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O planejamento e o embate entre projetos antagônicos de educação: os educadores

CAPÍTULO 3 O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO COMO ESTRATÉGIA DE

3.3 O planejamento e o embate entre projetos antagônicos de educação: os educadores

As origens institucionais do planejamento da educação brasileira encontram-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB –, Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961 (BRASIL, 1968), cujo Art. 93 preconiza a destinação dos recursos públicos para o ensino, devendo ser aplicados conforme os planos definidos pelo Conselho Federal de Educação e pelos Conselhos Estaduais de Educação. O Art. 9, que trata das atribuições do Conselho Federal, não menciona a função de planejamento, concebendo-o apenas com a função de previsão orçamentária.

Após 1964, com a instauração do regime político civil-militar, o planejamento passou a ser adotado, em larga escala, em âmbito nacional, de modo a crescer em importância o grupo de economistas que influenciavam o processo normativo da educação no País. Com a promulgação da Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971 (BRASIL, 1971), Art. 53, definiu-se que é incumbência do governo federal elaborar e executar planos nacionais de educação. O parágrafo único desse artigo indica que os planos devem atender às diretrizes e às normas do Plano Geral do Governo. O Art. 54 estabelece que os sistemas de ensino devem elaborar seus planos, com duração de quatro anos, seguindo as normas e os critérios estabelecidos pelo sistema nacional para que recebam os recursos necessários à sua execução.

Mais uma vez a concessão de recursos estaria atrelada ao planejamento, sendo que este consistia em um instrumento segundo o qual o governo definiria as diretrizes para os

sistemas. A concentração do poder decisório no governo federal e a falta de autonomia das instâncias intermediárias e locais para definirem suas ações deslocavam o foco do planejamento das especificidades da realidade e dos sujeitos históricos. O planejamento consistia, então, em um instrumento deslocado do tempo e do espaço, das condições sócio- históricas, de fins e de valores.

Naquele momento, Mendes (2000) mostrava a necessidade de promover-se uma ampla reflexão e negociação acerca dos rumos da educação nacional. Considerava que uma coordenação eficaz dos mecanismos de planejamento da educação nacional requeria as contribuições dos órgãos centrais e setoriais da educação, bem como de diferentes profissionais, incorporadas em todas as suas fases. Para tanto, Mendes (2000, p. 41-42) defendia que era preciso fixar

[...] uma metodologia baseada na relação dialética entre o poder e a técnica, entre o centro e a periferia, entre a educação e a economia, etc. Sem falar na congruência a ser encontrada entre os dados e os postulados das várias ciências que inteiram a visão do planejador. Basicamente, o planejamento é um processo de homogeneizar coisas heterogêneas, de unificar perspectivas, de fundir a ciência com a práxis, de converter qualidade em quantidade, de nivelar, como diz Raymond Aron, diferentes temporalidades.

Nessa perspectiva, o plano norteador da educação nacional deveria constituir-se em um instrumento de síntese de racionalidades, conhecimentos e desejos. Assim, profissionais de diversas áreas do saber, que atuassem em diferentes instâncias do sistema educacional e da sociedade, junto com os educadores organizados em sindicatos e associações articulariam conhecimentos, definiriam políticas e fins educacionais, considerando os pontos comuns e as especificidades das regiões do país. Desse modo, tornar-se-ia possível integrar ações e estabelecer os nexos necessários entre as instâncias de poder e de saber na construção de um projeto de educação brasileira.

Com o final da ditadura civil-militar, a Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1998), promulgada em 1988, trouxe para os educadores novos ânimos ao prever, em seu Art. 214, a elaboração do Plano Nacional de Educação. Embora essa Constituição tenha sido redigida em uma época marcada pelo empobrecimento progressivo da população, pela crescente dívida externa e pela crise do petróleo, foi também um período em que as organizações da sociedade civil assumiram, publicamente, a direção do seu futuro. A mobilização de setores sociais e políticos em defesa dos direitos civis, políticos e sociais (como a educação, a saúde, o trabalho, dentre outros) revela a importância dessa estratégia na consolidação de compromissos políticos com esses setores.

