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2.4 LMERT do membro superior

2.4.3 Riscos físicos e biomecânicos

Como já foi referido anteriormente, as LMERT têm uma etiologia multifatorial. No entanto, para este trabalho, interessam particularmente os fatores de risco físicos e biomecânicos que contribuem para o desenvolvimento ou agravamento das LMERT do membro superior, e que estão relacionados com a atividade de trabalho. Assim, descrevem-se de seguida estes fatores de risco, identificando e apresentando as principais conclusões de alguns estudos nesta área. Os fatores de risco biomecânicos podem relacionar-se com o aparecimento ou agravamento de LMERT do membro superior devido a reações adversas do organismo em resposta às exigências de cada atividade (Keyserling, 2000).

Os principais fatores de risco físicos e biomecânicos que podem estar subjacentes à génese destas afeções do membro superior, e que estão relacionados com o trabalho, incluem a repetição, força, posturas inadequadas, pressão direta e vibração (Roquelaure et al., 2009).

Segundo a European Agency for Safety and Health at Work (Devereux & Buckle, 1999), vários estudos científicos estabeleceram uma forte relação entre algumas LMERT e alguns fatores de risco biomecânicos, nomeadamente:

Posturas incorretas - quando acima dos limites físicos do trabalhador podem provocar tensões biomecânicas nas articulações e tecidos;

Movimentos altamente repetitivos - ciclos similares podem aumentar o risco de lesões musculoesqueléticas, principalmente quando combinados com outros fatores de risco; Aplicação de força com a mão - com intensidade superior à capacidade física do trabalhador;

Vibração mão-braço - o movimento que todo o corpo, ou parte dele, executa em torno de um ponto fixo trazendo efeitos fisiológicos e até psicológicos para o trabalhador;

Pressão mecânica direta sobre tecidos corporais - esta pressão é prejudicial para a circulação sanguínea;

Ambientes de trabalho frios;

A presença destes riscos não determina, por si só, o risco de desenvolvimento de doença musculoesquelética no membro superior, sendo determinante a “dose de exposição” que envolve variáveis como a intensidade, frequência e a duração (C. J. Chang et al., 2007; A. Uva, 2006; Waters, 2004).

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Estado de Arte Numa revisão realizada por Punnett (Laura Punnett & Wegman, 2004), sobre evidência epidemiológica, é referido que há evidências da relação entre a “dose de exposição” aos fatores ergonómicos repetitividade, aplicação de força e vibrações, e o desenvolvimento de LMERT do membro superior. No mesmo estudo é também feita alusão aos dados do relatório do Instituto de Medicina do National Research Council (NRC/IOM, 2001) onde se resume o peso de cada fator de risco por meio de uma fração atribuível do risco (Tabela 4).

Tabela 4 – Fração atribuível de vários riscos no desenvolvimento de LMERT do membro superior (adaptado de NRC/IOM, 2001)

Fator de risco Fração atribuível do risco (%)

Repetitividade 53 – 71

Aplicação de força 78

Repetitividade e aplicação de força Repetitividade e exposição ao frio Vibrações

88 -93 89 44 - 95

De forma análoga, outros estudos epidemiológicos identificaram que os principais fatores relacionados com as LMERT do membro superior são o ritmo rápido de trabalho e os padrões de movimento repetitivo, tempo de recuperação insuficiente, levantamento de pesos e esforço manual vigoroso (Johan H Andersen, Haahr, & Frost, 2007; C. Nordander et al., 2013), que colocam sob tensão os tecidos moles, aumentando de forma progressiva os distúrbios musculoesqueléticos do membro superior (Hilfiker et al., 2007).

De acordo com Meyer et al. (2012) existe uma série de exposições físicas no local de trabalho que foram implicadas nas lesões do ombro. As exposições ocupacionais mais importantes incluem a manipulação manual, ou seja, levantamento de pesos, empurrar, puxar, segurar, carregar (Beach, Senthilselvan, & Cherry, 2012), trabalho acima da altura dos ombros (Harkness, MacFarlane, Nahit, Silman, & McBeth, 2003), trabalho repetitivo (Descatha et al., 2007), vibração e posturas inadequadas (Miranda, Viikari-Juntura, Heistaro, Heliovaara, & Riihimaki, 2005).

A evidência científica é mais decisiva num efeito cumulativo de múltiplas exposições mecânicas no local de trabalho, aumentando o risco de problemas mais graves no ombro (Sansone, Bonora, Boria, & Meroni, 2014).

Miranda et al. (2008) analisaram um conjunto de trabalhadores na Finlândia após 20 anos de trabalho e encontraram um risco de lesões do ombro quatro vezes superior, quando estavam expostos a pelo menos três fatores de risco: força, postura e trabalho acima do nível do ombro. O risco foi maior entre os trabalhadores do sexo feminino com diversas exposições quando comparados com os trabalhadores do sexo masculino expostos, de forma semelhante.

De acordo com Silverstein et al. (2008) a combinação de diferentes exposições pode conduzir a lesões distintas.

Um estudo transversal realizado por Beach & Senthilselvan (2012) com trabalhadores manuais do Reino Unido identificou exposições a fatores de alto risco para a incapacitação do ombro. Os fatores de alto risco em estudo foram: duração do levantamento de pesos com uma mão, duração do trabalho acima do nível do ombro e tarefas consideradas stressantes.

