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2.2 Tipologias de lavagem de dinheiro

2.2.3 Técnicas típicas de integração

Nessa fase, o dinheiro de origem ilícita, que “já está ‘limpo’” (MAIA, 2004, p. 40), é movimentado para dentro do mundo financeiro global, onde vai juntar-se a recursos de origem legítima (RICHARDS, 1998, pos. 822). Ainda assim, há a necessidade de uma justificativa com aparência de legitimidade para essa riqueza (BLANCO CORDERO, 2012, p. 75), permitindo que o autor do delito possa usufruir dos ativos amealhados com este sem gerar suspeitas que possam levar a investigação ou processo criminal (DE CARLI, 2012, p. 121).

Dessa forma, os recursos lavados são introduzidos na economia como se fossem investimentos normais, créditos ou reinvestimentos de poupanças (BLANCO CORDERO, 2012, p. 75).

Ocorrem, aqui, muitas vezes, o que De Carli (2012, p. 119) denomina de “operações

non sense”, pois, desde uma ótica comercial, não fazem sentido, como, por exemplo, a

aplicação dos recursos em um negócio que dê prejuízo. Tal ocorre porque o objetivo principal em um processo de lavagem é desviar o capital de origem delitiva para setores da economia nos quais tal origem seja mais difícil de ser descoberta, e não aplicá-lo onde o mercado possa oferecer maior rentabilidade, mesmo que isso gere decréscimo patrimonial38 39 (FABIÁN CAPARRÓS, 1998, p. 150).

38Para Maia (2004, p. 40), “o processo de ‘lavagem’ é um custo operacional que se convola em investimento”. 39Colombo (1990, p. 36 e ss. apud FABIÁN CAPARRÓS, 1998, p. 151-152) elenca três fatores que

2.2.3.1 Créditos simulados

É o caso do loan back, em que, com o emprego de empresa de fachada, especialmente, sociedade offshore, a organização criminosa empresta a si mesma seus próprios recursos já lavados (BLANCO CORDERO, 2012, p. 77).

Nessa situação, o dinheiro de origem delitiva pode ter sido evadido do país através de alguma das técnicas de colocação, foi distanciado de sua origem com a utilização de métodos de estratificação, como transferências de fundos via cabo entre contas mantidas em CFO e tituladas por sociedade offshore vinculada à organização criminosa, a qual, finalmente, traz de volta os recursos sob a aparência legítima de um empréstimo.

Operações desse tipo permitem, além da própria reintrodução do capital sujo no circuito financeiro com uma aparência de legalidade, a redução do pagamento de tributos, eis que os juros incidentes sobre o empréstimo são abatidos como despesas decorrentes do exercício da atividade econômica (BLANCO CORDERO, 2012, p. 77).

De maneira semelhante, mas, sem configurar empréstimo, aquela mesma empresa

offshore pode investir recursos sujos que estão no exterior em empresa controlada pela

organização criminosa existente no país em que atua, configurando o chamado “investimento direto” (BLANCO CORDERO, 2012, p. 77; DALLAGNOL, 2011, p. 334-335).

2.2.3.2 Faturas falsas de importação/exportação

A movimentação de fundos utilizando documentação ou declarações falsas sobre a comercialização de bens e serviços é um dos principais métodos pelos quais organizações criminosas movimentam dinheiro com o propósito de disfarçar sua origem e integrá-lo novamente na economia formal (FINANCIAL ACTION TASK FORCE, 2006, p. 1), possibilidade de esse setor econômico erigir-se em monopólio, “dado que a estabilidade que caracteriza um mercado semelhante facilitaria a infiltração incontrolada de capitais sujos na economia diária”; b) a possibilidade de imediata produtividade decorrente da aplicação massiva de capitais sujos no setor econômico escolhido, com a ressalva de não ser esse retorno financeiro o objetivo prioritário do processo de lavagem; e c) não estar o setor econômico escolhido sujeito a controles jurídicos rígidos, pois, “a existência de uma normativa eficaz destinada a fiscalizar a execução conforme aos cânones de boa-fé daquelas transações suscetíveis de serem utilizadas como meio de lavagem de capitais sujos constitui uma forma excelente de evitar a sua reciclagem” (FABIÁN CAPARRÓS, 1998, p. 152, tradução nossa). A esses fatores, o próprio FABIÁN CAPARRÓS (1998, p. 154) acrescenta outros dois, de maior importância nos casos de lavagem de recursos obtidos a partir do desenvolvimento de atividade delitiva ininterrupta por organização criminosa: a) possibilidade de domínio de um rol de entidades com capacidade para coadjuvar a perpetuação da riqueza suja, tais como empresas de segurança, indústrias de armas ou de substâncias químicas e companhias de transportes internacionais, por exemplo; e b) domínio de empresas que permitam a lavagem de quanto dinheiro de origem ilícita passe por elas, de maneira que os lavadores busquem não apenas “a lavagem de um patrimônio determinado, mas que também multipliquem sua capacidade de manobra conforme padrões próprios de progressão geométrica ao dotarem a si próprios dos meios necessários para manter permanentemente abertas as vias através das quais canalizar essas rendas ao âmbito da legalidade” (FABIÁN CAPARRÓS, 1998, p. 154, tradução nossa). Nesse último caso, o autor emprega a metáfora segundo a qual melhor que levar a roupa todos os dias a uma lavanderia é comprar uma máquina de lavar (FABIÁN CAPARRÓS, 1998, p. 154-155).

destacando-se aí o emprego de faturas falsas de importação/exportação como um meio efetivo de integração dos fundos oriundos de atividades delitivas (BLANCO CORDERO, 2012, p. 78).

