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NASCIMENTO DO CAMPO

4.2. Produtos materiais do discurso sobre a “empresa socialmente responsável”

4.2.3. Políticas públicas de fomento à RSE

Contudo, apesar da produção científica, da proliferação de ferramentas e da popularização do tema, persistem ainda, como seria de se esperar, diferenças significativas no que diz respeito ao grau de penetração e de disseminação do discurso e das práticas de responsabilidade social empresarial, tanto entre organizações como entre os diferentes países. Para combater e reduzir essa assimetria, são elaborados modelos explicativos e de benchmarking que culminam, muitas vezes, em propostas de fomento da competitividade (empresarial e nacional) centradas na adoção da RSE (SWIFT e ZADEK, 2002; WORLD BANK, 2002).

Swift e Zadek (2002), por exemplo, sugerem uma escala evolutiva para representar os “graus de desenvolvimento da RSE”, indo desde o que consideram como sendo o nível mais elementar de consciência e ação até o nível mais sofisticado (vide Quadro 5).

Segundo essa escala, o simples cumprimento da lei (estágio zero) não conta como indicador de responsabilidade social, por ser o mínimo que se pode esperar de qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica. Por outro lado, de acordo com os autores, a maioria das empresas visivelmente engajadas em ações de RSE hoje em dia poderiam ser enquadradas no primeiro estágio, pois concentram-se primordialmente em evitar riscos à reputação no curto prazo, efetuam poucas despesas nessa área além da filantropia tradicional, ou simplesmente dão novos nomes a boas práticas de gestão (por exemplo, na área de recursos humanos ou de atendimento aos clientes). Tais iniciativas são naturalmente bem-vindas, podem melhorar a vida das pessoas a quem se destinam e também o desempenho do negócio. Mas, de acordo

com Swift e Zadek, não constituem uma base sobre a qual mudanças significativas na vantagem competitiva de um país possam ser efetivamente construídas.

Quadro 5: Estágios da Responsabilidade Social Empresarial

Estágios (ou fases) Instrumentos e Processos Estágio zero :

Obediência legal

Regulamentação relativa a impostos, saúde e segurança, direitos trabalhistas e dos consumidores, leis ambientais

Primeiro Estágio:

Responsabilidade empresarial instrumental

Filantropia, gestão de riscos de curto prazo, adequação a padrões da indústria

Segundo Estágio:

Responsabilidade empresarial estratégica

Inovação de produtos e processos, novos modelos de negócios e de governança corporativa, sustentabilidade de longo prazo

Terceiro Estágio:

Criação de vantagem competitiva nacional

Padrões e parcerias com múltiplos atores, fortalecimento institucional, políticas públicas orientadas para RSE

Fonte: Swift e Zadek, 2002.

Atualmente, inúmeras companhias declaram-se empenhadas em ultrapassar a racionalidade instrumental de curto prazo, característica do primeiro estágio. São companhias que, ao adotarem as recomendações dos proponentes desse modelo, procuram integrar mais intimamente a RSE a aspectos-chave de suas operações e de suas estratégias de negócio (SWIFT e ZADEK, 2002; PORTER e KRAMER, 2004). Sua linha de argumentação básica é que as empresas mais bem sucedidas, em qualquer ramo de atividade, serão aquelas que estiverem atentas às transformações e demandas da sociedade, agora e no futuro, e souberem responder adequadamente a elas. Um exemplo desse tipo de abordagem estratégica pode ser visto na seguinte declaração da BP, em seu relatório anual de sustentabilidade de 2005:

“Existe um consenso crescente no sentido de que as mudanças climáticas estão ligadas ao consumo de combustíveis fósseis, e que é necessário agir agora para evitar incrementos adicionais nas emissões de carbono à medida em que aumenta a demanda global por energia.

Como uma companhia global de energia, que provê cerca de 2% da energia primária em todo o mundo, é nossa responsabilidade fazer com que essa demanda cada vez maior seja atendida de maneira sustentável, agindo com precaução ao lidarmos com a ameaça das mudanças climáticas.

Em 2005 nós lançamos a BP Alternative Energy, um negócio que planeja investir US$ 8 bilhões de dólares durante os próximos 10 anos para produzir eletricidade a partir de fontes de baixa emissão de carbono – energia solar,

eólica, hidrogênio e gás natural. Nossa meta é estruturar, até 2015, um negócio de energia baixa em carbono que seja lucrativo, global e líder de mercado. Nós calculamos que, até lá, isso irá contribuir para reduzir as emissões previstas de gases de efeito-estufa em 24 milhões de toneladas por ano – o equivalente à retirada de 6 milhões de carros das estradas do Reino Unido.” (BP Sustainability Report 2005).56

