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Segundo os dados da EUROSTAT (De Norre, 2009), cerca de 40 % dos trabalhadores da União Europeia encontram-se expostos a fatores que podem afetar negativamente a sua saúde, a nível físico.

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Estado de Arte As LMERT, são distúrbios musculoesqueléticos onde os fatores de risco profissional contribuem, de alguma forma, para a sua etiologia, predisposição ou agravamento (A Uva & Graça, 2004). Importa assim, contextualizar o trabalho nas sociedades atuais. O trabalho é compreendido como algo essencial na construção da própria identidade, da socialização e da dinâmica das relações sociais e, enquanto relação, é construída entre o indivíduo com outro indivíduo ou empresa, para a qual ele trabalha, em troca do seu salário (Akesson, Hansson, Balogh, Moritz, & Skerfving, 1997). Os autores acrescentam ainda que é entendido com “fonte de satisfação, por permitir participar da obra produtiva geral, e fonte de verdadeiro prazer, por possibilitar a realização de objetos ou tarefas úteis para a sociedade”. O trabalho não pode ser visto como um ato isolado, sendo necessário ter em conta o tipo de tarefa, a qualificação do executante da mesma, bem como é indispensável que exista uma relação entre o perfil do posto de trabalho, as habilitações do trabalhador, e as suas características físicas, mentais e motivacionais. Na perspetiva de Herquelot (Herquelot et al., 2013), para grande parte dos sujeitos o emprego é encarado como uma atividade que abrange a maior parte das suas vidas. Nas sociedades atuais ter um emprego é importante para a preservação do respeito por si próprio. Mesmo quando as condições de trabalho são relativamente desagradáveis e as tarefas a realizar monótonas, o trabalho tende a ser um elemento estruturante na constituição psicológica das pessoas e no ciclo das suas atividades diárias. O trabalho é entendido como a realização de tarefas que envolvem esforço físico e mental, com o intuito de produzir bens e serviços para a satisfação das necessidades humanas. Existem várias particularidades do trabalho que são relevantes a este respeito, tais como, dinheiro, nível de atividade, variedade, estrutura temporal, contactos sociais e identidade pessoal (Barbieri, Srinivasan, Mathiassen, Nogueira, & Oliveira, 2015; Fazi, Mohamed, Rashid, & Rose, 2016). Como pode ser observado pela variedade de formas que assume, pela diversidade de entendimentos que suscita, “imaginar um mundo sem trabalho soa a algo de absurdo” (Dejours, 2013).

O trabalho é entendido como um termo polissémico e controverso quanto baste. Usado, com assiduidade, no sentido de atividade produtiva, é também habitual, umas vezes, usar-se no sentido do resultado da atividade humana, outras vezes no sentido de ocupação, outras ainda no sentido de conjunto ou de grupo de trabalhadores (Alabdulkarim et al., 2017).

Nesta “importância” de que se reveste o trabalho no mundo atual, constata-se que o mesmo tem um carácter cada vez mais mecanicista, sendo de prever um aumento de produtividade e consequentemente das lesões musculoesqueléticas relacionadas com a atividade laboral. Os fatores de risco de desenvolvimento destas lesões não estão tão relacionados com o trabalho físico intenso, como acontecia no passado, mas sobretudo relacionados com a repetitividade de movimentos e imposição de elevados ritmos de atividade (Coelho, 2009; Neumann et al., 2019; Florentino Serranheira, Uva, & Lopes, 2008).

Como já foi referido anteriormente, as LMERT têm uma etiologia multifatorial, isto é, para o seu desenvolvimento contribuem diversos fatores de risco que são geralmente agrupados em caraterísticas individuais, caraterísticas psicossociais do meio laboral e exposição física no local de trabalho (M. Häkkänen, E. Viikari-Juntura, & R. Martikainen, 2001; Leite et al., 2019).

21 O risco é multifatorial, pelo que reflete a contribuição, variável, de cada conjunto de fatores. Além das contribuições específicas, a medida em que os fatores de risco são influenciados pelo social, organizacional e outros fatores, bem como a probabilidade inerente de cada um varia substancialmente (Saidu et al., 2011; A. Thetkathuek, Meepradit, & Jaidee, 2016).

