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econômico + Capital

econômico - Capital

simbólico + Capital simbólico

+ CAPITAL TOTAL - CAPITAL TOTAL 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

as oito petrolíferas que mais faturaram em 2006, além da Petrobras (12ª. colocada) e da Statoil (13ª.colocada) – esta última porque, como a companhia brasileira, também possui uma boa reputação “cidadã” - e as numeramos de acordo com seu faturamento. Como se pode ver no gráfico, quanto mais à esquerda da linha divisória central estejam localizadas as empresas, maior é seu capital exclusivamente econômico; quanto mais à direita estejam situadas, maior é a parcela de capital simbólico que detêm. Por outro lado, a combinação de ambas as espécies de capital determina a posição de cada uma dentro do campo, conforme possuam mais ou menos capital total. Segundo essa representação hipotética, a Exxon é a que possui mais capital econômico, porém acaba equiparada à Shell e à BP em termos de capital total em virtude do capital simbólico que essas duas possuem. A ConocoPhillips e a Total não dispõem de nenhuma tradição digna de nota no campo da RSE, pelo contrário - o que as coloca, portanto, em posição inferior à Petrobras e à Statoil em termos de capital total, dado o capital simbólico crescente destas duas últimas46. A Chevron aparece como uma empresa conservadora, rica do capital específico do campo (4ª. colocada em faturamento), a qual tem ensaiado estratégias de RSE – esparsas e pouco convincentes – para tentar incrementar seu capital simbólico e, conseqüentemente, sua legitimidade. Por fim, as duas firmas chinesas, embora fortes em capital econômico, são as que menos têm capital simbólico (leia-se, práticas de RSE) e por isso são colocadas em último lugar na escala do capital total disponível. O primado do econômico continua sendo – evidentemente – a regra do campo, não obstante as importações de discursos oriundos do campo da RSE realizadas nos últimos tempos. Entretanto, cumpre reconhecer que a sociedade civil, percebida até 20 anos atrás como totalmente à mercê das decisões de negócios dessas empresas, assumiu hoje um protagonismo no planejamento estratégico de algumas delas que é verdadeiramente notável47. Quanto desse protagonismo é real, e quanto dele é meramente de fachada, está não apenas aberto a debates mas também varia de firma para firma, em função de inúmeros fatores que serão discutidos no Capítulo 6. Tudo somado, o fato é que uma nova tendência parece delinear-se, na qual um campo originalmente dominado exclusivamente pelo capital econômico e pelo capital político passa agora a conferir aos seus agentes benefícios e vantagens derivados do acúmulo de capital simbólico.

Alguns dos atributos principais que caracterizam o campo – seu alto impacto social e ambiental, a dependência de recursos não-renováveis, a extraordinária rentabilidade do

46 Esses dados serão discutidos em maior detalhe no Capítulo 6. 47 Cf. Capítulo 6, item 6.2.

negócio (em muitos casos tachada de “indecente”48) – atributos esses que sempre foram o seu calcanhar-de-Aquiles quando confrontados com os interesses e discursos vigentes no campo da RSE, começaram a ser manipulados pelas petrolíferas em sentido inverso, onde o que era falta e falha passou a representar “oportunidade” e “consciência cidadã”. Assim, os impactos socioambientais viraram uma chance de ouvir e amparar comunidades, a dependência de recursos não-renováveis transformou-se em oportunidade de testar fontes e tecnologias alternativas, a exuberância dos resultados financeiros é agora motivo para preocupar-se com sua distribuição justa e eqüânime, etc. A adoção do discurso da RSE confere hoje prestígio e reputação no campo social mais amplo, prestígio e reputação que serão depois negociados sob a forma de novas e mais vantajosas posições no interior do campo do petróleo.

A tendência se difunde e profissionaliza, a ponto de que aquilo que fora inicialmente uma posição heterodoxa – preocupar-se com a RSE - transformou-se quase em ortodoxia dentro do campo. Ciosas de evitar os erros cometidos por outras petrolíferas no passado, e atentas a não perderem suas posições para outras empresas mais ágeis e rápidas, as companhias menores, ou em processo recente de internacionalização (como a Petrobras), seguem o caminho que as grandes já haviam inaugurado: relatórios de sustentabilidade, diálogo com stakeholders, preocupação ambiental, filantropia, parcerias com órgãos do governo e ONGs, certificações e selos variados. O processo redunda, como já assinalamos, numa relativa uniformização das práticas discursivas de muitas empresas do campo.

Ao mesmo tempo, o capital simbólico que é assim conquistado pelas firmas no campo social mais amplo, e que depois se converte em capital reconhecido pelo campo do petróleo em particular, confere ainda às mesmas uma quantidade variável de capital político que pode ser exercido tanto no interior do campo como fora dele. No caso de empresas de óleo estatais, ou de capital misto, como a Petrobras, o discurso da RSE tem a vantagem adicional de colocar o governo sob uma luz favorável, e confundem-se ainda mais as fronteiras – já de sólito borradas – entre o que constitui realização de um ou de outro. Já as empresas privadas apostam nas suas identidades “socialmente responsáveis” visando angariar benefícios a curto

48 A expressão foi empregada por diversos jornais britânicos ao noticiarem, em 31 de janeiro de 2008,

o lucro de US$ 27,6 bilhões de dólares obtido pela Shell durante o ano de 2007, um recorde na história da Grã-Bretanha. No dia seguinte, foi a vez da Exxon Mobil entrar para a história ao anunciar o maior lucro já registrado até então por uma companhia americana: US$ 11,7 bilhões de dólares no último trimestre de 2007 (MACALISTER, 2008; MILNER, 2008).

e médio prazo em termos de concessões, licenciamentos, financiamentos e regulamentações mais brandas.

