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O setor alimentar inclui o conjunto de atividades relacionadas com a transformação de matérias primas em bens alimentares ou bebidas e a sua disponibilização ao consumidor final, abrangendo atividades tão distintas como a agricultura, a silvicultura, a indústria de alimentos e bebidas e a distribuição e comercialização.

Na indústria alimentar incluem-se um conjunto de atividades como transformação de matérias- primas (de origem animal ou vegetal), processamento, conservação e embalamento. Este tipo de indústria está em evolução constante e a tecnologia desempenha um papel cada vez mais importante, sendo os processos cada vez mais automatizados ou sem automatizados, ainda que algumas operações manuais devam continuar para mercados e produtos particulares (Johansson et al., 2009). Alguns estudos prévios apontavam para uma diminuição das lesões musculoesqueléticas com a introdução da automatização (Balogh, Ohlsson, Hansson, Engstrom, & Skerfving, 2006). Contudo, estudos posteriores observaram que apesar dos níveis de força aplicados serem menores em linhas de produção mais automatizadas, em muitos casos se verificou um aumento dos movimentos de menor amplitude e mais repetitivos, bem como uma diminuição das pausas para descanso (Locks et al., 2018; Palmerud, Forsman, Neumann, & Winkel, 2012; Srinivasan & Mathiassen, 2012). Assim, a introdução da automatização na indústria alimentar, ao não eliminar os movimentos repetitivos (aumentando até em alguns casos) e diminuindo as pausas para o descanso, pode indiciar um aumento do desconforto no sistema musculoesquelético e consequentemente o desenvolvimento ou agravamento de afeções musculoesqueléticas (Govindu & Babski-Reeves, 2014; Locks et al., 2018).

Segundo um relatório da Health and Safety Executive (HSE, 2014) cerca de um terço das lesões agudas relatadas são causadas pelo manuseamento e pela aplicação de força no levantamento de objetos, nas linhas de produção, onde se realizam tarefas altamente repetitivas. Este tipo de tarefas é muito propenso ao desenvolvimento de lesões musculoesqueléticas, tais como as lombalgias e

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Estado de Arte distúrbios musculoesqueléticos dos membros superiores que representam quase um quarto das doenças ocupacionais.

Segundo o mesmo relatório, as principais causas de lesão, na indústria alimentar e de bebidas, são: - Empilhamento e desempilhamento (caixas, caixotes, sacos e contentores);

- Embalamento de produtos (como por exemplo queijos e bolachas); - Desmancha, desossa e evisceração (de aves e carnes);

- Movimentação de carrinhos de apoio (prateleiras de forno e carrinhos de produtos); - Manuseamento de recipientes de bebidas (barris e caixas).

Nos EUA, a indústria alimentar é uma das maiores indústrias de manufatura, e os trabalhadores do setor da produção constituem mais da metade dos empregados em toda a indústria alimentar. Verifica-se que os trabalhadores envolvidos na fabricação de alimentos são mais propensos a sofrer lesões não fatais, onde se incluem as lesões musculoesqueléticas, do que os trabalhadores de outros setores industriais (Bhushan, 2011). O trabalho manual repetitivo, levantamento de pesos, movimentos vigorosos e as posturas não neutras são fatores de risco bem conhecidos que contribuem para a génese ou agravamento das LMERT, e que requerem na maioria das vezes transferências de posto de trabalho ou restrições ao trabalho (Kim & Nakata, 2014).

Ricco (2017) realizou um estudo transversal com 434 trabalhadores de indústrias de processamento de carne, onde se confirma que as tarefas deste tipo de indústria são um fator de risco para o desenvolvimento de LMERT, nomeadamente a síndrome do túnel cárpico, dada a exposição a movimentos repetitivos e ritmos acelerados associados a baixas temperaturas.

Um outro estudo, realizado por Fazi (2016) identificou os problemas relacionados com ergonomia, no processo de produção de alimentos, usando o método de avaliação de risco do posto de trabalho que analisa principalmente os movimentos do membros superiores (RULA) e o método de avaliação de risco que analisa os movimentos do corpo inteiro (REBA) e concluiu que os trabalhadores estavam efetivamente expostos a posturas forçadas, que as mesmas estariam na origem de lesões musculoesqueléticas, e que a altura do trabalhador também deveria ser tida em consideração relativamente ao posto de trabalho a ocupar. Com efeito, outro estudo também concluiu que um design inadequado do local de trabalho acarreta dificuldades para os trabalhadores como fadiga e lesões musculoesqueléticas, conduzindo a baixa produtividade e aumento de custos para a empresa (Falck & Rosenqvist, 2014).