Para que se tenha uma visão geral dos fatores de risco para o desenvolvimento de uma lesão musculoesquelética, comprometimento, e incapacidade atribuída ao indivíduo, tem de ter em conta que a associação entre a exposição física e o desenvolvimento de uma doença musculoesquelética ocorre num amplo contexto de fatores económicos e culturais e reflete a interação de elementos intrínsecos para além de extrínsecos, para o indivíduo (J. H. Andersen, Fallentin, Thomsen, & Mikkelsen, 2011).

A interação de características psicológicas e exposição mecânica representa a interseção entre a carga física imposta e a resposta psicológica do indivíduo à carga de trabalho (Burton et al., 2009). A sobreposição entre estas duas características (psicológicas e fisiológicas) representa a interação entre a vulnerabilidade do tecido à carga, a vivência da dor e o efeito da dor no indivíduo. Finalmente, a sobreposição entre as esferas fisiológicas e mecânicas simboliza a relação entre stressores físicos e a resposta do tecido corporal. Existe ainda a capacidade implícita de adaptação por parte do indivíduo, bem como a alteração de fatores mecânicos, contexto social e cultural, entre outros. (A. Thetkathuek, Meepradit, & Sa-ngiamsak, 2017; Vafadar, Côté, & Archambault, 2015; Wahlstrom, Hagberg, Toomingas, & Tornqvist, 2004).

A esfera das características psicológicas representa a natureza da resposta psicológica do indivíduo a stressores extrínsecos, refletindo em grande parte o contexto social e as suas implicações para o indivíduo. A importância desta esfera é determinada por tais características psicológicas como atitudes, valores e uma variedade de mecanismos de defesa. O eixo psicossocial representa os fatores psicossociais aos quais o indivíduo está exposto.

Os fatores organizacionais de contexto social são designados como riscos psicossociais, consistentes com a terminologia do Quadro Europeu de Gestão de Riscos Psicossociais. De acordo com este enquadramento, os riscos psicossociais incluem os fatores relacionados com o conteúdo do trabalho, carga e ritmo de trabalho, horários, controlo, meio cultural e função organizacional, e ainda relacionamento interpessoal (Mahmoudifar & Seyedamini, 2018; Oakman, 2014).

Martins (2008), parafraseando vários autores, menciona como fatores organizacionais as horas extras, períodos prolongados de trabalho, intervalos de descanso diminutos ou ausentes, não rotatividade nas tarefas e as exigências de produtividade. Outros autores referem ainda o trabalho monótono, a supervisão, a colaboração entre trabalhadores e a satisfação no trabalho (Leite et al., 2019; Revankar et al., 2017).

Depois, a esfera das características fisiológicas representa a fisiologia do indivíduo: estrutura e função do corpo. Esta esfera reflete como os fatores físicos individuais contribuem para o risco de incapacidade. Esses fatores incluem idade, índice de massa corporal, sexo e condição física geral, incluindo a presença de co-morbidades (Esposito et al., 2014; Roll, Selhorst, & Evans, 2014).

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Estado de Arte Um trabalhador que tenha estado continuamente a sujeito a exposição a fatores de risco como movimentos repetitivos e/ou sobrecargas físicas apresentará, com o aumento da idade, efeitos cumulativos que podem traduzir-se na diminuição da força e da mobilidade muscular e articular, bem como diminuição da tolerância dos tecidos, o que pode originar o desenvolvimento ou agravamento de LMERT. Um estudo realizado em 2008, em França, em várias indústrias do Vale do Loire. com o objetivo de avaliar a influência do fator de risco idade na prevalência de LMERT, recorreu a questionários autoadministrados e vigilância epidemiológica realizada por médicos de trabalho, e concluiu que a exposição a fatores de risco por parte de trabalhadores mais idosos resulta em prevalências mais de LMERT do que em trabalhadores mais jovens (Norma, Rosa, & Francesco, 2009).

Outro estudo realizado por Roquelaure (2011) com 3710 trabalhadores do setor industrial, cujo objetivo foi estudar os fatores de risco no desenvolvimento de tendinite da coifa dos rotadores em trabalhadores expostos a várias restrições do ombro,concluiu que a idade estava entre os fatores de risco individuais associados ao desenvolvimento daquelas patologias para além dos fatores relacionados com o trabalho e também dos fatores psicossociais.

