26 Uma corporação transnacional é uma empresa que controla ativos de entidades situadas em

economias outras que não a sua própria economia doméstica, geralmente detendo uma participação em capital acionário. Uma participação de 10% ou mais das ações ordinárias, ou o poder de voto, no caso das empresas de capital aberto (ou o equivalente, no caso das empresas de capital fechado), é considerado o patamar a partir do qual se pode falar em controle de ativos (UNCTAD, 2004).

Estados limitam-se a governar para essas exigências, e não por causa delas. Segundo Oliveira e Santos (2005), isso implica regular a sociedade para que ela se curve aos interesses econômicos e, no caso específico do Brasil, tem significado também uma extroversão da política nacional, já não mais determinada internamente, mas tornada refém dos capitais internacionais.

Outra coincidência digna de nota é que a RSE se desenvolve como discursividade por volta da mesma época em que os processos de globalização provocam o descolamento entre economia produtiva e economia financeira – isto é, a legitimidade da hegemonia capitalista transnacional passa a ser atacada, entre outras coisas, devido aos catastróficos desinvestimentos que a economia virtual provoca na economia real. Decorre daí um sem- número de conflitos, nos quais as prioridades corporativas chocam-se frontalmente com as prioridades do indivíduo, das comunidades e, não raro, até mesmo do planeta.

Como conseqüência, os movimentos de grupos organizados da sociedade empenhados em protestar e insurgir-se contra a hegemonia da globalização neoliberal têm se multiplicado paralelamente: são criadas ONGs, realizados boicotes, greves, passeatas e fóruns nacionais e internacionais de resistência. O Fórum Social Mundial, realizado pela primeira vez em 2001 em Porto Alegre, na esteira das vigorosas manifestações altermundistas ocorridas em Seattle, Davos, Washington, Praga e Montreal, talvez seja o exemplo mais cabal e importante desses movimentos globais de contestação, ao propor-se como um “processo mundial permanente de busca e construção de alternativas às políticas neoliberais” e de oposição “a um processo de globalização comandado pelas grandes corporações multinacionais e pelos governos e instituições internacionais a serviço de seus interesses, com a cumplicidade de governos nacionais” (FÓRUM SOCIAL MUNDIAL, 2002).

Dada a crescente disparidade entre as demandas sociais e a impossibilidade do Estado atendê- las de modo convencional, não é de surpreender que os meios de ação coletiva principais sob o neoliberalismo sejam definidos e articulados através de grupos particulares, não eleitos, que passam a reivindicar o caráter público de seus interesses, exigindo reconhecimento, regulação e salvaguardas para suas instituições. Esta nova sociedade civil contemporânea tem paulatinamente ocupado os enormes espaços vazios deixados pelos governos, e assim uma miríade de associações civis autônomas tem se incorporado à vida pública, criadas a partir de bairros, de iniciativas culturais, ambientais ou econômicas de caráter local, ou ainda sob a forma de redes transnacionais de solidariedade, de organizações não-governamentais

defensoras de agendas variadas, etc27. Alguns destes movimentos lutam por bens materiais (terra, água, trabalho, seguridade social), outros enfocam bens não-materiais (direitos culturais das minorias, direitos humanos, direito de soberania nacional, etc); muitos deles pretendem uma distribuição de poder mais equilibrada e democrática entre os atores sociais, e apontam na direção de uma transformação política e social da ordem dominante28 (DUPAS, 2003; 2004; HARVEY, 2005; DELLA PORTA e TARROW, 2005; MILANI e LANIADO, 2006).

