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5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5.3 Incidência

Uma das principais medidas usadas em estudos epidemiológicos, é a taxa de incidência, pelo que no presente estudo foi calculada a taxa de incidência do primeiro para o segundo momento de avaliação e a correspondente incidência anual, para os três métodos de avaliação de trabalhadores. Assim, e no que se refere à incidência de sintomas do membro superior, observou-se uma incidência anual de 3,8%. Este valor encontra-se dentro do intervalo identificado na revisão sistemática realizada por Costa el al entre 2000 e 2012 com valores máximos na ordem dos seis por cento (Torres da Costa et al., 2015). Todavia, comparativamente ao estudo realizado por Pelissier (2014) o valor determinado é consideravelmente inferior. Fazendo a análise por região anatómica do membro superior, observou-se uma incidência anual de 4,1% nos sintomas no ombro, de 2,6% na região anatómica do cotovelo e de 3,8% na região do punho e mão.

Quando se tem em conta o exame médico e a ecografia, verificou-se que a incidência anual de alterações no membro superior aumenta para valores de 9,3% e 8,8% respetivamente. Por região anatómica identificou-se uma taxa de incidência anual de 7,4% e 5,8% para a zona do ombro, 1,8% e 6,9% para a zona do cotovelo e 11,2% e 8,1% para a zona do punho e mão, através do exame médico objetivo e ecografia, respetivamente.

No que diz respeito ao ombro, os valores de incidência encontrados pelo exame médico e ecografia são superiores aos dos sintomas, o que pode ser justificado pelos mesmos motivos já referidos para a prevalência. Comparando os valores de incidência obtidos neste estudo, para a região do ombro, com alguns dos escassos estudos encontrados, verifica-se que, de uma maneira geral, os valores deste estudo, são inferiores. No entanto, na maior parte das vezes, os valores apresentados são referentes a períodos que não correspondem a um ano, pelo que se forem considerados os valores correspondentes aos dois anos que medeiam os dois momentos de avaliação, os valores obtidos estão dentro do intervalo dos estudos encontrados que apresentam valores de incidência entre dez e vinte por cento (H. Harcombe et al., 2014; Long, Bogossian, & Johnston, 2013; Trinkoff et al., 2006).

Já no caso do cotovelo, os valores da incidência de sintomas e dos sinais de doença musculoesquelética obtidos pelo exame médico são semelhantes, e estão de acordo com os descritos na literatura que reportam intervalos entre um e cinco por cento (Kurppa, Viikari-Juntura,

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Discussão de Resultados Kuosma, Huuskonen, & Kivi, 1991; Roquelaure, Descatha, Dale, Silverstein, & Rempel, 2015), ao contrário dos valores da incidência obtidos pelo exame ecográfico, que se apresentam bastante superiores, o que pode ser sugestivo da não perceção dos sintomas nesta região anatómica ou as alterações detetadas corresponderem a estadios iniciais da doença, só detetáveis na ecografia. Na região anatómica do punho/mão, os valores mais elevados de incidência continuam a ser obtidos pelo exame médico e exame ecográfico, sendo que, neste caso, os valores do exame médico, são superiores aos da ecografia, o que pode ser justificado pela ecografia ser apenas realizada ao punho. Ainda assim, os valores de incidência anual da região anatómica do punho/mão, situados entre 3 e 12%, estão de acordo com vários estudos da literatura que reportam incidências entre dois e vinte porcento (Gell, Werner, Franzblau, Ulin, & Armstrong, 2005; Kivekas et al., 1994; Ricco & Signorelli, 2017).

