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Dinheiro “negro” e dinheiro “sujo”

2.2 Tipologias de lavagem de dinheiro

2.3.3 Dinheiro “negro” e dinheiro “sujo”

Na opinião de Blanco Cordero (2012, p. 84-85), falar em “lavagem” (lavado) ou em “branqueamento” (blanqueo) decorre da distinção, baseada na respectiva fonte, entre “dinheiro negro”, que deve ser “branqueado”, e “dinheiro sujo”, a ser limpo ou lavado: o dinheiro negro, então, seria aquele originado de atividades lícitas, embora realizadas à margem do controle do Fisco, ou de atividades consideradas ilícitas pelo descumprimento de normas tributárias não penais; já o dinheiro sujo seria aquele derivado apenas de atividades delitivas, nelas incluídas os crimes contra a Fazenda Pública.

Em linhas gerais, essa é apontada como a classificação mais aceita na doutrina (MALLADA FERNÁDEZ, 2012, p. 40), até por fazer parte da gíria empregada no âmbito das atividades econômicas e financeiras irregulares (FABIÁN CAPARRÓS, 1993, p. 603), sendo seguida, por exemplo, por Cervini, Oliveira e Gomes, L. (1998, p. 40) e D’Álbora (2001, p. 8- 9) 60.

Em um primeiro momento, Fabián Caparrós (1993, p. 603, tradução nossa, grifo do autor) seguiu essa linha de distinguir os adjetivos “negro” e “sujo”, aplicados ao dinheiro, conforme a licitude ou a ilicitude do objeto a que se referissem, dando, assim, importância à qualidade da atividade geradora do patrimônio, de modo que “a riqueza negra seria a procedente de atividades econômicas lícitas, mesmo que realizadas à margem da normativa tributária vigente, enquanto que a riqueza suja seria a derivada de atividades ilícitas em si mesmas”.

Aquele autor, porém, modificou, mais adiante, a sua compreensão do assunto, e deixou de considerar a licitude de sua procedência como a nota diferenciadora da chamada riqueza negra (FABIÁN CAPARRÓS, 1998, p. 63), a qual passou a definir como aquela que é

60A designação do que seja dinheiro “cinza” (gris) é menos tranquila, e, mesmo, menos importante e usual, parecendo não configurar uma categoria própria. Mallada Fernández (2012, p. 40-41) aponta o dinheiro cinza como sinônimo de dinheiro sujo, ao passo em que Fabián Caparrós (1993, p. 603) refere que, para alguns autores, o que se considera riqueza negra é riqueza cinza. Para Ziegler (1990, p. 15), por sua vez, o dinheiro cinza é produto da evasão fiscal das classes dirigentes dos países europeus ou de desvios fraudulentos praticados por dirigentes de países do terceiro mundo, não fazendo, assim, distinção entre origem lícita ou ilícita.

mantida pelo seu titular “à margem das instâncias estatais de controle fiscal, ficando com isso liberado de submetê-la ao dever de contribuição para os gastos públicos imposto pelo sistema tributário” (FABIÁN CAPARRÓS, 1998, p. 55, tradução nossa). O dinheiro sujo, por sua vez, veio a ser definido como “aquele que, além de permanecer de costas para os circuitos econômicos oficiais, encontra sua origem numa atividade por si ilícita” (FABIÁN CAPARRÓS, 1998, p. 58, tradução nossa).

Como consequência, o dinheiro negro passa a ser considerado como um gênero, do qual o sujo é espécie, de maneira que toda riqueza suja é negra, porém, o contrário não é verdadeiro, uma vez que somente será sujo o capital negro “obtido mediante a comissão de operações ilícitas” (FABIÁN CAPARRÓS, 1998, p. 58, tradução nossa).

Bermejo (2009, p. 152) segue esse posicionamento mais recente de Fabián Caparrós e acrescenta que o ponto comum entre o capital negro e o capital sujo é que a parte daquele que deveria ter sido paga ao Fisco é, também, um capital possuído ilicitamente, ainda que possa não configurar ilícito penal, e que pode ser objeto de um processo de lavagem61.