A partir da década de 80, um número crescente de grupos independentes, de movimentos sociais e de organizações da sociedade civil (OSC) colocou-se como tarefa principal dar visibilidade às práticas corporativas tidas como irresponsáveis29, atuando de forma investigativa, fazendo uso das modernas técnicas de comunicação para promover os direitos humanos, ambientais e trabalhistas nos níveis locais, nacionais e global, e exigindo maior prestação de contas e controle das atividades empresariais. Sua pauta de mobilização tem girado primordialmente em torno dos seguintes pontos (KARLINER, 1997):

ƒ Dar às pessoas a informação e o poder necessários para que tomem decisões sobre assuntos relevantes para suas vidas no curto, médio e longo prazos, tais como a utilização de recursos, as condições ambientais e de trabalho;

ƒ Promoção de comércio justo e sustentável, que remunere os trabalhadores com salários decentes e proteja o meio ambiente;

27 No Brasil, em particular, e em diversos outros países da periferia do capitalismo, a noção de

cidadania evoluiu a partir da década de 80 graças a dois momentos históricos críticos: 1) os processos de democratização pós-ditaduras (militares ou outras), os quais deram ímpeto à expansão dos

movimentos sociais autônomos e politizados; e 2) as reformas neoliberais de desregulamentação estatal da economia, que favoreceram a emergência das ONGs profissionalizadas, proponentes de padrões de ação coletiva geralmente vinculados a critérios territoriais e temáticos. No Brasil, esse fenômeno tomou corpo sobretudo a partir da Conferência do Rio, em 1992 (DAGNINO, 2002; DUPAS, 2003).

28 Segundo a ABONG (2007), a expressão “terceiro setor” tem sido utilizada para referir-se às

organizações da sociedade civil sem fins lucrativos de uma forma geral, reunindo segmentos com identidades totalmente diversas, tais como as entidades filantrópicas, os institutos empresariais e as ONGs. A inclusão destas últimas no universo chamado de “terceiro setor” implica, contudo, em problemas de ordem conceitual, política e de identidade.

A expressão “terceiro setor” projeta uma idéia de indiferenciação, unidade, convergência, consenso. Em torno dessa expressão, as trajetórias históricas concretas de vários segmentos da sociedade civil brasileira, que sempre atuaram com base em diferentes valores, perspectivas e alianças, são re- significadas e diluídas por um conceito homogeneizador. A sociedade civil organizada no Brasil é extremamente diversa, plural e heterogênea, construída ao longo de séculos e marcada por processos brutais de exclusão, concentração de renda e violação de direitos. É natural, portanto, que também suas organizações expressem os conflitos e contradições existentes em nossa sociedade.

29 Como por exemplo: CorpWatch, Friends of the Earth, IBASE, Adbusters, Multinational Monitor,

ƒ Acesso a empregos e serviços locais;

ƒ Serviços públicos (tais como educação, saúde, água e eletricidade) de qualidade e a preços razoáveis – considera-se que nenhuma instituição deve ser autorizada a lucrar indevidamente na provisão desses serviços;

ƒ Combate à violação dos direitos humanos (tortura, trabalho infantil ou forçado, discriminação, repressão policial, fechamento de sindicatos);

ƒ Denúncia de práticas de negócios ecologicamente insustentáveis, como aquelas que possuem um impacto adverso sobre as comunidades locais ou sobre o meio ambiente global;

ƒ Divulgação de atividades corporativas e governamentais realizadas em segredo ou sem a devida prestação de contas;

ƒ Pagamento de compensação adequada às comunidades ou países que venham a sofrer as conseqüências de comportamentos empresariais danosos;

ƒ Desenvolvimento e implementação de mecanismos legais de controle da atividade corporativa, com alcance internacional.

Pressionadas, as empresas têm se visto cada vez mais obrigadas a construir uma imagem, um discurso e uma prática que lhes permitam conservar níveis aceitáveis de legitimidade, de modo que possam sobreviver e dar continuidade aos negócios “como de costume”. A busca por legitimidade, que discutiremos em maior detalhe no Capítulo 3, é entendida aqui como toda tentativa de justificar a ação, a autoridade ou a própria presença de um ator social dentro do campo no qual ele está inserido (BOURDIEU, 1997). A legitimidade representa uma expansão do conceito de legalidade, uma vez que a “lei” não se resume apenas àquele conjunto de regras já codificado e formalizado, mas abrange também todas as regras informais, não escritas, muitas vezes sequer verbalizadas, que são a expressão de um determinado contexto social, moral, político, econômico, cultural (NORTH, 1990; BERGER e LUCKMANN, 1991; ONUF, 1997).