5.4 Validação de lesão musculoesquelética

A avaliação de sintomas, o exame médico e a ecografia, representam neste estudo indicadores sugestivos de lesão ou doença musculoesquelética, que podem ser utilizados separadamente ou em conjunto, para o estabelecimento de critérios de avaliação diagnóstica de lesão musculoesquelética no membro superior. Importa assim, fazer uma análise comparativa entre estes indicadores e de como se relacionam entre si e com as metodologias de avaliação de risco. Foi observada convergência dos dados obtidos no exame médico objetivo e no exame ecográfico, que se apresentaram ambos superiores aos da sintomatologia. Considerando as regiões anatómicas em particular, foram encontradas relações estatisticamente significativas entre os indicadores utilizados, à exceção da relação entre os sintomas apresentados no punho/mão e o exame médico, no segundo momento de avaliação. De facto, verifica-se que o exame médico e a sintomatologia se encontram hierarquizados da mesma forma, apresentando mais casos de LME na região do punho/mão, e menos casos na região do cotovelo, sendo concordantes em cerca de 72%, para as regiões do punho/mão e região do ombro, e em 47% no caso do cotovelo. Já a ecografia revelou mais alterações no segmento ombro, e menos casos no segmento cotovelo. De salientar que, as percentagens de alterações ecográficas reveladoras de lesão musculoesquelética detetadas na região do punho/mão, são semelhantes às da sintomatologia e inferiores ao exame medico, o que não acontece nos outros segmentos. No entanto, na 1ª avaliação apenas se verifica concordância em sensivelmente 35% dos casos de sintomatologia, o que indicia que as alterações não serão apresentadas sempre pelos mesmos trabalhadores que manifestaram as queixas. Esta hipótese, convida a fazer uma análise mais aprofundada de trabalhadores assintomáticos que apresentaram sinais de doença musculoesquelética no exame médico e/ou alterações na ecografia, situação que não se encontrou analisada em mais nenhum estudo de referência.

Assim, no caso do punho/mão, verificou-se que a percentagem de trabalhadores que não se queixaram e que apresentaram sinais de doença musculoesquelética no exame objetivo foi superior

173 a 30% nos dois momentos de avaliação, e na ordem dos 18 % relativamente a alterações ecográficas detetadas em trabalhadores que não tinham sintomas, o que pode sugerir que os trabalhadores podem não percecionar os sintomas, ou não os valorizarem, ou até mesmo não desejarem revelar o problema. A percentagem inferior no caso da ecografia, pode resultar do facto de apenas ter sido realizada ao punho.

No que se refere ao ombro, também se verificou que a percentagem de trabalhadores assintomáticos que apresentaram sinais de doença no exame medico objetivo foi, em média, e considerando os dois momentos de avaliação, aproximadamente 20%. No caso das alterações ecográficas o valor ultrapassou os 30% no primeiro momento de avaliação, o que se pode justificar, eventualmente, por algumas alterações musculoesqueléticas só serem visíveis na ecografia, podendo a doença estar num estágio inicial e não apresentar ainda sintomatologia.

No caso do cotovelo, verificou-se que a percentagem de indivíduos sem sintomas que apresentavam sinais de doença no exame medico objetivo, considerando os dois momentos de avaliação, estava entre 4% e 10% e que os trabalhadores assintomáticos que apresentaram alterações ecográficas se situou entre 4% e 13%, considerando os dois momentos de avaliação, ainda que no primeiro momento de avaliação tenham sido detetados mais casos de lesão musculoesquelética em trabalhadores assintomáticos, através do exame médico e no segundo momento de avaliação tenham sido detetados mais casos de trabalhadores assintomáticos com alterações ecográficas.

Dada a importância da questão da não existência de sintomas, com posterior deteção de “sinais de lesão ou doença musculoesquelética” pelo exame médico e/ou pela ecografia, considerou-se pertinente fazer a distinção entre os dois sexos, dada as diferenças antropométricas existentes, onde foi observado que o sexo feminino em ambos os momentos de avaliação e para todas as regiões anatómicas apresentou percentagens mais elevadas, no mínimo duas vezes superiores às do sexo masculino. Este facto é provavelmente justificado pela amostra ser maioritariamente feminina (70%), não obstante outros estudos terem demonstrado que o sexo é um fator influenciador (Hagberg et al., 1995; Barbara Silverstein et al., 2009), pois normalmente existe uma maior subvalorização de sintomas por parte do sexo masculino ou até mesmo o reporte da queixa ser interpretado como um sinal de fraqueza (Serranheira, 2007), acrescido do fato da capacidade física dos indivíduos do sexo feminino ser, no geral, inferior à indivíduos do sexo masculino, o que em termos de carga física pode significar sobrecarga para a mulher, quando ambos exercem a mesma tarefa.

