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O planejamento do trabalho escolar conforme o planejamento estratégico: construção de

CAPÍTULO 3 O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO COMO ESTRATÉGIA DE

3.4 O planejamento do trabalho escolar conforme o planejamento estratégico: construção de

O planejamento estratégico consiste em um conjunto de providências a serem tomadas pelo gestor para definir os rumos das mudança que se pretende instituir no contexto organizacional ou social. Na visão de Baptista (1995, p. 111), a estratégia é uma forma de implementar uma política, é “[...] a arte de utilizar adequadamente (evitando problemas e potencializando as possibilidades) os recursos físicos, financeiros e humanos. É a escolha de caminhos mais criativos para realizar uma ação, procurando tirar o máximo das condições postas [...]”.

Esse modelo de planejamento opõe-se ao normativo, visto que, conforme Matus41 (1990), considera as interações dos atores sociais. A partir do referencial do planejamento estratégico, Matus introduz o conceito de situação como forma de explicar a realidade em função da ação e da luta entre os atores em um determinado tempo e espaço social. Para o autor, o planejamento estratégico-situacional baseia-se em complexos cálculos acerca da situação em que o plano é implementado, visando definir as oportunidades de ação, os problemas, os obstáculos organizativos, financeiros e políticos, dentre outros, para desenvolver estratégias de superação e produzir os efeitos desejados na realidade.

Parte-se do princípio de que os atores encontram-se em situação de concorrência; portanto, torna-se importante compreender os pontos de vista dos oponentes para que não se constituam em obstáculo aos fins organizacionais. A busca constante de informações acerca da realidade cultural, política, social e econômica da organização e daquilo que pode influenciar o seu desenvolvimento deve conferir respaldo para a elaboração do plano e para a realização dos ajustes necessários à sua implementação.

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O economista chileno Carlos Matus foi ministro da economia do Presidente Salvador Allende e especialista do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.

Analisando criticamente a planificação estratégico-situacional de Matus, à luz da Teoria Comunicativa de Habermas, Rivera (1992) mostra que esta não prevê a possibilidade de definição da situação a partir de uma mesma concepção de mundo ou a transformação do conflito em cooperação pela via comunicativa. Assim, a ação comunicativa é instrumentalizada para atender às necessidades de quem planeja, pois nem todos os sujeitos são igualmente envolvidos na análise da realidade e na tomada de decisões. A comunicação é reduzida ao que é conveniente àqueles que detêm o poder, não se baseando no diálogo igualitário que possibilita a compreensão mútua.

Para Matus (1990, p. 114), “[...] a única forma de fazer com que a planificação funcione é que responda às necessidades de quem gerencia”. Assim, articulam-se duas formas de planificação: a operacional e a diretiva. A primeira é realizada pelos funcionários da organização com o propósito de aumentar a eficácia das ações, analisando os procedimentos adotados, os resultados esperados, os prazos estabelecidos assim como os recursos necessários. A segunda é desenvolvida pela gerência, a qual, com base nas informações da planificação operacional, procura compreender o que condiciona, restringe e interfere na capacidade de produção ou das ações; explicar as causas dos problemas; definir as estratégias e formular seus objetivos; descentralizar para as instâncias intermediárias de poder a responsabilidade de desenhar, executar, controlar e revisar as operações que concretizam as estratégias.

Desse modo, a gerência é que realiza o esforço intelectual de compreensão da realidade e traça a direção a ser seguida, enquanto os demais colaboram prestando informações e executando os planos. Esse modelo de planejamento parte de uma visão restrita de participação, em que a maior parte das pessoas não decide sobre as concepções que devem orientar suas ações. Portanto, não possibilita o crescimento conjunto nem a mudança da realidade social na direção da justiça, da igualdade de direitos e de deveres, menos ainda concorre para a construção da autonomia organizacional. Isso porque os sujeitos, como um todo, não são instigados a envolverem-se e a comprometerem-se com a compreensão e o enfrentamento da realidade, no sentido de sua transformação.