37 Vários fatores de risco foram fortemente relacionados com distúrbios musculoesqueléticos do cotovelo, nomeadamente, movimentos de braços altamente repetitivos combinados com o manuseamento de cargas pesadas, posturas corporais não neutras e exposição a vibrações ((Kaka et al., 2016; Ono et al., 1998; van Rijn, Huisstede, Koes, & Burdorf, 2009)

Num estudo de caso-referência, realizado na Dinamarca, envolvendo 267 novos casos de epicondilite lateral, os resultados indicaram que cada novo caso estaria relacionado com movimentos repetitivos, posturas não-neutras de mãos e braços, uso de ferramentas manuais pesadas e grande esforço físico resultante da combinação daqueles três fatores (Haahr & Andersen, 2003).

De acordo com Descatha (Descatha et al., 2003) a epicondilite medial está claramente associada a posturas forçadas. Num estudo realizado por este investigador, 1757 trabalhadores, foram examinados clinicamente e 598 deles reexaminados três anos depois. A prevalência de epicondilite medial foi calculada entre 4 e 5 %, com uma incidência anual estimada de 1,5 %. Os trabalhadores pertenciam a setores de atividade distintos tais como indústria de montagem de eletrodomésticos, indústria alimentar, indústria têxtil ou de calçado, embalamento industrial e trabalhadores de supermercados, tendo sido o critério de inclusão a realização de trabalho repetitivo.

Num outro estudo do mesmo autor, foi analisada a relação entre as condições de trabalho e compressão do nervo ulnar do cotovelo (UNEE), através de um estudo prospetivo de três anos com 598 trabalhadores cujas atividades profissionais envolviam trabalho repetitivo. Aos trabalhadores selecionados foi aplicado um questionário, e foram também examinados por um médico de saúde ocupacional. Os resultados sugerem que a incidência de UNEE está associada ao fator de risco biomecânico movimento repetitivo com sobrepeso (Descatha, Leclerc, Chastang, Roquelaure, & Study Grp Repetitive, 2004).

Uma revisão sistemática da literatura sobre associação entre tipo de trabalho, carga física e aspetos psicossociais no trabalho, e a ocorrência de distúrbios musculoesqueléticos do cotovelo, concluiu que os fatores físicos em conjunto com os psicossociais podem resultar num aumento considerável da ocorrência de lesões musculoesqueléticas específicas do cotovelo (van Rijn et al., 2009). Kebede (2014), realizou um estudo entre os operadores de máquinas de costura em algumas indústrias de vestuário, e concluiu que a prevalência de distúrbios musculoesqueléticos auto referidos, do cotovelo e do punho, foi de 40% e 37,7%, respetivamente, o que corresponde a um valor bastante elevado, ainda que neste estudo se tenham identificado concomitantemente fatores individuais e ambientais como potenciadores destes distúrbios.

Tarefas intensivas da mão e/ou punho com movimentos repetitivos foram associadas a posturas não neutras, e consequentemente à propensão para o desenvolvimento de afeções musculoesqueléticas nesta região (Dennerlein & Johnson, 2006).

De acordo com Thomsen (2007) níveis crescentes de força foram também associados a dor prevalente e incidente no punho e possível tendinite do músculo extensor do punho. Num estudo realizado pelo autor, foram aplicados questionários e exames físicos a 3123 trabalhadores de 19 ambientes industriais diferentes, todos envolvendo movimentos repetitivos, uso de força da mão

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Estado de Arte e posição do punho em trabalho monótono repetitivo. Os resultados determinaram que o aumento da aplicação de força nas tarefas executadas, estava associado à dor musculoesquelética, contudo, os resultados evidenciando relação com o trabalho repetitivo foram menos consistentes.

Outro estudo prospetivo com a duração de 5 anos foi realizado na Dinamarca, através da aplicação de um questionário e sua análise posterior, com o objetivo de investigar a associação entre exposições físicas e psicossociais e sintomas musculoesqueléticos nas regiões pescoço-ombro e punho-mão (Feveile, Jensen, & Burr, 2002). Os resultados confirmaram que as exposições aos agentes físicos do trabalho influenciam o desenvolvimento de sintomas musculoesqueléticos naquelas regiões, mas sugerem também que os fatores psicossociais, nomeadamente o apoio social e o stress também influenciam os sintomas musculoesqueléticos.

Nogáles & Arrue (2003), realizaram um estudo transversal sobre o desenvolvimento de doenças ocupacionais de caráter musculoesquelético, no qual analisaram os dados obtidos da aplicação de um questionário, a trabalhadores que já tivessem sofrido de uma doença ocupacional musculoesquelética e sobre os riscos ergonómicos aos quais tinham sido expostos.

Os dados mostraram que os principais fatores causais foram a repetição, a força e a exposição a vibrações, e identificaram quais destes fatores tinham maior relevância, para o desenvolvimento ou agravamento de diferentes patologias em várias zonas anatómicas, incluindo os membros superiores (Tabela 5).

Tabela 5 – Fatores e cofatores de risco causais de LMERT em vários segmentos do membro superior (adaptado de Nogáles, 2003)

Zona anatómica Evidência Cofatores

Forte Normal Fraca

Ombro Trabalhar com os braços acima do nível da cabeça;

Repetição; Posturas forçadas; Força; Vibrações; Idade; Atividades desportivas; Cotovelo Combinação de:

força-repetição e força- postura;

Força; Repetição; Posturas forçadas;

Idade; Tempo de exposição; Punho/Mão Combinação de:

força-repetição, força- postura e força-vibração;

Repetição; Força; Posturas não neutras; Vibrações;

Posturas não neutras; Idade; Sexo; Características antropométricas;