No que diz respeito à relação entre os indicadores sugestivos de lesão/doença musculoesquelética e os métodos de avaliação de risco no posto de trabalho, verificou-se uma relação estatisticamente significativa entre a sintomatologia e o método OCRA, observando-se que a categoria de “Investigar e alterar” representou 34,7% dos sintomáticos. Na literatura já foi referida, por vários autores, esta relação entre a sintomatologia auto referida através de questionários e o método OCRA (Buzanello & Moro, 2012; Ehsanollah, Mohsen, Azam, Peymaneh, & Akbar, 2013; Forcella et al., 2012; Ilardi, 2012; Mohammadi, 2012).

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Discussão de Resultados Considerando as regiões anatómicas, verificou-se relação estatisticamente significativa entre o método OCRA e sintomatologia do ombro ainda que sem forte associação (AR < 1,96), onde apenas 28,0% dos sintomáticos se encontravam em postos de trabalho da categoria “Investigar e alterar”. No que concerne à região anatómica do punho, foi a única que revelou relação estatisticamente significativa com os dois métodos de avaliação de risco, onde categoria de “Investigar e alterar o posto de trabalho” no método RULA representou 64,0 % dos sintomáticos, e 43,8% no método OCRA, com forte associação (AR>2,0) no caso do método RULA. Neste caso, pode concluir-se que o método RULA obteve melhor resultado, sendo o que mais se aproxima da sintomatologia referida pelos trabalhadores, o que é corroborado por vários autores (Brodie & Wells, 1997; Chiasson et al., 2012; Levanon, Lerman, Gefen, & Ratzon, 2014; Mukhopadhyay & Khan, 2015).

No caso da existência de sinais de doença detetados no exame médico, apenas se verificou relação estatisticamente significativa para a região anatómica do punho/mão com o método OCRA, sendo que 39,3% com sinais de doença nessa região tinham os seus postos de trabalho classificados como postos a “Investigar e alterar” (risco médio). Também no que se refere a doenças musculoesqueléticas específicas, foram também as doenças relacionadas com essa região anatómica, nomeadamente a STC, que revelou uma relação estatisticamente significativa com ambos os métodos, RULA e OCRA, onde foi constatado que 52,6% dos trabalhadores que apresentaram sinais de STC estavam em postos de trabalho classificados de risco médio pelo método RULA e que 44,7% estavam em postos de trabalho classificados de risco médio pelo método OCRA. Também Bancone (2007) aplicou o método OCRA e relacionou-o com a prevalência de STC em trabalhadores do setor industrial e por sua vez Levanon (2014) relacionou o método RULA com esta mesma doença. No caso do cotovelo não se verificou qualquer relação estatisticamente significativa entre a existência de sinais de doença e os métodos OCRA ou RULA.

A relação entre a ecografia e os métodos de avaliação de risco, só se mostrou estatisticamente significativa com o método OCRA, e apenas para a região do punho/mão, encontrando-se 61,8% dos trabalhadores com alterações ecográficas naquela zona, em postos de trabalho da categoria “Investigar e alterar”. Deste modo, o método OCRA poderá ser considerado como um bom indicador da existência de alterações ecográficas, naquela região anatómica. De salientar que não foram encontrados estudos de referência que abordassem esta relação.