Na V Conferência Brasileira de Educação38, realizada em Brasília, em 1988, os educadores fizeram encaminhamentos significativos ante a necessidade do desenvolvimento da educação pública e da redefinição do planejamento da educação do país em bases democráticas. Garcia, W. (2003) considera que as demandas de setores atuantes e organizados da sociedade civil poderiam mobilizar esforços rumo a um novo papel da educação. O planejamento era concebido por Garcia, W. (2003, p. 37) como “[...] um instrumento de arregimentação de uma nova vontade política” que requeria competência técnica, habilidade política e determinação para mudar, tanto a situação da educação quanto os interesses consolidados ao longo do tempo, nessa área, e que resistiam a um (re)direcionamento.

Isso implicaria a incorporação de novos atores ao processo de planejamento. Para Calazans (2003, p. 14), a ação planejadora deveria ser democrática para “[...] tornar-se uma prática social transformadora que se explicita na vida, no trabalho e na sociedade, articulada a teorias que a fundamentam [...]”. Requeria, principalmente, uma visão aprofundada das demandas sociais, em especial as demandas educacionais, assim como a utilização de novos referenciais de planejamento, que propiciassem a participação dos educadores e da sociedade civil, o desenvolvimento de uma ampla visão política e a articulação de meios e de ações para sua concretização.

Nessa ocasião, Kuenzer (2003) também (re)afirma a necessidade de se imprimir uma nova racionalidade ao planejamento da educação no País e de que o Plano Nacional de Educação articulasse diferentes esferas do poder público e da sociedade na negociação de demandas educacionais comuns e específicas para essa área. Contrariando essa perspectiva, a elaboração do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2000b) não privilegiou a participação da sociedade nem dos educadores, em especial, mas os interesses do capital transnacional.

Tal como ocorreu na elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 2000a), na ocasião foram encaminhadas ao Congresso Nacional duas propostas para o Plano Nacional de Educação. Cury (1988) analisa essas propostas que possuíam diretrizes, metas e concepções opostas. A primeira a dar entrada no Congresso, tendo como subtítulo Proposta da Sociedade Brasileira, foi elaborada no Congresso Nacional de Educação, 1997, com a pretensão de resgatar o conteúdo e o método

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Na V Conferência Brasileira da Educação (CBE), foi redigida a Declaração de Brasília, que, juntamente com a Carta de Goiânia, elaborada na IV Conferência Brasileira da Educação, em1986, continha o eixo que orientou a elaboração do anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 1.258-C/88, defendido pelo movimento social denominado Fórum em Defesa da Escola Pública. A proposta dos educadores para a LDB tinha como eixos a “[...] universalização do ensino fundamental e a organização de um sistema nacional que, de um lado, assegurasse a articulação orgânica dos diversos níveis e modalidades de ensino na esfera federal, estadual e municipal [...]” e, de outro, a melhoria da qualidade da educação e a democratização da gestão e maior inserção social (BRZERINSKI, 2000, p. 13).

democrático utilizado na construção do projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que foi derrotado na Câmara Federal pela Lei 9.394/96. Esse plano realiza uma crítica da educação e visa ao reordenamento da educação do país pela instituição de uma ordem democrática. O Plano Nacional de Educação apresentado pelo executivo, elaborado com representações da sociedade civil, orienta-se pelo ideário neoliberal e opera na perspectiva conservadora da realidade.

Uma vez que se privilegiou esse último plano, em detrimento daquele elaborado pelos educadores e por setores organizados da sociedade civil, com base no exercício da discussão democrática, o Plano Nacional de Educação, retrata em âmbito nacional as propostas expressas em documentos e acordos assinados com os agentes financeiros internacionais. Segundo Brzezinski (2000, p. 10), o MEC procurou “[...] legitimar decisões previamente tomadas, ora desconsiderando a política formulada pela sociedade civil, ora considerando-a de forma pontual, fragmentada ou distorcida, portanto decisões ilegítimas”.

A promulgação do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2000b) expressa o movimento de descentralização/centralização de poderes articulando planos provenientes das diferentes esferas do sistema educacional (nacional, intermediária e local). Ao considerar, prioritariamente, as orientações contidas nos documentos internacionais, o Plano visa consolidar um projeto de educação com caráter globalizado, de cunho conservador, que garante padrões mínimos de qualidade educacional à população. As forças neoliberais que orientam a reforma atrelam essa qualidade à eficiência nos gastos e não ao desenvolvimento humano, à igualdade de oportunidades para todos os setores sociais. O Art. 2º (BRASIL, 2000b), ao estabelecer que “[...] os Estados, o Distrito Federal, os Municípios deverão, com base no Plano Nacional de Educação, elaborar planos decenais correspondentes”, estende esse projeto às demais esferas de poder em nível nacional.