Por fim, no terceiro estágio, ainda segundo os autores citados, os princípios da RSE deveriam estar tão consolidados e assimilados a ponto de permearem toda a vida econômica do país, orientando as políticas públicas e indo muito além de iniciativas empresariais isoladas. Como um exemplo que apontaria nessa direção, há quem cite a crescente conscientização e repúdio da sociedade brasileira em relação ao trabalho infantil, graças em boa parte à criação do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil em 1994 (ETHOS, 2000). O Fórum está sob a coordenação do Ministério do Trabalho, mas é composto por 40 entidades, envolvendo empresários, organizações não-governamentais, trabalhadores, a Igreja, o Poder Legislativo e o Judiciário, e contando ainda com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância -UNICEF e da Organização Internacional do Trabalho - OIT. O Fórum ilustraria, portanto, a importância e viabilidade do estabelecimento de parcerias entre múltiplos atores – Estado, mercado, sociedade civil - no intuito de apoiar políticas públicas que, por sua vez, resultem no bem estar dos grupos mais vulneráveis da sociedade.

Dentro dessa lógica, o papel do setor público na promoção de um ambiente institucional favorável à RSE tem sido particularmente enfatizado pelo Banco Mundial e por suas agências de fomento. O Banco destaca a importância de se trabalhar com uma definição de RSE que ultrapasse o entendimento, corrente porém limitado, segundo o qual ela refere-se a atividades de negócios que vão além da mera compliance, ou cumprimento da lei. Uma definição mais ampla, que leve em conta “o vasto potencial inerente a um compromisso efetivo do empresariado com o desenvolvimento sustentável”, é tida pelo Banco como mais adequada para que se compreenda quão crucial é o engajamento do poder público com a RSE (WORLD BANK, 2002:1).

Segundo o Banco Mundial, esse engajamento pode se dar ao longo de dois eixos principais. O primeiro diz respeito a quatro papéis-chave que competem ao setor público: 1) determinar; 2) facilitar; 3) realizar parcerias; 4) apoiar. Já o segundo eixo implica mobilizar atividades variadas do setor público em torno de dez temas principais da RSE:

ƒ Estabelecer e garantir o cumprimento de certos padrões mínimos ƒ Papel do empresariado na formulação de políticas públicas ƒ Governança corporativa

ƒ Investimento socialmente responsável ƒ Filantropia e desenvolvimento comunitário

ƒ Engajamento e representação das partes interessadas ƒ Produção e consumo socialmente responsáveis ƒ Certificações, padrões e sistemas de gestão pró-RSE ƒ Transparência e relatórios pró-RSE

ƒ Processos, diretrizes e convenções multilaterais

O Banco sugere que os diversos níveis de governo, cumprindo o seu papel de determinar, definam padrões mínimos de conduta empresarial e os insiram na legislação vigente. Exemplos disso são o estabelecimento de limites de emissão para certas categorias de instalações industriais, ou a exigência de que diretores corporativos levem em conta determinados fatores por ocasião de seus processos decisórios.

No exercício de seu papel de facilitadoras, caberia às agências do setor público incentivar ou capacitar as companhias a engajarem-se com a responsabilidade social, seja financiando pesquisas, conduzindo campanhas, promovendo a conscientização ou oferecendo treinamento em torno de temas pertinentes à agenda da RSE. Estimula-se, por exemplo, a criação de sistemas e mecanismos de gestão, incentivos fiscais e esquemas voluntários de rotulação de produtos e de benchmarking.

Quanto à idéia de realizar parcerias, ela já é central no ideário da RSE. Considera-se que, como no caso do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil citado acima, as parcerias estratégicas podem agregar contribuições e habilidades existentes nos setores público, privado e na sociedade civil que sejam complementares entre si e que facilitem, portanto, a abordagem de complexos problemas sociais e ambientais.

Por fim, o apoio político e o endosso governamental ao conceito de RSE, e sobretudo às iniciativas a ele relacionadas, constituem o quarto papel que o Banco Mundial gostaria de ver desempenhado pelo poder público. Esse apoio pode tomar diversas formas, tais como o

reconhecimento e a divulgação das boas práticas de empresas individuais, seja via prêmios ou menções honrosas em discursos ministeriais.

No Brasil, o Instituto Ethos replica e dissemina, através de suas atividades, de numerosas publicações e de seu site na Internet, os mesmos princípios propugnados pelo Banco Mundial no tocante ao necessário incentivo do setor público à RSE,

“(...) orientado pela visão de que a incorporação de objetivos sociais e ambientais às metas econômicas das empresas é parte indispensável do modelo de desenvolvimento de uma sociedade sustentável. (...) O [ETHOS] vem realizando, com a participação ativa de seus associados e das empresas em geral, a articulação, de modo suprapartidário, das práticas de RSE com políticas públicas dos governos federal, estaduais e municipais voltadas para inclusão social, erradicação da pobreza e da fome, combate à corrupção e desenvolvimento ambiental.” (ETHOS, 2007a).