Alguns estudos também associam o aumento da idade com o aumento da prevalência e incidência da dor crónica do ombro e no pescoço em ambos os sexos, bem como a diminuição da taxa de desaparecimento dessa mesma dor crónica (Cassou, Derriennic, Monfort, Norton, & Touranchet, 2002).

Outro fator considerado como “cofator” de risco é o sexo. De acordo com vários autores a prevalência de sintomas na região cervical, lombar e membros superiores é maior no sexo feminino, quando realizam as mesmas funções, do que no sexo masculino, ainda que o que condiciona significativamente o desenvolvimento ou agravamento de LMERT são as condições físicas do trabalho (Coury, Porcatti, Alem, & Oishi, 2002; Gardner et al., 2008; Hagberg et al., 1995; Kelsh & Sahl, 1996; Palsson, Stromberg, Ohlsson, & Skerfving, 1998).

De acordo com Leclerc (2016) também a dor musculoesquelética é globalmente mais frequente nas mulheres, registando um aumento com a idade. Em alguns estudos são referidas as alterações hormonais decorrentes do aumento da idade da mulher, que se podem relacionar com a perda de massa óssea e perda de força muscular, resultando numa maior propensão para o desenvolvimento de lesões musculoesqueléticas (Hughes, Frontera, Roubenoff, Evans, & Singh, 2002; Maltais, Desroches, & Dionne, 2009).

A condição de saúde, nomeadamente algumas alterações fisiopatológicas, também contribuem para o aumento da vulnerabilidade do sistema musculoesquelético e articular e consequentemente para o desenvolvimento ou agravamento de LMERT, como por exemplo a existência de doenças como o diabetes mellitus, a hipertensão e a existência de lesões musculoesqueléticas anteriores (Aptel, Aublet-Cuvelier, & Cnockaert, 2002; Cagliero, Apruzzese, Perlmutter, & Nathan, 2002; Forde, Punnett, & Wegman, 2005; Petit et al., 2014).

23 Os hábitos tabágicos ou a exposição a agentes químicos provenientes do fumo do tabaco têm efeitos deletérios no sistema musculoesquelético (Abate, Vanni, Pantalone, & Salini, 2013) e por isso são também considerados fatores de risco causais para o desenvolvimento das LMERT e em vários estudos relacionados com uma maior incidência e prevalência de LMERT (Costa & Vieira, 2010; Nathan, Meadows, & Istvan, 2002). Segundo um estudo realizado por Baumgarten (2010) existe uma forte associação entre ser fumador e desenvolvimento da tendinite da coifa dos rotadores.

Outra situação que pode contribuir para o aumento da vulnerabilidade do sistema musculoesquelético é a gravidez. A este respeito, alguns estudos verificaram que as alterações hormonais e osmóticas (condicionando o aumento do edema local), ocorridas durante esse período, parecem contribuir para o desenvolvimento da síndrome do túnel cárpico (Bültmann et al., 2007; Mondelli et al., 2007; Weimer, Yin, Lovelace, & Gooch, 2002).

Outro “cofator” de risco é o parâmetro antropometria. As diferentes características antropométricas de cada trabalhador como o peso, altura, índice de massa corporal (IMC), entre outros, podem estar na origem de uma lesão musculoesquelética, principalmente se essas características se afastam de “média” da população.De fato, na maioria dos casos, os postos de trabalho são dimensionados para os “valores médios” da população e não são reajustáveis, atendendo às diferentes características antropométricas dos trabalhadores, pelo que, por exemplo no que diz respeito à altura, os indivíduos de percentis mais altos ou mais baixos apresentarão maior desconforto e maior tendência ao desenvolvimento ou exacerbação de distúrbios musculoesqueléticos (Cote, 2012; Mixco, Masci, Brents, & Rosecrance, 2016; Reis et al., 2012). Outros estudos verificaram que a obesidade também está associada ao desenvolvimento de lesões musculoesqueléticas do membro superior (Roquelaure et al., 2009; Wearing, Hennig, Byrne, Steele, & Hills, 2006).