O referencial do planejamento estratégico tem sido difundido nos sistemas educacionais e nas escolas brasileiras, a partir da reforma educacional da década de 1990, tendo em vista melhorar a gestão, aumentar a eficiência dos gastos e a qualidade do ensino. Esse modelo de planejamento tem como principal característica desenvolver no contexto escolar uma racionalidade pautada na lógica da produtividade e do atendimento às demandas do cliente/cidadão, de inspiração empresarial. Assim, o planejamento estratégico tem sido

disseminado, tanto no Brasil quanto no continente latino-americano, como um modelo capaz de transformar a gestão escolar, partindo do pressuposto que o problema da falta de qualidade no campo educacional se deve à ausência de gerenciamento das unidades escolares.

Assim, conforme mostra Fonseca (2003b), os programas desenvolvidos pelo governo brasileiro em parceria com o Banco Mundial, utilizam nas escolas modelos gerenciais que demonstram ser eficientes em setores econômicos (e na iniciativa privada), podendo isso ocorrer também com outras organizações que consideram semelhantes. Essa é a lógica que orienta os acordos técnico-financeiros firmados entre o Ministério da Educação e o Banco Mundial para executar programas, como o FUNDESCOLA42, cujo objetivo seria imprimir uma nova concepção de gestão nas escolas utilizando modelos gerenciais. O referencial do planejamento estratégico é adotado para o desenvolvimento do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), o principal projeto do FUNDESCOLA, que tem por fim modernizar a gestão e fortalecer a autonomia dessa instituição.

O Plano de Desenvolvimento da Escola tem como princípio a utilização mais eficiente dos recursos e a redução dos gastos, imprimindo às escolas um padrão mínimo de qualidade educacional. Xavier e Amaral Sobrinho (1999) compreendem que a implantação desse plano poderá levar as escolas a superarem a lógica burocrática que a norteia tornando-a uma organização eficaz e de qualidade, mediante a construção de uma nova identidade para as escolas. Isso porque o referencial de planejamento estratégico deverá propiciar a análise dos valores que devem pautar as ações interpessoais, o exame das condições de funcionamento da escola e a definição de estratégias que orientem o alcance dos seus objetivos.

Na prática, a adoção desse referencial de planejamento no contexto escolar tem concentrado na liderança escolar a responsabilidade pela elaboração e execução do PDE. Nesse sentido, cabe à direção da escola e ao grupo de sistematização43 construir os objetivos e as estratégias a serem adotadas44, sendo que o restante da comunidade escolar é comunicada

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O FUNDESCOLA é um acordo de financiamento firmado entre o Banco Mundial e o MEC e desenvolvido em parceria com as secretarias estaduais e municipais de educação, a partir de 1997, para melhorar a qualidade do ensino fundamental e a permanência dos educandos nas escolas públicas das regiões Norte, Nordeste e Centro- Oeste. Conforme Fonseca (2003b, p. 37, grifos da autora), “[...] a preocupação nuclear do modelo de gestão é a administração dos meios ou insumos escolares. O objetivo central do projeto é instalar um processo de

desenvolvimento institucional, estabelecendo estratégias para que as escolas mais pobres possam funcionar, pelo

menos, em mínimas condições”. Para a autora, a autonomia é reduzida ao repasse de um pequeno fundo às escolas para que o quadro administrativo tome as decisões necessárias e se responsabilize pelos resultados das suas ações.

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Equipe formada pela “liderança formal” da escola: diretor, vice-diretor, coordenador pedagógico, orientador, secretário (XAVIER, AMARAL SOBRINHO, 1999, p. 25).

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Algumas pessoas são indicadas para tomarem parte em determinados momentos da descrição da realidade interna e externa à escola. Além disso, o grupo de sistematização escolhe alguns líderes e gerentes para

acerca das decisões e chamada para executar e avaliar o que foi planejado. A totalidade da comunidade escolar participa somente para “[...] se obter consenso e promover os últimos ajustes, se necessários [...]” (XAVIER, AMARAL SOBRINHO, 1999, p. 119).