O Ethos defende a adoção de critérios mínimos de responsabilidade social (que seriam aqueles identificados pelos seus Indicadores de RSE) como instrumento de indução do comportamento das empresas e como fator diferencial de competitividade no mercado, e estimula sua utilização por grandes empresas, fundos de investimento, fundos de pensão e órgãos reguladores. Considera que a RSE deve ser promovida “em espaços e agendas públicas nacionais e internacionais considerados estratégicos na determinação da ordem econômica global e, portanto, de fundamental importância para a articulação de um novo modelo de desenvolvimento sustentável”. O Instituto também afirma acompanhar com interesse a tramitação de diversos projetos de lei no Congresso Nacional cujo objeto é a regulação da RSE57 (ETHOS, 2007).

Com o objetivo declarado de incentivar o compromisso das empresas com as Metas do Milênio58 , o Instituto Ethos procura articular – através das inescapáveis “parcerias” - a

57 Tais como o PL 1305/2003 (dispõe sobre a responsabilidade social das sociedades empresárias e dá

outras providências, criando a Lei de Responsabilidade Social, bem como o Conselho Nacional de Responsabilidade Social, que será o órgão regulador e fiscalizador); PL 1351/2003 (estabelece normas para a qualificação de organizações de responsabilidade sócio-ambiental e dá outras providências); PL

2110/2003 (dispõe sobre a demonstração social das empresas e dá outras providências); PL 2304/2003

(altera a Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993, Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública, estabelecendo a responsabilidade social como critério de desempate em licitações públicas).

58 Os Objetivos (ou Metas) de Desenvolvimento do Milênio foram lançados em 2000 pela ONU. São

um conjunto de 8 macro-objetivos que todos os 191 Estados-Membros se comprometeram a atingir até o ano de 2015, por meio de ações concretas dos governos e da sociedade.

colaboração do setor privado com políticas governamentais (atualmente, quase todas elas são vinculadas ao Programa Fome Zero, do Governo Federal), e cita como por exemplo as seguintes (ETHOS, 2007):

ƒ Programa Cisternas - promove a construção de cisternas na região do semi-árido (parceria entre Governo Federal, Instituto Ethos, Febraban e Articulação no Semi- Árido – ASA).

ƒ Programa Banco de Alimentos - os Bancos de Alimentos são responsáveis por arrecadar e distribuir alimentos a albergues, abrigos e outras organizações sem fins lucrativos (são parceiros na iniciativa o Instituto Ethos, Governo Federal, Sesc e empresas privadas).

ƒ Programa Restaurante Popular - implantação de restaurantes populares em centros urbanos de todo o País, oferecendo refeições a preços baixos (participam do programa o Instituto Ethos, Governo Federal, Coca Cola e empresas privadas).

ƒ Programa Iniciativas Locais - incentiva empresas privadas a adotar municípios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, financiando projetos que promovam o desenvolvimento local (é uma parceria entre o Instituto Ethos, International Finance Corporation - IFC e o Instituto Pólis).

ƒ Quero Ler – o programa é uma parceria entre o Instituto Ethos, Governo Federal, Grupo Pão de Açúcar, Banco do Brasil, Correios e outros, com o objetivo de zerar o número de municípios sem bibliotecas no Brasil. O governo federal e a iniciativa privada entram com o mobiliário e os computadores; as prefeituras fornecem as instalações e o pessoal necessário para o funcionamento; e a sociedade civil contribui com doações de livros.

ƒ Escola Aberta – Programa desenvolvido pela Unesco, em parceria com governos estaduais, que procura privilegiar jovens em situações de vulnerabilidade social, oferecendo-lhes atividades nos fins de semana e novas oportunidades de inclusão sócio-cultural.

A rapidez com que vários órgãos das Nações Unidas e as companhias transnacionais abraçaram a estratégia das parcerias público-privadas (PPP) é vista, muitas vezes, como um sinal positivo, o qual demonstraria a disposição das empresas em canalizar recursos para o desenvolvimento social e sustentável. Entretanto, a falta de rigor no tocante aos critérios e procedimentos para selecionar os parceiros corporativos, ou quanto aos mecanismos de

monitoramento e controle, são o ponto fraco desta rápida proliferação de PPPs. Claro está que essas parcerias oferecem uma inegável oportunidade para melhorar a imagem corporativa, assim como para influenciar, relativizar e re-significar as políticas públicas, graças ao privilegiado acesso a governos de países em desenvolvimento e a organizações multilaterais que elas proporcionam. Muitas vezes, as PPPs constituem também veículos para a penetração mercadológica e servem para aumentar a competitividade das firmas. O que a fórmula das parcerias muitas vezes ignora são algumas incongruências básicas entre os interesses políticos dos países em desenvolvimento e aqueles das grandes empresas transnacionais. Em especial, aquelas parcerias que possibilitam às empresas perseguir seus interesses políticos no interior do sistema das Nações Unidas colocam em questão o propósito público dessa instituição, na medida em que ela passa a promover objetivos políticos preferidos pelo mundo dos negócios, mas que estão longe de ser universalmente aprovados (UTTING, 2000).