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Os crimes fiscais: a fraude qualificada

3.3 Delitos fiscais no Brasil e no direito comparado

3.3.1.2 Os crimes fiscais: a fraude qualificada

A fraude qualificada, por sua vez, consiste na prática, sob determinadas circunstâncias, que devem ser cumuladas (mais de uma dessas circunstâncias devem estar presentes), dos fatos tipificados como fraude fiscal142.

Tais são as circunstâncias cujo acúmulo pode caracterizar a fraude qualificada: a) o conluio do agente “com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de

141 RGIT, art. 103°, n°s 2 e 3. 142

fiscalização tributária”; b) ser o agente funcionário público que tenha gravemente abusado de suas funções; c) ter sido o agente auxiliado por funcionário público “com grave abuso das suas funções”; d) a falsificação ou vício, ocultação, destruição, inutilização ou recusa da entrega, exibição ou apresentação, pelo agente, “de livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária”; e) a utilização, pelo agente, daqueles livros programas ou ficheiros informáticos e de quaisquer outros elementos probatórios exigidos pela lei tributária; f) a utilização da “interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável”; e g) o conluio do agente “com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais”143.

São igualmente tipificadas como fraudes qualificadas aquelas realizadas “mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente”, ou com a obtenção de vantagem patrimonial superior a cinquenta mil euros144

. As penas cominadas à fraude qualificada são de prisão de um a cinco anos para pessoas singulares e multa, de 240 a 1200 dias para as coletivas, sendo aumentadas, respectivamente, para dois a oito anos e multa de 480 a 1920 dias, se a vantagem patrimonial for de valor superior a duzentos mil euros.

Quanto ao crime de abuso de confiança, tipificado no artigo 105° do RGIT, caracteriza- se pela não entrega, total ou parcial, à administração tributária, da prestação tributária de valor superior a sete mil e quinhentos euros, deduzida nos termos da lei, a qual estava o agente legalmente obrigado a entregar. A pena cominada, no caso, é de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

3.3.2 Alemanha

O direito penal tributário alemão está disciplinado na AO (Código Fiscal), de 1977, que trata da parte geral do direito tributário, incluindo, dentre outras, normas sobre o procedimento tributário, a responsabilidade fiscal e os crimes tributários, estando estes disciplinados no Título Oitavo da AO (§§ 369 e ss.), que versa, igualmente, sobre os ilícitos administrativos (SOUSA, S., 2006, p. 147).

Nos termos do § 369 da AO, são considerados crimes tributários atos puníveis sob as leis tributárias, a importação, exportação e o trânsito ilegal de bens, a falsificação de selos fiscais ou atos preparórios para esse fim, e o auxílio à prática dessas outras condutas.

143 RGIT, art. 104°, n° 1, alíneas a a g. 144

Os crimes tributários estão, então, tipificados nos §§ 370 (fraude fiscal), 372 (importação, exportação ou transporte ilegal de bens), 373 (contrabando profissional, violento ou organizado) e 374 (receptação, posse ou venda de bens obtidos com fraude fiscal).

As condutas caracterizadoras da fraude fiscal na Alemanha são: a) o fornecimento às autoridades tributárias ou a outras autoridades de declarações incorretas ou incompletas acerca de fatos de substancial relevância para a tributação; b) deixar de informar às autoridades fiscais, quando obrigado a tanto, fatos de substancial relevância para a tributação; e c) deixar de usar, quando obrigado a tanto, selos ou carimbos fiscais145.

Para a imposição da pena de prisão superior a cinco anos ou de multa, tais condutas devem ter como resultado a redução de tributos ou o recebimento de vantagens tributárias indevidas para si ou para outrem146.

A pena de prisão pode ser de seis meses a dez anos em casos considerados particularmente sérios, definidos como aqueles em que o agente: a) de maneira deliberada, reduz, em larga escala, o pagamento de tributos ou recebe vantagens tributárias indevidas; b) abusa de sua autoridade ou posição enquanto funcionário público; c) solicita o auxílio de um funcionário público, o qual abusa de sua autoridade ou posição; d) repetidamente reduz o pagamento de tributos ou recebe vantagens tributárias indevidas, mediante a falsificação de documentos; ou e) como membro de um grupo formado com o propósito de repetidamente cometer fraude fiscal, reduz o valor de impostos sobre valor agregado ou sobre o consumo ou recebe vantagens indevidas relativas ao IVA ou a impostos sobre o consumo147.