O GAFI (2006) elencou as seguintes técnicas básicas de lavagem de dinheiro através do comércio internacional, operacionalizadas por meio de faturas falsas de importação/exportação: a) superfaturamento e subfaturamento de bens e serviços; b) múltiplo faturamento de bens e serviços; c) falsa descrição de bens e serviços, que se dá pelo superdimensionamento ou pela diminuição da quantidade de bens efetivamente despachados ou pela falsa descrição da qualidade ou do tipo de bens e serviços.

2.2.3.2.1 Superfaturamento e subfaturamento de bens e serviços

No caso do superfaturamento, insere-se na fatura um preço do bem ou do serviço negociado superior ao de mercado, possibilitando ao importador transferir dinheiro para o exportador, eis que o pagamento pelo bem ou serviço será superior ao valor que aquele receberá quando vendê-lo (FINANCIAL ACTION TASK FORCE, 2006, p. 4).

Já na hipótese de subfaturamento, em que o preço inserido na fatura é inferior ao de mercado, é o exportador que transfere dinheiro para o importador, uma vez que o pagamento pelo bem ou serviço será inferior ao valor que este receberá quando vendê-lo.

Dessa forma, no superfaturamento, os recursos são “legitimados” em benefício do exportador, ao passo em que, no subfaturamento, é em favor do importador que se dá a “legitimação” dos recursos (DALLAGNOL, 2011 p. 331).

2.2.3.2.2 Múltiplo faturamento de bens e serviços

Essa técnica consiste na emissão de mais de uma fatura para a mesma transação comercial internacional, permitindo a justificação de múltiplos pagamentos para o mesmo despacho de bens ou prestação de serviços, sem necessidade de falsa representação dos preços dos bens e serviços negociados (FINANCIAL ACTION TASK FORCE, 2006, p. 5). Ademais, em sendo detectado o múltiplo faturamento, podem ser apresentadas explicações legítimas para tal situação, como a correção de termos e condições do pagamento e pagamento de taxas adicionais (FINANCIAL ACTION TASK FORCE, 2006, p. 5).

2.2.3.2.3 Falsa descrição de bens e serviços

Há, aqui, o superdimensionamento ou a diminuição da quantidade efetiva de bens despachados ou serviços prestados, ou, mesmo, a total inexistência de qualquer comercialização de bens ou serviços, associando-se exportador e importador para que todos os documentos relativos ao despacho aduaneiro sejam processados regularmente (FINANCIAL ACTION TASK FORCE, 2006, p. 6).

Pode haver, também, a falsa representação do tipo ou qualidade do bem ou serviço, como, se dá, por exemplo, na remessa, pelo exportador, de um bem de valor inexpressivo, faturado como mercadoria de alto valor, ou, mesmo, um item completamente diferente (FINANCIAL ACTION TASK FORCE, 2006, p. 6).

2.2.3.3 Mercado de jogos e apostas autorizadas

Cassinos, casas de apostas, hipódromos fazem parte de um setor econômico que propicia excelentes possibilidades para a lavagem de riqueza suja, tais como transações totalmente anônimas, impossibilidade prática de reconstrução dessas transações, rentabilidade imediata do negócio e estabilidade (FABIÁN CAPARRÓS, 1998, p. 154-155), sem contar as grandes quantidades de dinheiro em espécie que gera (BLANCO CORDERO, 2012, p. 79). Convergem, assim, sobre esse setor “todos os aspectos que podem facilitar uma operação de lavagem de dinheiro em grande escala” (COLOMBO, 1990, p. 40-41 apud FABIÁN CAPARRÓS, 1998, p. 155).

Há que se acrescentar, especificamente a respeito dos cassinos, que, embora não sejam instituições financeiras, realizam diversas atividades financeiras similares às empreendidas por estas, aumentando o risco de lavagem de dinheiro: depósitos de fundos em contas; troca de dinheiro; transferências de fundos; câmbio de moeda estrangeira; saque de dinheiro em espécie através de cartões de débito ou desconto de cheques; e caixas de segurança, disponíveis 24 horas por dia (FINANCIAL ACTION TASK FORCE; ASIA PACIFIC GROUP ON MONEY LAUNDERING, 2009, p. 25).

Dessa forma, inúmeras são as técnicas de lavagem de dinheiro que podem ser postas em prática no âmbito das casas de jogos, e nos cassinos, em particular, englobando métodos tanto da fase de colocação quanto de integração.