Outra indústria “critica”, é o processamento de alimentos congelados, na qual os trabalhadores também são, geralmente, expostos a potenciais riscos para a saúde, onde se inclui o ambiente térmico, biológico, químico e psicossocial (Raatikka, Rytkönen, Näyhä, & Hassi, 2007). De facto, na produção de alimentos congelados industriais são necessárias baixas temperaturas que mantêm a qualidade dos alimentos frescos durante muito tempo, adicionando aos fatores de risco “tradicionais” desta indústria (atividades repetitivas, posturas não-neutras, força, entre outros) novos fatores de risco como os níveis de humidade e o ambiente térmico (Tomita et al., 2010). De

45 facto, os ambientes de trabalho com baixas temperaturas podem afetar vários órgãos, de entre os quais o sistema musculoesquelético (Anamai Thetkathuek, Yingratanasuk, Jaidee, & Ekburanawat, 2015; Thiese et al., 2014).

A indústria da restauração também tem características de trabalho que podem contribuir para estas patologias, incluindo longas horas de trabalho, deslocações de grandes distâncias, levantamento de pesos em posturas inadequadas, entre outras. Por exemplo, os trabalhadores das cozinhas enfrentam como principais fatores de risco a postura, na flexão do pescoço ao cozinhar os alimentos, a força aplicada, ao transportar pacotes de alimentos pesados e a repetição, ao cortar e preparar a comida (Chyuan & Sung, 2005).

No que diz respeito ao sexo verifica-se geralmente uma maior incidência na população feminina, decorrente do grande número de mulheres a trabalhar neste setor específico. A indústria alimentar Sueca, é um dos exemplos da elevada contratação de mulheres para a fabricação de alimentos, verificando-se também um elevado número de distúrbios musculoesqueléticos no sexo feminino, principalmente nas atividades que envolvem manuseamento manual e nas fases de produção e embalagem (Mikael Forsman, Bernmark, Nilsson, Pousette, & Mathiassen, 2012).

A indústria de Produção de Queijo

A indústria de produção de queijo, inclui-se na categoria de “outros derivados de laticínios” e em termos gerais envolve as seguintes etapas: preparação do leite, coagulação, drenagem, moldagem, salga, prensagem, cura e embalamento (C. Esteves, 2013; Paula, Carvalho, & Furtado, 2009). Neste tipo de indústria, fatores adicionais como condições ambientais (microclimas) em diferentes zonas, bem como o manuseamento manual de materiais podem considerar-se “stressores” musculoesqueléticos adicionais (Monarca, Colantoni, Di Giacinto, & Petrelli, 2011).

De acordo com um estudo de Murgia et al. (2012), realizado numa indústria de fabricação de queijo, as tarefas mais problemáticas foram identificadas na produção, na seção de embalamento, enquanto que as tarefas identificadas com menor risco foram as relacionadas com a seção da cura. Os dois métodos de avaliação de risco utilizados no estudo, o Occupational Repetitive Actions (OCRA) e o Strain Index (SI), forneceram resultados semelhantes, especialmente para as tarefas que envolviam movimentos intensivos da mão e do punho.

Num outro estudo, realizado numa indústria de queijo, as tarefas eram cíclicas e predominantemente mecânicas, e expunham os trabalhadores a uma variedade de atividades dos membros superiores de força variável, posturas e movimentos repetitivos. Concluiu-se que aplicando métodos diferentes de avaliação ergonómica, os mesmos eram concordantes na medida em que verificaram que aqueles fatores acarretariam um risco para o sistema musculoesquelético dos trabalhadores (J. C. Rosecrance et al., 2001).

Um estudo realizado em Portugal, em 2010, numa fábrica de queijo da Ilha de São Jorge, onde foram utilizados dois instrumentos de avaliação (QNM para a avaliação de sintomas e o método ergonómico RULA de avaliação de risco do posto de trabalho), concluiu que haveria necessidade de alterar a maioria dos postos de trabalho, dada a existência de LMERT em várias zonas do corpo dos

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Estado de Arte trabalhadores participantes no estudo, incluindo os membros superiores, evidenciadas principalmente através da manifestação de dor com intensidade, na maioria dos casos moderada, resultante da execução de tarefas com movimentos repetitivos, transporte manual de cargas, exposição a ambiente térmico frio e ausência de pausas para descanso e recuperação (B. Sousa, 2010).