Criticando também o referencial do planejamento estratégico, Gandin, D. e Gandin, L. (2002) entendem que esse possibilita a definição da missão da escola e a sua visão de futuro, o que condiz com uma visão política da educação. Os autores consideram que esse modelo de planejamento “[...] abre perspectiva para o político, mas firma-se no técnico, porque a dimensão política fica restrita em termos de abrangência e em termos de profundidade: não chega às questões sociais amplas [...]” (GANDIN, D.; GANDIN, L., 2002, p. 46-47). O levantamento da situação social, econômica e política realizado pelo grupo de sistematização restringe-se aos fatores que podem favorecer ou limitar o resultado do trabalho escolar. Nessa perspectiva, a comunidade não analisa o papel da escola como parte do contexto social, nem é levada a optar por um referencial teórico-metodológico que conduza ao desenvolvimento de um ideal de educação, de sociedade e de ser humano que oriente as ações do grupo. Isso limita a compreensão política dos sujeitos e o potencial transformador do planejamento sobre a realidade da escola, uma vez que não apresenta, com clareza, o papel que desempenha na sociedade.

O PDE apresenta uma concepção limitada de participação e atualiza a visão burocratizada de planejamento que se caracteriza pela separação entre quem elabora e quem o executa. Nesses moldes, a identidade e os valores definidos nesse plano não expressam a multiplicidade de concepções político-educacionais e de sentidos que permeiam o contexto escolar.

Analisando a implantação do PDE no Estado de Goiás, Fonseca (2003b) mostra que a definição de estratégias pelos líderes escolares, bem como a responsabilização dos gerentes por esta operacionalização, tem fomentado nas escolas uma organização do trabalho que se aproxima da racionalidade taylorista, porque fragmenta as ações escolares em inúmeros projetos desarticulados e com gerências próprias. Quanto aos resultados obtidos, a autora afirma que os dirigentes admitem que a racionalidade propiciada pelo plano tem facilitado a administração física da escola, permitindo concretizar soluções imediatas, como reformas no prédio, compra de materiais e de equipamentos. Por outro lado, os professores reconhecem que as exigências burocráticas aumentaram a carga de trabalho, sem contribuir para o seu

realizarem a primeira revisão do que foi planejado e desdobrar os objetivos e estratégias em metas, indicar os responsáveis pela sua execução, definir prazos e custos.

crescimento profissional, o que poderia levar a melhorias no processo de ensino- aprendizagem.

Assim, a aplicação do planejamento estratégico, por meio do Plano de desenvolvimento da Escola, longe de propiciar a transformação das concepções que orientam o trabalho escolar, tem reforçado a lógica burocrática, a hierarquização entre os que definem as estratégias e os que as executam e a fragmentação das ações, embora propicie também melhorias materiais nas escolas em que foi implementado com os parcos recursos que garantem a execução do Plano. Como o PDE está pautado em exigências econômicas, isso implica a redução de gastos com a educação, portanto não teria a pretensão de investir na formação de professores, preparando-os para atuarem como interlocutores na (re)definição de concepções políticas que orientassem o conjunto do trabalho escolar e o processo educativo em sala de aula. Os investimentos na formação docente limitam-se à aquisição de livros, a instrumentos técnicos e utilitários, em detrimento da formação político-pedagógica desses profissionais.

Isso, a nosso ver, restringe as possibilidades de construção da autonomia, visto que essa se expressa na unidade da ação política dos atores escolares, orientados por objetivos e concepções comuns. Conforme Barroso (2006), essa construção baseia-se em compromissos compartilhados; no aumento dos conhecimentos dos sujeitos escolares sobre o funcionamento da organização, sobre as regras e as estruturas que a governam; na formação continuada dos educadores; e em investimentos (financeiros) nas condições de trabalho e na remuneração dos profissionais. Requer, também, a análise e a avaliação das práticas, dos costumes, dos valores e da identidade dos profissionais e da organização, o que demanda deles tempo para reflexão, estudos e diálogo.