A partir do estudo do GAFI e APG (2009), Dallagnol (2011, p. 321-322) elencou algumas das principais técnicas de lavagem de dinheiro empregadas no âmbito dos cassinos40: a) troca de dinheiro sujo por fichas, com posterior resgate em dinheiro, cheque, ordem de pagamento ou de transferência; b) compra, por um preço maior, de fichas de outros jogadores; c) compra e negociação de cheques pagáveis em dinheiro emitidos pelos cassinos aos jogadores de salas vip; d) troca de dinheiro sujo por cheque do cassino; e) uso de fichas como se fossem dinheiro em espécie tanto em transações ilegais como forma de transportar valores, com posterior resgate em filiais ou correspondentes do cassino; f) compras de cartões de

40

Os cassinos são a única forma de jogos ou apostas explicitamente cobertas pelos padrões do FATF, que, entretanto, não define o que sejam cassinos ou jogos nem relaciona as atividades realizadas por estes, ficando a cargo de cada jurisdição determinar os tipos de jogos incluídos na sua cobertura dos “cassinos” (FINANCIAL ACTION TASK FORCE; ASIA PACIFIC GROUP ON MONEY LAUNDERING, 2009, p. 9).

prêmio ou fichas acumuladas dos cassinos por valor superior ao da premiação; g) compra de fichas por várias pessoas, que as repassam para um único indivíduo, que as resgata de uma só vez, trocando-as por cheque do cassino (“smurfing ou structuring via cassino”); h) troca de notas de menor por outras de maior valor, através do depósito em conta mantida no próprio cassino ou de máquinas de jogos automáticas que aceitam dinheiro; i) uso de conta de cliente mantida no cassino para a realização de operações financeiras, como depósito de cheques e recebimento de transferências bancárias; j) uso do dinheiro sujo para jogar, com posterior resgate dos prêmios e créditos mediante um único cheque do cassino; k) apostas paralelas de comparsas como forma de assegurar que um deles seja o vencedor; l) conversão de grandes somas de moeda estrangeira; m) cumplicidade de funcionários do cassino para a falsificação do resultado dos jogos e justificação da acumulação de fichas e créditos; n) compras de fichas com cartões de crédito e posterior pagamento da fatura com dinheiro de origem ilícita, e o) abertura de contas em cassinos com uso de identidade falsa.

2.2.3.4 Compra de prêmios

A aquisição de bilhete de loteria premiado é um exemplo de técnica de lavagem que, de um modo pontual, pode dar aparência de legalidade à fruição de um determinado bem, por permitir a declaração ao fisco de ingressos ilegais como se tivessem sido obtidos em um jogo de azar, de maneira que seria desnecessário qualquer outro ato de encobrimento (ARÁNGUEZ SÁNCHEZ, 2000, p. 33).

Essa técnica, aliás, não só permite dar aparência de legalidade ao dinheiro de origem ilícita, como, ao mesmo tempo, possibilita que o agente de desfaça do dinheiro em espécie, embora em troca de um valor maior (BLANCO CORDERO, 2012, p. 82).

Ainda no âmbito dos jogos, Dallagnol (2011, p. 323) cita a “efetivação de apostas em loterias em todas as suas combinações”, que consiste em, com o auxílio de um matemático, efetuar o agente “tantas apostas quanto as combinações de números possíveis em determinada loteria ou jogo, a fim de garantir o recebimento da premiação, ainda que com isso gaste um valor maior do que o do prêmio”.

2.3 Terminologia

É comum, na doutrina, a referência à origem do termo money laundering como sendo decorrente da estratégia utilizada, nos anos 20 do século passado, pelos gangsters de Chicago, nos EUA - Al Capone, inclusive -, de camuflar seus fundos de origem ilícita através da compra e operacionalização de lavanderias, por serem negócios baseados em pagamentos com

dinheiro em espécie, o que facilitava (e ainda hoje facilita) a mescla de recursos sujos com outros obtidos licitamente41.

Essa técnica, cujos princípios continuam sendo aplicados na maioria dos métodos atuais de lavagem de dinheiro, combinava as três fases do processo em um único passo: distanciamento do dinheiro do crime; sua ocultação em contas de um negócio legítimo e sua ressurreição “como ganhos de uma empresa com uma razão plausível para a geração de tanto dinheiro em espécie” (NAYLOR, 2004, p. 137-138, tradução nossa)42

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Se a expressão já é quase centenária, reporta-se que somente apareceu na mídia, pela primeira vez, em 1973, durante o escândalo Watergate, nos EUA (GILMORE, 1999, p. 20; RICHARDS, 1998, pos. 726), como relativa às manobras postas em prática pelo governo Nixon para despistar o financiamento de operações financeiras secretas (GILMORE, 1993

apud CASTALDO; NADDEO, 2010, p. 1), somente vindo a ser empregada em um contexto

legal nos anos 80 do século passado (BLANCO CORDERO, 2012, p. 83; GILMORE, 1999, p. 20; RICHARDS, 1998, pos. 4227)43.

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