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2.4 Contexto histórico da tipificação da lavagem de dinheiro

2.4.2 A experiência dos EUA

Não obstante o pioneirismo italiano, a legislação mais influente no âmbito internacional foi a dos EUA (DE CARLI, 2012, p. 82), mais especificamente, o Anti-Drug Abuse Act of

1986, de 27 de outubro de 1986, que, no Título I (ANTI-DRUG ENFORCEMENT), trouxe o

Subtítulo H (Money Laundering Control Act of 1986), por cuja Seção 1352 foram introduzidos no USC os dois dispositivos que criminalizaram a lavagem de dinheiro naquele país: 18 USC § 1956 (Laundering of monetary instruments) e 18 USC § 1857 (Engaging in

monetary transactions in property derived from specified unlawful activity).

Como “lavagem de instrumentos monetários” foram tipificadas as condutas de: a) realizar ou tentar realizar transação financeira envolvendo os proveitos de determinadas atividades ilegais, com conhecimento dessa origem ilícita, (a.1) com a intenção de promover o desenvolvimento de atividades ilegais especificadas ou (a.2) com o conhecimento de que a transação é destinada total ou parcialmente (a.2.1) a ocultar ou disfarçar a natureza, a localização, a origem, a propriedade ou o controle dos proveitos de atividades ilícitas especificadas, ou (a.2.2) a evitar a exigência legal de comunicação de transação financeira; e b) transportar ou tentar transportar internacionalmente instrumento monetário ou fundos, seja dos EUA para o exterior ou do exterior para os EUA, ou, ainda, através desse país, (b.1) com a intenção de promover o desenvolvimento de atividades ilegais especificadas, ou (b.2), com o conhecimento de que o instrumento monetário ou fundos envolvidos no transporte constituem proveitos de alguma forma de atividade ilegal especificada e sabendo que esse transporte é destinado total ou parcialmente (b.2.1) a ocultar ou disfarçar a natureza, a localização, a origem, a propriedade ou o controle de proveitos de atividades ilegais especificadas, ou (b.2.2) a evitar a exigência legal de comunicação da transação financeira.

Conforme se verifica da análise da Seção 1956 (c)(7) do Money Laundering Control

Act, o termo “atividades ilegais especificadas” tinha um amplo raio de alcance, abrangendo,

especialmente, a Seção 18 USC § 1961(1), que, por sua vez, elenca um extenso rol de delitos caracterizadores de racketeering activity, bastante abrangente - indo além do tráfico de entorpecentes -, especialmente, quando se compara com a legislação italiana tratada no item anterior.

As penas previstas para o crime de “lavagem de instrumentos monetários” foram de multa de até quinhentos mil dólares ou de duas vezes o valor da propriedade envolvida na transação, o que fosse maior, e/ou de prisão de até vinte anos.

Já o delito de “engajar-se em transações financeiras com propriedades derivadas de atividades ilegais especificadas” criminalizou as condutas de engajar-se ou tentar engajar-se em transação financeira com propriedade de valor superior a dez mil dólares derivada de atividade ilegal especificada, quando o crime tenha ocorrido nos EUA ou em jurisdição marítima ou territorial desse país, ou, ainda, quando tiver ocorrido fora dos EUA ou de sua jurisdição especial, mas, o réu é norte-americano.

As penas previstas foram de multa e/ou de prisão até dez anos.

A criminalização da lavagem de dinheiro através do Anti-Drug Abuse Act of 1986 faz parte do que Stessens (2000, p. 99) classificou como terceira geração de medidas norte- americanas contra a lavagem.

Na primeira geração, Stessens (2000, p. 96-97) menciona a aplicação do conceito de conspiração para prejudicar as funções do governo, aplicada, pela primeira vez, em um caso de fraude ao IRS.

Mais importantes no contexto internacional de combate à lavagem de dinheiro foram as medidas classificadas por Stessens (2000, p. 97-99) como de segunda geração, em que se destaca o Bank Secrecy Act of 1970, que impôs às instituições financeiras três tipos de dever de comunicação: a) comunicação de transações com dinheiro em espécie de valores acima de dez mil dólares, através de formulário denominado Currency Transaction Report; b) comunicação de transporte, remessa ou embarque de dinheiro em espécie ou de instrumentos monetários de valores acima de dez mil dólares, dos EUA para o exterior ou do exterior para os EUA, através do preenchimento do formulário Currency and Monetary Instruments

Report; e c) comunicação, por qualquer cidadão sujeito à jurisdição dos EUA, da manutenção,

diretamente ou por procuração, de contas bancárias, seguros ou outras contas financeiras no exterior com valores acima de dez mil dólares.

Esses deveres de comunicação foram reafirmados pelo Comprehensive Crime Control

Act of 1984, que estendeu para outros negócios as obrigações de reportar transações com

valores acima de dez mil dólares (STESSENS, 2000, p. 98).

A imposição desses deveres de comunicação surgiu como decorrência da necessidade de combater a lavagem de dinheiro, tanto daquele oriundo de proveitos de crimes quanto da evasão fiscal, já que o delito de conspiração, que faz parte da primeira geração de medidas anti-lavagem, não abrangia as pessoas ou empresas que aceitavam fundos sem indagar sua origem, sendo, também, uma forma de permitir que as autoridades dos EUA tivessem acesso a informações sobre os ativos mantidos pelos seus cidadãos no exterior (STESSENS, 2000, p. 98).

Todavia, uma vez que esses deveres de comunicação são baseados em limites pré- estabelecidos, tornou-se comum a sua burla, por meio das técnicas de lavagem de dinheiro conhecidas como smurfing ou structuring, consistentes em dividir o valor de uma transação em inúmeras transações com valores inferiores ao limite estabelecido (DE CARLI, 2012, p. 86; GURULÉ, 1995, p. 825-826; STESSENS, 2000, p. 99).

Segundo Gurulé (1995, p. 825-226), uma vez que as cortes norte-americanas vinham considerando que o Bank Secrecy Act of 1970 não impedia essas operações que visavam a burlar a obrigação de comunicação de transações financeiras de valor acima de dez mil dólares, o Money Laundering Control Act of 1986 teve, como um de seus objetivos, suprir essa lacuna.

2.4.3 A normativa internacional sobre lavagem de dinheiro e a definição dos crimes

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