Sendo assim, a percepção que se tenha de uma empresa, e por conseguinte a sua possibilidade mesmo de existência, irá depender de quão congruente e adaptada ela esteja – ou aparente estar - em relação ao sistema de valores e regras de uma dada sociedade, em determinado momento histórico. Uma firma oficialmente dedicada à importação ou comercialização de mão-de-obra escrava não teria hoje a legitimidade (nem a legalidade) que lhe eram conferidas no século XVIII. Por sua vez, as indústrias de cigarros, de petróleo ou de veículos 4x4, só para citar alguns exemplos, operam ainda na legalidade, mas têm tido sua legitimidade sempre mais questionada. A emergência de tais preocupações nada mais é senão uma prova concreta

da natureza dinâmica e evolutiva que caracteriza a história das idéias, e das diferentes “estruturas de sensibilidade”30 que se originam desse processo.

Nesse sentido, é fácil perceber, por exemplo, que um dos traços mais marcantes da vida hiper- moderna são as mudanças e a instabilidade, em todos os níveis. As profundas transformações ocorridas no mundo inteiro, ao longo do último quarto de século, fazem com que situações até aqui inéditas surjam a todo instante – situações que levantam, por sua vez, questões éticas e impasses políticos importantes. Que se pense, por exemplo, nos impactos muito reais e concretos que têm provocado no quotidiano das pessoas as tecnologias de informação e comunicação, a nova divisão internacional do trabalho e a crise do emprego, a financeirização da economia, o abismo crescente entre Norte e Sul, o aquecimento global, as drásticas mudanças nos métodos habituais de produção, as polêmicas aplicações do conhecimento científico, e a crescente mobilização de grupos de interesse minoritários, anteriormente ignorados ou discriminados, os quais cada vez mais exigem resposta para suas reivindicações. Tais transformações, fruto da evolução social, do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, assim como da nova configuração de interesses e poderes mundiais, trazem consigo uma evidente crise de valores, agravada ainda mais pela enorme velocidade com que têm ocorrido. Vivemos hoje no Ocidente uma época essencialmente secularista, que se caracteriza pelo questionamento das convicções e das estruturas institucionais estabelecidas; pela busca generalizada de novos pontos de referência capazes de orientar a conduta individual e coletiva; por um desacordo considerável quanto aos princípios que devem ser adotados nesse processo; e por esforços redobrados, embora nem sempre bem sucedidos, para assimilar ou pelo menos acomodar as divergências (GIDDENS, 1991; GIDDENS, BECK e LASH, 1997; CASTELLS, 2002).

É compreensível, portanto, que diversos segmentos da sociedade queiram se organizar para intervir sobre os problemas que os afetam, e fazer isso de maneira cada vez mais direta. Mas em que medida a relação de forças existente hoje entre os diferentes atores sociais é capaz de promover a participação e a inclusão - tanto nos debates como nos processos decisórios – de todos aqueles que compõem o tecido social? As tentativas de resposta a essa questão invariavelmente revelam que o lugar ocupado pelas grandes empresas, no conturbado cenário atual da disputa pelo poder, tornou-se hegemônico e sem paralelos. Basta olhar em torno para constatar até que ponto elas tornaram-se uma das forças mais determinantes na organização da vida humana, em todas as esferas.

Se optarmos por uma avaliação otimista, podemos considerar as grandes empresas privadas como responsáveis, em grande parte, pelo desenvolvimento e pelo progresso que se verificaram no transcurso do século XX: seu investimento na produção e na difusão de bens e serviços os mais variados, que vão desde os equipamentos pesados até os produtos farmacêuticos, dos têxteis às comunicações, da construção civil aos alimentos, dos transportes ao lazer, do crédito e das finanças à arte em geral – tudo isso certamente contribuiu para melhorar a qualidade de vida de um expressivo contingente da população global (MICKLETHWAIT e WOOLDRIDGE, 2003).