Diante dessa perspectiva minimalista que se imprime à educação, os sistemas de ensino oficiais deveriam obedecer “[...] aos princípios da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola [...]” (BRASIL, 2000b, p. 34). Dentre os objetivos e metas para o ensino fundamental, o Plano estabelece que, no prazo de três anos, todas as escolas devem ter “[...] formulado seus projetos pedagógicos, com observância das Diretrizes Curriculares para o ensino fundamental e dos Parâmetros Curriculares Nacionais” (BRASIL, 2000b, p. 68).

Tal como o recomendado pelos poderes transnacionais que orientam a reforma da educação na América Latina e Caribe, o Plano prevê não só diretrizes e um currículo

mínimo39, assim como o controle do que é trabalhado nas escolas por meio do “[...] desenvolvimento de sistemas de informação e de avaliação em todos os níveis e modalidades de ensino” (BRASIL, 2000b, p. 36). Distante de uma concepção que propõe desenvolver profundas mudanças na educação, o Plano Nacional de Educação imprime os princípios da participação e da autonomia como forma de os sujeitos escolares se responsabilizarem pelo trabalho que desenvolvem. Esses princípios, no entanto, correspondem a antigas reivindicações dos profissionais da educação as quais são, nessa particularidade, contempladas parcialmente.

A despeito das críticas que se façam ao Plano Nacional de Educação, não podemos desconhecer que as estratégias de política educacional dele decorrentes abriram espaço para que os sujeitos escolares (e as famílias) participem, localmente, da definição de objetivos e de ações o que implica a co-responsabilidade com a educação escolar. Isso requer mudanças na estrutura da gestão dos sistemas, inclusive das unidades escolares, no sentido de construir propostas pedagógicas que ressignifiquem o trabalho pedagógico e administrativo. A implantação da gestão democrática no âmbito escolar, conforme a orientação do Plano Nacional de Educação, tem propiciado a utilização de diferentes referenciais de planejamento na construção da proposta pedagógica da escola, que expressa as diferentes opções teóricas e políticas dos sujeitos.

Nesse particular, tendo em vista os recentes avanços na área do planejamento, em especial o educacional, Gandin, D. e Gandin, L. (2002) aponta três tendências com filosofias e metodologias diversas: o participativo, o estratégico e o gerenciamento da qualidade total. Essas duas últimas tendências, de origem empresarial, têm sido recomendadas pelas instâncias de poder em nível transnacional como instrumento capaz de conferir eficiência e eficácia ao trabalho educativo, atendendo aos propósitos do projeto globalizado de educação.

No Brasil, estes referenciais têm sido adotados nas escolas como parte de acordos de co-financiamento da educação desenvolvidos com parceria entre o Banco Mundial e o governo brasileiro40. Esses referenciais, uma vez que privilegiam uma visão técnica de planejamento, não têm compromisso com a transformação da realidade escolar; ao contrário,

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Alegando garantir unidade e qualidade ao ensino ministrado em território nacional, o Ministério da Educação institui, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais. Para orientar o trabalho desenvolvido nas escolas, os Parâmetros definem normas gerais para o currículo, conteúdos curriculares mínimos e diretrizes de ação.

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Nesse particular, destacamos o Projeto “Pró-qualidade”, desenvolvido em Minas Gerais a partir da década de 1990, que utiliza o referencial do gerenciamento da qualidade total (acerca dessa experiência, ver Teixeira, 2002b). O Plano de Desenvolvimento da Escola, um projeto do FUNDESCOLA, implantado, nessa mesma década, em estados brasileiros das regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste, utiliza o planejamento estratégico. Esses modelos de planejamento difundem as concepções ideológicas do Banco Mundial, o seu órgão financiador, no que se refere à educação.

perpetuam relações de dominação nesse âmbito. Portanto, o referencial de planejamento adotado para a construção do projeto político-pedagógico da escola traz implícita uma determinada concepção de sociedade e de educação, que denota os diferentes projetos educacionais existentes na sociedade. O referencial do planejamento estratégico, recomendado pelas instâncias de poder transnacionais, tem sido amplamente difundido nas escolas brasileiras e potiguares como referencial para a construção do projeto político- pedagógico, tendo em vista imprimir mudanças no trabalho escolar.

3.4 O planejamento do trabalho escolar conforme o planejamento estratégico:

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