Conforme disposto no § 370, (4), da AO, deve-se entender que houve redução do tributo quando este não foi pago, total ou parcialmente, ou fora do prazo devido. Ainda de acordo com o mesmo dispositivo legal, as vantagens fiscais devem incluir a restituição de tributos.

3.3.3 Espanha

Ao contrário do que ocorre no Brasil, em Portugal, na Alemanha, na Itália e na França, na Espanha os crimes tributários estão tipificados no próprio Código Penal, no Título XIV, destinado aos crimes contra a Fazenda Pública e a contra a Seguridade Social.

As condutas punidas são as de defraudación tributaria (arts. 305 e 305 bis),

defraudación a los pressupuestos de la Comunidad Europea (art. 306), defraudación a la Seguridad Social (art. 307), fraude de subvenciones (art. 308), fraude a los fondos de los pressupuestos de la Comunidad Europea (art. 309) e contable tributário (art. 310).

145 AO, § 370, (1), n° 1 a 3. 146 AO, § 370, (1). 147 AO, § 370, (2), n° 1 a 5.

São consideradas fraude fiscal (defraudación tributaria), nos termos do art. 305 do CPe, as condutas de evadir, por ação ou omissão, o pagamento de tributos, valores retidos ou que deveriam ser retidos ou ingressos a conta, e de obter indevidamente devoluções ou benefícios fiscais, sempre que o valor da cota defraudada, o valor das retenções ou dos ingressos a conta que deixou de ingressar ou das devoluções ou benefícios fiscais indevidamente obtidos seja superior a cento e vinte mil euros.

As penas cominadas são de prisão de um a cinco anos e multa equivalente ao valor da cota defraudada ou até seis vezes esse valor, salvo no caso de regularização da situação tributária148.

Nos termos do art. 305 bis, n° 1, do CPe, o crime contra a Fazenda Pública será punido com pena de prisão de dois a seis anos e multa equivalente desde o dobro até o sêxtuplo do valor da cota defraudada, quando a fraude houver sido praticada sob as seguintes circunstâncias: a) o valor da cota defraudada supere os seiscentos mil euros; b) a defraudação tenha sido praticada no seio de uma organização ou grupo criminoso; e c) quando houver ocultação ou dificuldade na determinação da identidade do responsável tributário ou do autor do delito, na determinação da quantia evadida ou do patrimônio do responsável tributário ou do autor do delito, em virtude da utilização de pessoas físicas ou jurídicas ou de entes sem personalidade jurídica, de negócios ou instrumentos fiduciários, ou, ainda, de paraísos fiscais ou territórios de tributação nula.

3.3.4 Itália

O Decreto legislativo n° 74, de 10 de março de 2000 (Lei sobre crimes tributários), estabeleceu nova disciplina sobre os crimes em matéria de impostos sobre a renda e sobre valor agregado, havendo definido, nos Capítulos I e II do Título II, respectivamente, os delitos em matéria de declaração e os delitos em matéria de documentos e pagamento de impostos.

São da primeira espécie os seguintes crimes: a) declaração fraudulenta mediante uso de faturas ou outros documentos relativos a operações inexistentes (art. 2); b) declaração

148 Conforme o parágrafo 4 do art. 305 do CPe, a situação tributária é considerada regularizada quando houver o completo reconhecimento e pagamento da dívida tributária, antes da notificação do responsável tributário acerca do início das apurações tendentes à determinação das dívidas tributárias, ou, no caso de início dessas investigações, antes de o Ministério Público, o Advogado do Estado ou o representante processual da Administração autônoma, foral ou local de que se trate, interponha queixa ou denúncia contra aquele, ou antes que o Ministério Público ou o Juiz de Instrução adotem providências que permitam àquele ter conhecimento do início das diligências. Importante destacar, ainda nos termos do mencionado parágrafo 4 do art. 305 do CPe, que, em caso de regularização da situação tributária, eventuais irregularidades contábeis ou falsidades instrumentais relativas, exclusivamente, à dívida tributária objeto de regularização, que houverem sido praticadas antes da regularização não poderão ser objeto de persecução.

fraudulenta mediante outros artifícios (art. 3); c) declaração infiel (art. 4); e d) omissão de declaração (art. 5).