Mas se pendermos para uma perspectiva mais sombria, podemos igualmente afirmar que as empresas modernas são os agentes por excelência da precarização, quando não da eliminação sumária dos empregos, assim como os motores da devastação ecológica, passando pela uniformização mundial do mercado de imagens, sons, gostos e idéias, e desembocando finalmente na transfiguração de uma economia real, baseada na produção, em economia virtual, fundamentada na especulação financeira (KORTEN, 1995; BOURDIEU, 1998; KLEIN, 2002; SENNETT, 2004; BAKAN, 2004). O Quadro 3, a seguir, ilustra apenas duas das muitas áreas onde as acusações endereçadas às empresas tornaram-se mais freqüentes: a de suas relações com o meio ambiente e com a força de trabalho.

Quadro 3: Lucros S/A, ou a máquina geradora de externalidades negativas

Multinacionais são principais responsáveis pela poluição da água

Instituto Observatório Social, no. 59 | 28/09/2004

Relatório da ONG Defensoria da Água aponta: as grandes empresas nacionais e multinacionais são as principais responsáveis por mais de 20 mil áreas contaminadas no Brasil.

A ONG elaborou o estudo “O Estado Real das Águas do Brasil”, em que registra os principais problemas dos recursos hídricos durante o ano de 2003 a 2004. Traz também as iniciativas da sociedade e das instituições para defender a preservação das águas.

Nos últimos dez anos, aumentou cinco vezes a contaminação das águas dos rios, lagos e lagoas brasileiros, de acordo com o relatório. Como resultado, a população fica exposta a doenças. A principal fonte de contaminação é o despejo de material tóxico de atividades agroindustriais e industriais, que utilizam 90% da água consumida no País e a devolvem freqüentemente contaminada à natureza.

Para produzir o relatório, a ONG pesquisou documentos da Procuradoria Geral da República, ações civis públicas julgadas ou em andamento no Poder Judiciário, e mapeou 35 mil denúncias e pedidos encaminhados à Defensoria da Água entre março e setembro deste ano. Com essas informações, foi elaborado um ranking das empresas mais poluidoras (ver abaixo). A Agência Nacional de Águas (ANA) aparece em 11º lugar na lista de denúncias, aparecendo como omissa no controle ambiental para liberação e operação de postos de combustíveis.

As 10 empresas mais denunciadas por poluição da água:

1. Petrobras 6. Schultz Compressores

2. Shell 7. Fundição TUPI

3. CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) 8. Cargill

4. Grupo Gerdau 9. Chrysler

5. Votorantim 10. Rhodia

Petroleiros: Mais de 90 trabalhadores morreram por acidentes de trabalho nos últimos cinco anos

Causa Operária Online | 16/03/2006

Na última quarta-feira, os petroleiros de várias unidades do Sistema Petrobrás realizaram atos políticos, protestos e manifestações exigindo melhores condições de trabalho e segurança para todos os trabalhadores, próprios e terceirizados.

A mobilização marca os cinco anos do acidente que afundou a maior plataforma da companhia, a P-36, onde 11 petroleiros morreram, expondo para todo o mundo a deficiência na gestão de Segurança, Meio Ambiente e Saúde (SMS) de uma das maiores empresas do setor petroleiro. Um modelo falido que, cinco anos depois, ainda vigora na Petrobrás.

(...) Apesar de nenhum outro acidente após a P-36 ter causado tamanho impacto na imagem ou nos cofres da empresa, silenciosamente, sem repercussão na imprensa burguesa, os petroleiros continuam morrendo nos locais de trabalho.

Acidentes que absurdamente se reproduzem na Petrobrás e que nos últimos cinco anos já causaram a morte de 90 trabalhadores. Mais de oito vezes o número de vítimas da P-36. A diferença é que 80 dos petroleiros mortos nestas tragédias silenciosas eram de empresas terceirizadas, com direitos e condições de trabalho totalmente diferenciados.