Quanto aos funcionários dessas empresas, os milhares de indivíduos bem-intencionados que absorvem, transformam, adaptam e reproduzem as práticas discursivas esposadas pelas organizações onde trabalham, neles as regras do jogo encontram-se interiorizadas. Este jogo – illusio do empregado que trabalha numa “empresa responsável” – não é algo que faça sentido apenas para eles e para os seus concorrentes dentro do campo, como é o caso de alguns outros jogos, mas é uma moeda reconhecida também fora, no campo social mais amplo. Nela estão cunhados tantos ícones prontamente identificáveis (e capitalizáveis): desenvolvimento sustentável, cidadania, participação, transparência, integridade, voluntariado, ecoeficiência. Como não concordar com tudo isso, como não achar que o jogo vale a pena?

Deste modo as empresas contribuem para estruturar a percepção da maioria, intra e extra- campo, e por conseguinte forjar novos habitus. Em seus discursos sobre RSE elas apresentam como problemas legítimos questões que na verdade, dada a maneira como são formuladas, afiguram-se não-problemáticas: a pobreza, o aquecimento global, a globalização, os mercados financeiros.... tantos fenômenos transformados em “processos sem sujeito”, como diz Arantes (2004). Muito, senão todo o discurso sobre RSE tomado de empréstimo pelas grandes transnacionais ao campo da contestação civil, ou ao universo acadêmico, possui como efeito colateral e perverso o de habituar as pessoas a uma naturalização dos problemas, os quais não parecem ter, senão raramente, verdadeiras causas ou verdadeiros responsáveis (que amiúde são as proprias empresas). As questões não são nunca colocadas no seu contexto mais vasto. Uma empresa como a Petrobras, por exemplo, que tem o poder de alcançar milhões de pessoas, representa um recurso de fundamental importância para os produtores de bens, quaisquer que sejam eles: seja nas artes, na cultura, nos esportes, em projetos comunitários, nas ONGs, no mercado de trabalho ou no mercado de consumo, o seu apoio é almejado, buscado, e muitas vezes indispensável. Nesse sentido, ela tem a capacidade de fazer com que iniciativas em todas essas áreas vejam a luz do dia ou não, sejam bem sucedidas ou não. Mais que isso, ela tem o poder de modificá-las, adequando-as aos seus interesses. Os programas sociais, as publicações, as pesquisas, os cursos universitários – tudo é suscetível de intervenção, censura ou alteração para que venha a ser aprovado ou recomendado. Mas esta, há de se dizer, é a prerrogativa do mecenas, do sponsor, desde o tempo em que o Papa Julius II insistia em interferir nos planos de Michelangelo para o teto da Capela Sistina!.... Contudo, trata-se aqui menos do direito de fazê-lo do que das conseqüências. Ao agirem desta forma, as

empresas patrocinadoras-empregadoras-apoiadoras modificam, sistematica e ainda que de início imperceptivelmente, tudo aquilo que se produz ou que se oferece nesses outros campos, e assim fazendo modificam também as relações de força no interior dos mesmos. A influência das grandes empresas é de tal monta que, cada vez mais, outros campos aceitam uma heteronomia crescente em relação a elas. Naqueles onde a produção cultural, científica ou cidadã dos agentes pode ser usada como capital para alcançar posições mais favoráveis – no campo artístico, acadêmico, das ONGs ou dos movimentos populares de base - isso é particularmente verdadeiro.

Por outro lado, preocupada ela mesma em galgar posições num campo fundamentalmente governado pela lógica econômica, uma empresa petrolífera de capital misto como a Petrobras vê-se – particularmente durante o governo Lula - na situação anfíbia de precisar fornecer suporte substancial ao projeto político deste mandato (declaradamente de cunho “social”) e, simultaneamente, conquistar mercados internacionais altamente competitivos, de modo a atender às expectativas de ganho de seus acionistas. Ora, os princípios que pautam os dois tipos de objetivos não são necessariamente coincidentes; os interesses de um Estado “voltado para o social” não se encaixam, sem ajustes ou falhas, aos interesses de uma companhia petrolífera transnacional. Isso talvez explique, ao menos em parte, os notáveis esforços que têm sido envidados pela Petrobras, desde 2000, na construção de um capital simbólico fortemente estribado em estratégias discursivas de RSE, pois, como vimos, esse tipo de capital pode ser convertido em vantagens importantes: legitimidade política, apoio popular, confiança dos investidores, parcerias com a sociedade civil, mobilidade internacional, etc. Passaremos a analisar, nos capítulos seguintes, as condições de surgimento do discurso sobre RSE e sua apropriação pelos agentes dominantes do campo econômico – conservando sempre, como pano de fundo de nossa argumentação, o pressuposto segundo o qual, como diz Bourdieu (1996), “a idéia de criar um espaço autônomo arrancado às leis do mercado é uma utopia perigosa enquanto não nos colocarmos simultaneamente a questão das condições de possibilidade política da generalização dessa utopia.”