Nesse mesmo sentido, outro ponto comum identificado entre o dinheiro negro e o dinheiro sujo é que ambos são ocultados do Fisco e devem, em algum momento, ser reintroduzidos na economia legal para que possam ser utilizados, passando, então, a diferenciar-se pelo modo como essa reintrodução pode ocorrer: como o dinheiro sujo procede de atividades ilícitas, somente lhe resta a via da lavagem, pois o arrependimento perante a Fazenda Pública implicaria a confissão de um delito; o dinheiro negro, por outro lado, não sendo oriundo de crime, tanto pode ensejar o arrependimento perante o Fisco, com o pagamento dos tributos e acatamento das demais sanções pertinentes, que não teriam cunho penal, como pode ser objeto de lavagem, dada a possibilidade de obtenção de um regime fiscal mais favorável (MALLADA FERNÁNDEZ, 2012, p. 41).

Embora se possa dizer que a distinção entre dinheiro negro e dinheiro sujo amparada na origem do capital seja a mais aceita, existem discordâncias. Palma Herrera (2000, 274), por exemplo, foge da distinção clássica para tratar de dinheiro negro na origem ou em sentido estrito, oriundo de atividade ilegal, e dinheiro negro em sentido amplo ou dinheiro negro derivado (sobrevenido), que se origina em atividade legal ocultada para iludir a Fazenda Pública, sendo, dessa forma, um problema não de lavagem, mas, fiscal.

61D’Álbora (2001, p. 9), que adota a distinção mais usual entre dinheiro negro e dinheiro sujo, também trata da possibilidade de entrecruzamentos entre essas duas categorias, de maneira que o dinheiro evadido fraudulentamente ao Fisco passa a ser sujo, enquanto que este e o que se escamoteia à Fazenda Pública seriam, na verdade, dinheiro negro.

Já Bajo Fernández (2009, p. 13; 2010, p. 715, tradução nossa) trata dinheiro negro e dinheiro sujo sob a mesma definição: “aquele que carece da possibilidade de ser controlado pelas fazendas públicas e, portanto, ser submetido ao dever de contribuição para os gastos públicos, imposto pelo sistema fiscal de um determinado país”62

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Por conta dessas divergências, Aránguez Sánchez (2000, p. 32) opta por falar em capitais lícita ou ilicitamente obtidos, considerando a ilicitude, no caso, como a penal, correspondente a “um fato tipicamente antijurídico”. Nesse sentido, considera o autor que os capitais provenientes de um fato que configure apenas infração tributária, ainda que subtraídos do controle da Fazenda Pública, são lícitos, enquanto que teriam proveniência ilícita aqueles que tiverem sido objeto de um delito fiscal (ARÁNGUEZ SÁNCHEZ, 2000, p. 32).

De fato, se o objeto material da lavagem de dinheiro são bens originados de uma infração penal, soa mais acertado falar-se em capitais lícita ou ilicitamente obtidos, bem assim considerar tal (i)licitude no sentido de “fato tipicamente antijurídico”, como proposto por Aránguez Sánchez, ainda mais quando se tem em conta a tendência de ampliação do rol de delitos subjacentes à lavagem.

Dessa forma, pensando em delitos fiscais, se, como ocorre na Espanha, a cota tributária defraudada é objeto material da lavagem de dinheiro, é porque se considera que ela se origina de um ilícito penal: é, pois, um capital ilicitamente obtido.

Porém, se essa cota tributária defraudada for inferior ao patamar de cento e vinte mil euros, a conduta de fraude à Fazenda Pública será penalmente atípica, conforme previsto no art. 305 do CPe, e o valor a ela correspondente não poderá ser considerado objeto material da lavagem de dinheiro, de maneira que qualquer ato de conversão ou ocultação será igualmente atípico (tratar-se-á de um capital licitamente obtido, no sentido penal).

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