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CAPÍTULO 2 A CULTURA NAS ORGANIZAÇÕES ESCOLARES

2.4 A cultura nas organizações escolares: contextualizando a temática

2.4.2 As mudanças na cultura das organizações escolares

Apesar de as possibilidades de mudança serem uma característica humana, geralmente as pessoas resistem em efetuar processos dessa natureza porque se sentem desconfortáveis. Farias (2006, p. 42) explica que isso acontece porque a mudança tem um custo e pressupõe “[...] o perigo do fracasso, a perda provisória das rotinas e referências, abrir mão de certos hábitos, um certo tempo de incerteza, uma margem de insegurança... Enfim, uma ameaça à ordem, ao estabelecido, ao já conhecido e interiorizado”.

Schein (2001) atribui a dificuldade de as pessoas se disporem a mudar suas concepções ao fato de que esse processo não implica apenas a aprendizagem do novo, mas significa também desaprender velhas crenças, atitudes, valores e certezas. Assim, para que os sujeitos escolares se lancem a práticas inovadoras que conduzem a mudanças de concepções, precisam estar convencidos dessa necessidade e possuir os meios materiais e humanos para construir novas aprendizagens e formas de ação. Um processo de mudança deve se sustentar tanto no aporte teórico que orienta a ação coletiva quanto no diálogo das pessoas entre si e com a teoria, possibilitando, assim, a construção de novos sentidos para a realidade e a socialização das idéias.

Sem essas condições, as propostas de inovação que se imprime à escola podem gerar, temporariamente, novos comportamentos, mas não mudanças culturais efetivas, visto que diante das dificuldades e da insegurança suscitadas no confronto com a realidade, antigas referências podem sobrepor-se a novas para orientar as ações. Por outro lado, se as pessoas consideram que suas práticas e suas crenças continuam respondendo às necessidades, não empreenderão processos de mudanças. Nesse particular, Teixeira (2007, p. 5) considera que, por vezes,

[...] transformações inofensivas, ou aparentemente desejadas pelos agentes organizacionais são violentamente rechaçadas pelo grupo. [...] A mudança não se viabiliza quando as premissas básicas de uma cultura permanecem válidas, ou internalizadas, mesmo que as propostas sejam de indiscutível qualidade técnica. Os atores organizacionais reagirão a elas evitando uma ruptura da sua identidade e a negação dos valores que lhes garantem segurança e coesão como tal.

Sob esse enfoque, a mudança não acontece por imposição, porém sendo tecida em meio a relações internas e externas às organizações escolares. Assim, as mudanças que as instâncias transnacionais de poder pretendem instituir nessas organizações (e nos sujeitos) por meio da reforma educativa não acontecem espontaneamente ou tal qual são propostas nas políticas educacionais. São construídas no seio de cada unidade escolar, de forma diferenciada. Muito embora os documentos internacionais que orientam a reforma educativa dos países na América Latina proponham a direção da mudança a ser impressa na cultura dos sistemas de ensino e, em particular, nas organizações escolares desenvolvendo novas formas de controle das ações, a implementação de diretrizes está submetida à lógica interna de cada escola, de seu entorno e de outros condicionantes como os externos.

Nesse sentido, a mudança é concebida em uma perspectiva eminentemente técnica. Contrariando esse ponto de vista, Hargraves et al. (2002), Carbonell (2002) e Farias (2006)

colocam-na para além dessa perspectiva. Hargraves et al. (2002) considera que a mudança no campo da educação, além de requerer esforço pessoal, domínio técnico e intelectual, também depende de um trabalho emocional que possibilite uma sensação de segurança nas pessoas para que possam traçar seus próprios objetivos e realizar seu trabalho com eficiência. Para tanto, ressalta a importância dos laços afetivos e as relações de cooperação entre as pessoas. Farias (2006, p. 43) corrobora essa afirmação, admitindo que a mudança requer que se contemple “[...] também, e principalmente, uma dimensão humana, política e ética por parte dos sujeitos nela envolvidos. Mudar pressupõe uma ruptura por dentro, para se libertar das amarras com o estabelecido e redefinir um outro modo de pensar e de agir”.

Assim, compreender a mudança como uma questão técnica seria considerá-la de forma reducionista e simplificadora, desprezar as interações interpessoais e a correlação de forças existentes nas organizações. Ao contrário, como demonstra Farias (2006), a mudança não pode ser concebida como algo neutro, definida a partir de modelos universais, como uma estratégia de regulação da aquisição do conhecimento e da atividade humana. Entendida dessa forma, a sua implementação pode originar alterações epidérmicas e superficiais, que na realidade indicam modernizações34, não mudança, pois esta é lenta, gradual e profunda, o que demanda tempo e disposição para sua construção.

A mudança distingue-se da inovação porque se refere às alterações gradativas no modo de ver e de ser das pessoas, como conseqüência da diversidade das ações dos sujeitos, abrangendo a instituição escolar como um todo. A inovação, por sua vez, é definida por Carbonell (2002, p. 21) como “[...] um conjunto de intervenções, decisões e processos, com certo grau de intencionalidade e sistematização, que tratam de modificar atitudes, idéias, culturas, conteúdos, modelos e práticas pedagógicas [...]”. Esse conjunto de possibilidades apontadas pelo autor não são neutras, mas condicionadas pela ideologia, pelas relações de poder, pelos contextos socioculturais, pelas conjunturas econômicas e políticas, pelas políticas educacionais e pelo envolvimento dos sujeitos.