Pode assim ser concluído que o método OCRA, em termos genéricos, é um bom auxiliar como método complementar na determinação da prevalência de LME MS, o que também tem vindo a ser refletido na literatura onde se encontram vários estudos que aplicam simultaneamente o método OCRA e questionários de avaliação de lesão musculoesquelética (Battaglia et al., 2015; Battevi & Vitelli, 2013; Baykasoglu, Tasan, Tasan, & Akyol, 2017; Boenzi, Digiesi, Mossa, Mummolo, & Romano, 2013; Bruno et al., 2016).

Um dos objetivos deste estudo foi definir critérios de validação de lesão musculoesquelética, pelo que foram definidos três grupos que possibilitassem relacionar as informações dos três métodos

175 de avaliação de lesão/doença musculoesquelética nos trabalhadores, com os métodos de avaliação de risco OCRA e RULA.

Assim, como seria expectável, quando se considera apenas um indicador sugestivo de doença musculoesquelética (Grupo A) a percentagem de indivíduos que se se presume apresentar LME MS é consideravelmente superior do que se considerar dois ou três indicadores sugestivos de doença (grupos B e C), para todas as regiões anatómicas do membro superior e para ambos os momentos de avaliação. Caso se opte por validar a LME MS considerando apenas um indicador (método) sugestivo de doença musculoesquelética, tem-se um diagnóstico mais sensível e menos específico, com risco de apresentar falsos positivos.

Cruzando esta metodologia de diagnóstico que considera apenas um indicador sugestivo de doença musculoesquelética (Grupo A) com os métodos OCRA e RULA, ainda que se tenham observado relações estatisticamente significativas, para a região anatómica do punho/mão e cotovelo, não se verificou forte associação com esta metodologia, o que por si só não indicia qualquer influência da função desempenhada, acrescido de que a maior percentagem de sintomáticos estava associada a posto de trabalho de risco baixo.

Quando se considera como metodologia de validação de LME MS, o diagnostico utilizando dois indicadores sugestivos de doença musculoesquelética (Grupo B) a percentagem de indivíduos que se se presume apresentar lesão musculoesquelética é naturalmente inferior, para todas as regiões anatómicas do membro superior e para ambos os momentos de avaliação. Caso se opte por validar a LME MS considerando dois indicadores sugestivos de doença musculoesquelética, diminui a sensibilidade da metodologia, mas por outro lado aumenta a especificidade. Cruzando esta metodologia de diagnóstico que considera dois indicadores sugestivos de doença musculoesquelética com os métodos OCRA e RULA, verifica-se uma associação forte entre as lesões musculoesqueléticas do cotovelo, e a categoria “risco baixo” do método OCRA, o que sugere que o posto de trabalho poderá não ser totalmente relevante para a assunção da lesão musculoesquelética existente no trabalhador.

Finalmente, quando se considera como metodologia de validação de lesão musculoesquelética, o diagnostico utilizando três indicadores sugestivos de doença musculoesquelética (Grupo C), a percentagem de indivíduos que se se presume apresentar LME MS decai ainda mais, para todas as regiões anatómicas do membro superior e para ambos os momentos de avaliação. Caso se opte por validar a lesão musculoesquelética considerando os três indicadores sugestivos de doença musculoesquelética, esta metodologia é a que apresenta menor sensibilidade, mas maior especificidade. Cruzando esta metodologia de diagnóstico que considera os três indicadores sugestivos de doença musculoesquelética com o método OCRA e RULA, verifica-se uma associação forte entre as lesões musculoesqueléticas do punho/mão e a categoria “risco médio” do método RULA, o que neste caso pode ser sugestivo de que a atividade laboral desempenhada pode ter influência na LME detetada no trabalhador.

Em suma, para usar critérios com elevado grau de sensibilidade, o que pode ser importante para a deteção da doença em estágios iniciais de desenvolvimento, os resultados do grupo A devem ser

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Discussão de Resultados tidos em consideração. Por sua vez, se os critérios exigem um elevado grau de especificidade, devem ser considerados os resultados do grupo C.

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Raposo, Ana

6 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS FUTURAS