Nas situações onde são exigidos maiores níveis de força muscular, a prevalência de lesões musculoesqueléticas é maior em indivíduos com menor força muscular, como por exemplo os trabalhadores do sexo feminino. Num estudo realizado por Nordander et al. (2008), os trabalhadores do sexo feminino apresentaram força muscular substancialmente menor em relação ao sexo masculino, o que pode estar associado à maior prevalência de distúrbios musculoesqueléticos do pescoço e membros superiores verificada nestes trabalhadores. A força de preensão e a resistência relativa também podem contribuir para o risco de lesões musculoesqueléticas cumulativas, sendo que os trabalhadores com menos força serão mais propensos a desenvolver ou agravar estas lesões (Angst et al., 2010).

Outro aspeto importante é a realização de atividades quotidianas que podem agravar as LMERT, e que por isso podem ser também consideradas um cofator extraprofissional de risco. Vários estudos observaram, empiricamente, que as atividades desportivas ou de ocupação de tempos livres, a condução, as atividades domésticas e até o cuidar de crianças em idade pré-escolar, onde frequentemente se verificam exposições a vibrações e realização de forças acima das capacidades biomecânicas, estariam associados ao agravamento das LMERT (Cole & Rivilis, 2004; Maghsoudipour, Moghimi, Dehghaan, & Rahimpanah, 2008; Laura Punnett & Wegman, 2004),

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Estado de Arte embora muitos desses estudos tenham resultados algo inconsistentes (Hildebrandt, Bongers, Dul, Van Dijk, & Kemper, 2000). A esfera de exposição mecânica representa fatores associados à carga física decorrente do ambiente - procedimentos de trabalho físico, equipamentos e também atividades físicas fora do local de trabalho (Alvarez-Casado, Hernandez-Soto, Tello, & Gual, 2012; Apostoli et al., 2012). Os procedimentos de trabalho incluem atividades como levantamento, alcance, flexão, torção e movimento repetitivo, as quais afetam a carga física experimentada pelos tecidos do corpo.

Também as atividades físicas relevantes fora do local de trabalho que incluem regimes de exercício físico em desportos, bem como levantamentos e flexões no decorrer de atividades domésticas ou outras atividades diárias, podem envolver stresses físicos semelhantes aos presentes no local de trabalho (Chéron, Le Scanff, & Leboeuf-Yde, 2016).

De forma análoga, os fatores organizacionais podem também contribuir para o risco. Colocar pressão sobre o trabalhador pode resultar numa incorreta execução dos procedimentos prescritos e na falta de atenção para as questões de segurança (Astier et al., 2017; S. S. Bao et al., 2016). Segundo Joseph et al. (2011) existem três fatores ergonómicos de risco:

i) Elevada repetição de tarefas - Muitas tarefas e ciclos de trabalho são de natureza repetitiva e são frequentemente controlados por metas de produção e processos de trabalho horários ou diários. A elevada repetição de tarefas, quando combinada com outros fatores de risco, como força excessiva e/ou posturas incómodas, pode contribuir para a formação de LMERT. Um trabalho é considerado altamente repetitivo se o tempo de cada ciclo for inferior ou igual 30 segundos;

ii) Forças intensas - Muitas tarefas de trabalho exigem cargas elevadas de força no corpo humano. O esforço muscular aumenta em resposta aos requisitos de força elevada, aumentando a fadiga associada, o que pode conduzir ao desenvolvimento ou agravamento de LMERT;

iii) Posturas repetitivas ou não neutras - Posturas difíceis, ou exercer força excessiva nas articulações, sobrecarregando os músculos e tendões em torno da articulação efetuada, aumenta o risco de LMERT.

A complexidade do problema aumenta consideravelmente, uma vez que todos estes fatores interagem e variam ao longo do tempo e de situação para situação (WHO, 1985).

De forma a sistematizar a problemática dos fatores de risco, apresenta-se na Figura 7 um resumo dos principais fatores que podem contribuir para o desenvolvimento ou agravamento das LMERT.

25 Figura 7 – Fatores de Risco de LMERT (adaptado de Serranheira, 2008)