Um processo de mudança, portanto, não pode ser imposto, porém, conforme Schein (2001), pode (e deve) ser motivado pela vontade de alcançar um determinado ideal. Nesse sentido, a produção e/ou implementação de um projeto político-pedagógico constitui-se em oportunidade de mudança, pois define um ideal de educação e de sociedade; concepções de educando e formas de orientar as ações dos sujeitos trazendo consigo a esperança de

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Para Carbonell (2002), a modernização gera alterações superficiais na realidade escolar, sem, contudo, modificar as concepções de ensino e de aprendizagem existentes. Diz respeito, por exemplo, à introdução de artefatos tecnológicos, cultivo de hortas, realização de oficinas.

conquistas profissionais e pessoais para os educadores e educandos que almejam mudanças coletivas. Para Gadotti (2001), um projeto supõe a promessa de um futuro melhor, desde que as pessoas concordem em sair de um estado confortável e estável para arriscar-se na construção de novas relações (obviamente que tragam mudanças).

Assim, mesmo aliando a promessa ao planejamento das ações para concretizá-la, tal como qualquer processo dessa natureza, a implementação do que é planejado leva os sujeitos a experimentarem níveis de ansiedade diversos. Schein (2001) considera que é possível reduzi-los aumentando a segurança psicológica dos sujeitos. Para tanto, eles devem sentir-se motivados a concretizar suas aspirações porque acreditam que isso possibilitará a construção de maneiras de pensar e trabalhar melhor que anteriormente. Além disso, precisam ter acesso a treinamentos formais (para aprenderem novas formas de pensar, atitudes e habilidades) e informais (possibilitando que novas normas e certezas sejam elaboradas em conjunto). Também devem se envolver e administrar métodos de aprendizagem informal; ter oportunidade de exercitar novas aprendizagens e avaliar suas ações; ter acesso a modelos de comportamento que desejam construir para que as pessoas se imaginem adotando-os; discutir em grupo suas dificuldades, angústias, sucessos bem como compartilhar aprendizagens; desenvolver sistemas de recompensas e estruturas organizacionais condizentes com a nova maneira de pensar e de trabalhar.

Entendemos que, dessa forma, um processo de mudança tem como princípios básicos a participação, o diálogo e a autonomia da comunidade escolar. Deve ser discutido e realizado coletivamente, requerendo boa vontade e determinação tanto por parte dos sujeitos, em particular, quanto por parte do grupo e da instituição. As pessoas que assumem posturas responsáveis na coordenação dos estudos, dos treinamentos, das discussões, da socialização, criando as condições necessárias para as construções de significados comuns, facilitam as mudanças. Dessa forma, é possível que as organizações escolares desenvolvam culturas diferentes daquela que, historicamente, vem norteando as práticas dos sujeitos nesse âmbito.

Assim como as pessoas atuam no meio social desenvolvendo culturas que orientam as ações e as relações (coletivas), o mesmo ocorre quando atuam nas organizações. As culturas desenvolvidas em instituições escolares estão profundamente marcadas pelo modelo burocrático, que traz a ordenação das práticas escolares desenvolvidas na modernidade como racionalidade predominante. A vivência desse modelo na instituição escolar implicou a perpetuação das relações de dominação política e ideológica entre os indivíduos. Por isso, a cultura escolar, desenvolvida conforme esse parâmetro, é marcada pelo individualismo, pela obediência às regras, pela hierarquização das funções e dos sujeitos, o que dificulta a

formação de sujeitos autônomos críticos e criativos. Embora essa forma racional de ordenamento social seja confrontada no meio escolar por outras racionalidades, é necessário investir na formação do sujeito autônomo, capaz de questionar as relações internas à escola e ao meio social, conduzindo a novas formas de organização das práticas educativas, que atendam às necessidades das classes sociais que freqüentam as escolas públicas brasileiras.

No âmbito da reforma educativa da década de 1990, as instituições escolares são consideradas também organizações sociais com objetivos próprios, elaborados com relativa autonomia. Isso requer novas formas de atuação dos educadores, diferente daquelas que os orientou tradicionalmente. Assim, as políticas educacionais dessa década propõem a atualização do modelo burocrático para atender às demandas socioeconômicas do momento histórico do capital, ao passo que os setores progressistas dos profissionais da educação entendem a necessidade de mudanças nas práticas educativas pautadas pela participação e pela autonomia dos profissionais cujas ações sejam orientadas pelo projeto político pedagógico da escola.

Desse modo, cada unidade escolar pode realizar um exame de suas práticas e das relações que se desenvolvem em seu interior, propondo um novo direcionamento. Nesse sentido, o projeto torna-se um instrumento de construção e de socialização de sentidos comuns que implicam mudanças nas práticas desenvolvidas historicamente na escola. Como esse processo é gradual, lento e complexo, não acontece ao sabor das instituições do sistema educativo; também é influenciado pelas culturas construídas de modo particular em cada organização escolar.

CAPÍTULO 3 O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO COMO ESTRATÉGIA DE

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