Da segunda espécie, foram tipificadas como delitos em matéria de documentos e pagamento de impostos: a) a emissão de fatura ou outros documentos por operações inexistentes (art. 8); b) a ocultação ou destruição de documentos contábeis (art. 10); c) a omissão do pagamento de retenções certificadas (art. 10-bis); d) a omissão do pagamento de IVA (art. 10-ter); e) a compensação indébita (art. 10-quater); e f) a subtração fraudulenta ao pagamento de impostos (art. 11).

A norma considerada a principal da disciplina sancionatória penal tributária é o art. 2 do Decreto Legislativo n° 74/2000, que pune a declaração fraudulenta mediante uso de faturas ou outros documentos relativos a operações inexistentes (SOUSA, S., 2006, p. 154).

A conduta ali incriminada é a de indicar elementos passivos fictícios149, em uma das declarações anuais relativas aos impostos sobre a renda ou sobre valor agregado, valendo-se o agente de faturas ou outros documentos relativos a operações inexistentes, com o fim de evadir os impostos mencionados.

Considera-se que o fato foi cometido valendo-se de faturas ou outros documentos relativos a operações inexistentes “quando tais faturas ou documentos são registrados na escritura contábil obrigatória, ou são mantidos para o fim de prova em fiscalizações da administração tributária”150

.

A pena prevista para tal delito é de reclusão de um ano e seis meses a seis anos, por outro lado, se o montante dos elementos passivos fictícios for inferior a €154.937,07, a pena será de reclusão, de seis meses a dois anos151.

3.3.5 França

No ordenamento jurídico francês, é o CGI que define os ilícitos penais tributários, que estão subdivididos em duas seções, sendo a primeira delas destinada às disposições comuns a todos os impostos, enquanto que a segunda prevê disposições particulares relativas a cada um dos impostos, embora, do ponto de vista penal, as normas incriminadoras previstas na Seção I do Capítulo II do Livro II sejam consideradas as mais importantes, abrangendo os art. 1741 a 1753 bis B (SOUSA, S., 2006, p. 163).

149

Nos termos do art. 1, b, do Decreto Legislativo n° 74/2000, entende-se por elementos passivos os componentes, expressos em cifra, que concorrem para a determinação da renda ou da base imponível relevante para o fim de aplicação dos impostos sobre a renda ou sobre valor agregado.

150 Decreto Legislativo n° 74/2000, art. 2, 2. 151

Especificamente quanto à fraude fiscal, está ela tipificada no art. 1741 do CGI (SOUSA, S., 2006, p. 163), o qual pune quem, de maneira fraudulenta, subtraiu-se ou tentou subtrair-se ao estabelecimento ou ao pagamento total ou parcial dos impostos disciplinados no CGI, mediante as seguintes condutas: a) omitir voluntariamente a declaração no tempo devido; b) dissimular voluntariamente uma parte das somas sujeitas à tributação; c) organizar sua insolvabilidade ou colocar obstáculos, por outras manobras, à recuperação do tributo; e d) agir de qualquer outra maneira fraudulenta.

As penas previstas são de multa até €500.000 e de prisão, até cinco anos, as quais podem ser aumentadas, respectivamente, para até €2000.000 e sete anos de prisão, desde que os fatos sejam praticados em bando organizado ou realizados ou facilitados pelos seguintes meios: a) abertura de contas ou assinatura de contratos em organismos estabelecidos no exterior; b) interposição de pessoas físicas ou jurídicas ou de qualquer organismo ou instituição comparável estabelecida no estrangeiro; c) uso de falsa identidade ou de falsos documentos ou de qualquer outra falsificação; d) domicílio fiscal fictício ou artificial no estrangeiro; ou e) ato fictício ou artificial ou de interposição de uma entidade fictícia ou artificial.

Por outro lado, em caso de dissimulação, o dispositivo penal em questão não é aplicado se o valor não exceder a décima parte do valor imponível ou o montante de €153.

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