Desde 1995 ocorreram pelo menos 237 mortes por acidente em unidades da Petrobrás, dos quais 190 com trabalhadores terceirizados. Uma média de 1,7 morte por mês, onde 80% dos acidentes envolvem prestadores de serviços, cujas condições de trabalho e segurança são muito piores do que as praticadas pela companhia. A chamada “internacionalização” da Petrobrás tem trazido em seu rastro denúncias de péssimas condições de trabalho. Nos últimos cinco anos, a Petrobrás divulgou a ocorrência de 15 óbitos de trabalhadores terceirizados em unidades da América Latina. Um número alarmante em se tratando de áreas com efetivos reduzidos.

As mortes de trabalhadores que acontecem dia-a-dia nas unidades da Petrobrás são encobertas pela imprensa burguesa após a repercussão negativa que teve o acidente da plataforma P-36, numa política da direção da empresa e do governo Lula de “manter a boa imagem da Petrobrás”. (...)

Quer se tome o partido da defesa ou o da acusação, os argumentos de ambos os lados acabam por confirmar que as grandes firmas forjaram de maneira inegável o perfil do século XX. Perrow (2002) chega mesmo a afirmar que apenas duas coisas - as forças demográficas e as estruturas cognitivas da mente - são mais fundamentais na estruturação das sociedades hodiernas do que as grandes organizações burocráticas, sejam elas públicas ou privadas. O termo “empresa multinacional” foi usado pela primeira vez em 1960, para indicar companhias sediadas em determinado país e que possuíssem plantas ou filiais em países estrangeiros (embora a realidade a que tal termo fazia referência já existisse desde 1867). Até meados de 1940, as multinacionais constituíam um fenômeno predominantemente europeu. Porém, já nos anos 70, oito companhias apenas detinham 30% do mercado global de petróleo, sete companhias possuíam 50% do mercado de minério de ferro, e umas poucas companhias de café, chá, bananas e fumo dominavam 60% de seus respectivos mercados. De lá para cá, as sucessivas ondas de fusões, de aquisições e os esquemas de propriedade cruzada só vieram acentuar a oligopolização da economia, e resultaram em dezenas de milhares de empresas menores, também com atuação internacional, competindo por pequenas fatias de mercado na maioria dos setores econômicos (SKLAIR, 2002).

Em 2004, havia em torno de 64.000 companhias transnacionais, espalhadas pelo mundo inteiro em 866.000 subsidiárias estrangeiras. Prova de que o capital concentra-se nos países da “tríade econômica”31 é o fato de que menos de 25% das companhias transnacionais estão sediadas nos países em desenvolvimento (15% na Ásia, cerca de 4% na América Latina e Caribe, o restante na África e Oceania), embora mais da metade das subsidiárias estrangeiras estejam localizadas nesses países. De acordo com algumas estimativas, essas empresas respondem atualmente por 20% da produção e 70% do comércio mundiais. As subsidiárias, por si só, empregam 53 milhões de pessoas (HELD e MACGREW, 2002; UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT – UNCTAD, 2004).

Todas essas firmas, grandes ou pequenas, possuem em comum a mesma função básica, que é a acumulação de capital em escala global, e a mesma necessidade de empregar estratégias também globais para garantir a lucratividade e o crescimento continuados. É importante, porém, distinguir entre as principais corporações transnacionais – aquelas que compõem a lista da FORTUNE GLOBAL 500 – e todo o resto, dada a liderança setorial, a influência e a extraordinária visibilidade das empresas que compõem esse seleto grupo (SKLAIR, 2002). São elas que, na grande maioria das vezes, tornam-se o alvo preferido de investigações da

mídia, das demandas populares e dos movimentos de contestação. Desse modo, são as más práticas e as polêmicas suscitadas pelas atividades de empresas do porte da Exxon Mobil, Wal-Mart, General Motors, Nestlé, HSBC, Siemens, Nike, GlaxoSmithKline, Microsoft ou Time Warner que acabam por atrair a atenção pública para determinados problemas que, com freqüência, são comuns a todo aquele setor.

O tamanho das corporações privadas é hoje o maior já alcançado na história documentada da