Contrariando essa perspectiva, a autonomia que o Plano de Desenvolvimento da Escola pretende consolidar no espaço escolar refere-se unicamente à aplicação de parcos recursos oriundos do governo federal. Não promove a produção de conhecimentos no campo da aquisição de informações e de conceitos, da argumentação, da troca de experiências, nem a reflexão e a segurança necessárias às mudanças naquelas práticas desenvolvidas historicamente, o que proporia novos caminhos para o processo educacional.

A pretensão política da União de alterar os comportamentos dos sujeitos garantindo o repasse de parcos recursos para outras instâncias de poder não significa promover mudança nas concepções que orientam as condutas das pessoas. Embora os comportamentos e as rotinas possam ser modificados, continuam norteados por concepções formadas ao longo da história. Tal como afirma Farias (2006, p. 42), a mudança implica atribuir novos sentidos à

prática e esse processo está para além de “[...] condutas mecânicas nas situações de interação social; além da simples alteração de rotina, da introdução de um novo artefato tecnológico (computador, fac-símile etc.) ou mesmo da reorganização das relações hierárquicas num dado contexto institucional”.

Em muitas escolas brasileiras que elaboraram o seu projeto pedagógico, esse não tem se constituído em um instrumento de mudanças nas concepções existentes. Muitas vezes tem sido confundido com o Plano de Desenvolvimento da Escola que tem por fim modernizar algumas práticas burocráticas desenvolvidas na escola, mas não superá-las, tomando como parâmetro a ampla participação, a construção da autonomia escolar. Veiga (2003b, p. 47) esclarece que, quando o projeto escolar é usado como uma forma de implementar os indicadores de desempenho propostos pelas políticas públicas e avaliar os resultados obtidos, ele se torna “[...] um instrumento de controle, por estar atrelado a uma multiplicidade de mecanismos operacionais, de técnicas, de manobras e estratégias que emanam de vários centros de decisões e de diferentes atores”.

O desenvolvimento do PDE nas instituições de ensino tornou-se, pois, a expressão desse controle na escola não podendo ser confundido com o projeto político-pedagógico, visto que este se propõe definir uma direção política para que se institua nova realidade na escola. O PDE, ao contrário, introduz nas escolas um tipo de gestão empresarial, que consolida um projeto de educação globalizada, desvinculada de fins sociopolíticos transformadores da realidade. Na verdade, esse plano visa reduzir custos com a educação e parte do princípio de que esta precisa se modernizar para se adequar às atuais exigências da sociedade global.

Esse contraponto entre a escola elaborar um projeto educativo e este orientar mudanças nesse meio, é analisado por Costa (2003b) quando diz que, apesar de o projeto educativo ter assumido centralidade na literatura das organizações escolares, isso não vem ocorrendo no âmbito da escola. O projeto não tem se traduzido “[...] de forma linear e seqüencial em práticas correspondentes: ter um projeto não significa ser um projeto, nem mesmo construir um projeto” (COSTA, 2003b, p.1327). Isso no sentido das ações planejadas e implementadas propiciarem mudanças nas práticas e nas concepções dos sujeitos escolares.

Contrariando o nosso entendimento (e o de muitos estudiosos da temática), a construção do projeto político-pedagógico tornou-se uma imposição às escolas como parte das políticas de descentralização de poderes e encargos e de responsabilização dos atores escolares pela educação que desenvolvem. Porém, para que se torne um instrumento de transformação do trabalho escolar, é necessário que, dentre outros aspectos, as escolas tenham condições de construir e de se comprometer com uma verdadeira gestão democrática. Esse

tipo de gestão possibilita aos sujeitos compartilharem responsabilidades e demonstrarem criatividade no desenvolvimento da consciência crítica com base em um referencial de planejamento que propicie a construção de mudanças que decorrem da ação-reflexão coletiva. É compatível, portanto, com a perspectiva do planejamento participativo.

3.5 O projeto político-pedagógico na concepção do planejamento participativo:

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