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As escolhas do contribuinte para evitar a tributação

Neste ponto, uma vez que se está tratando de resistência ao pagamento de tributos, é importante considerar que nem todos os caminhos escolhidos pelo contribuinte são passíveis de configurar ilícitos penais. Daí a importância da distinção que Nuno de Sá Gomes (2000) e Susana Aires de Sousa (2006) fazem entre escolhas intra legem, contra legem ou extra legem.

3.2.1 Escolha intra legem

Aqui, “o contribuinte reduz o encargo tributário escolhendo, de entre um leque de opções colocadas à sua disposição pela administração fiscal, aquela cuja utilização lhe permite não pagar ou pagar menos imposto” (SOUSA, S., 2006, p. 43).

Em situações que tais, é o próprio legislador quem quer ou sugere a economia ou poupança fiscal, estabelecendo normas negativas de tributação, seja por meio de desagravamentos fiscais estruturais, como deduções específicas na definição dos rendimentos e riqueza tributadas, seja através de benefícios fiscais excepcionais, como no caso das zonas francas (GOMES, N., 2000, p. 24).

O objetivo do legislador, então, é o de fomentar a prossecução de finalidades econômicas e sociais que não seriam buscadas pelos contribuintes sem tais incentivos, de maneira que é a finalidade extrafiscal da tributação que é perseguida (SOUSA, S., 2006, p. 43).

Há, aqui, o que, na doutrina anglo-saxônica denomina-se de planejamento fiscal (tax

planning) (GOMES, N., 2000, p. 24; RAMOS, 2001, p. 690; SOUSA, S., 2006, p. 43; ). 3.2.2 Escolha extra legem

Nesse caso, o contribuinte realiza atos ou negócios jurídicos lícitos, objetivando evitar a aplicação de certa norma fiscal, e, por via de consequência, a tributação, no que é conhecido, na terminologia anglo-saxônica, como tax avoidance, e, na doutrina portuguesa, encontra contornos similares e alguma confusão terminológica, sendo denominado por “elisão fiscal, evasão fiscal legítima, evasão comissiva lícita, prevenção fiscal” (SOUSA, S., 2006, p. 44).

Conforme leciona Nuno de Sá Gomes (2000, p. 25), nesses casos, os contribuintes podem optar por certos fatos ou situações não previstas pela lei fiscal, em relação às quais, em decorrência do princípio da legalidade, não pode incidir a tributação. O citado autor designa essa modalidade de economia ou poupança fiscal de elisão fiscal, sendo, em princípio, lícita (GOMES, 2000, p. 25).

desorganização social” (SUTHERLAND, 1940, p. 11-12, tradução nossa). Acerca da atualidade das pesquisas de Sutherland, cf. Neves (2011, p. 45-64) e Costa (2011, p. 65-90).

Também Ramos (2001, p. 692) denomina esse modo de economia fiscal de elisão fiscal, colocando-a entre a planificação e a evasão fiscais, diferenciando-se desta última por não implicar a prática de qualquer ilícito pelo contribuinte, embora traga o risco de abuso132.

No Brasil, segundo Torres (2013, p. 8-9), a maioria dos autores somente reconhecem dois campos de atuação do contribuinte: “o da elisão (lícita) e o da evasão (ilícita)”, embora trate, ele próprio, de elisão lícita, equivalente ao planejamento fiscal consistente, e ilícita, correspondente ao planejamento fiscal abusivo.

Nesse sentido, de separar as escolhas de poupança fiscal do contribuinte entre elisão e evasão, tem-se Sampaio Dória (1971), que utiliza os termos fraude e evasão “para exprimir a ação tendente a eliminar, reduzir ou retardar o pagamento do tributo devido” (DÓRIA, 1971, p. 25), e elisão ou economia fiscal “para a ação tendente a evitar, minimizar ou adiar a ocorrência do próprio fato gerador”, fazendo corresponder essa sua classificação à dicotomia, existente no direito americano, entre tax evasion e tax avoidance (DÓRIA, 1971, p. 25).

3.2.3 Escolha contra legem

Trata-se, aqui, da evasão fiscal, correspondente à tax evasion do direito anglo-saxônico (GOMES, N., 2000, p. 26; RAMOS, 2001, p. 691; SOUSA, S., 2006, p. 50), geralmente ligada à prática de atos ilícitos133, embora, não necessariamente, de caráter penal.

Segundo alerta Susana Aires de Sousa (2006, p. 48), “ilícito fiscal não se confunde com a infracção fiscal”134

, daí falar-se em evasão fiscal em sentido amplo, que abrange atos ilícitos penais (crimes e contra-ordenações) e não penais (GOMES, N., 2000, p. 27)135.

132

Conforme Ramos (2001, p. 693), nos casos de elisão fiscal, surge uma “zona de tensão entre princípios constitucionais”, figurando, de um lado, os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, pelos quais “dever-se-ia desconsiderar, para efeitos fiscais, os actos ou negócios praticados pelo contribuinte, e tributá- los pela norma cuja aplicação quis evitar”, e, do outro lado, os princípios da legalidade e da segurança jurídica, levando à direção oposta, pela qual o contribuinte deveria ser tributado “pelas normas fiscais incidentes sobre os negócios realizados, pois estes são válidos e legítimos”. De qualquer forma, prossegue o autor, não sendo possível suscitar dúvidas a respeito da validade desses atos, “já poderão, no entanto, ser colocadas dúvidas quanto à sua legitimidade, pelo menos nos sistemas que possuam uma ‘cláusula geral anti- abuso’” (RAMOS, 2001, p. 693).

133

Nabais (2004, p. 202) fala em evasão fiscal em sentido amplo, englobando a evasão lícita, “isto é, a elisão fiscal que constitua um abuso da liberdade de planejamento e gestão fiscais”, e a evasão ilícita, ou “evasão fiscal em sentido estrito”. Cuidando do tema de maneira mais aprofundada, Sampaio Dória (1971) conceituou a evasão fiscal latu sensu “como toda e qualquer ação ou omissão tendente a elidir, reduzir ou retardar o cumprimento de obrigação tributária”, distinguindo evasão omissiva, intencional ou não, e evasão comissiva, sempre intencional, que abrangeria a ilícita (fraude, simulação, conluio) e a lícita ou legítima (evasão stricto

sensu, elisão ou economia fiscal). Todavia, por compreender que a palavra evasão, em sua acepção moderna,

já vinha matizada de certas conotações que a tornariam particularmente inadequada “para exprimir um ato legal, como é o de evitar, por meios lícitos, ônus tributários”, acabou por reservar os termos fraude e evasão “para exprimir a ação tendente a eliminar, reduzir ou retardar o pagamento de tributo devido”, e elisão ou economia fiscal “para ação tendente a evitar, minimizar ou adiar a ocorrência do próprio fato gerador” (DÓRIA, 1971, p. 24-25).

No Brasil, conforme Torres (2013, p. 10), a palavra evasão, com o sentido de ilícito fiscal, compreende “a sonegação, a simulação, o conluio e a fraude contra a lei, que consistem na falsificação de documentos fiscais, na prestação de informações falsas ou na inserção de elementos inexatos nos livros fiscais”, práticas realizadas “com o objetivo de não pagar o tributo ou de pagar importância inferior à devida”, constituindo-se em crime tipificado na lei penal.

É, portanto, de escolhas contra legem, nesse sentido de ilícito penal, “a verdadeira e própria evasão fiscal” (SOUSA, S., 2006, p. 49-51), que se vai tratar neste trabalho.

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