• Nenhum resultado encontrado

As pedras com covinhas nas várias ocupações do sítio de São Pedro

6. ESPAÇOS E ESTRUTURAS

6.7. As evidências simbólicas e rituais nos espaços e estruturas do sítio de São Pedro

6.7.1. As pedras com covinhas nas várias ocupações do sítio de São Pedro

No sítio de São Pedro as pedras com covinhas têm uma presença muito significativa, surgindo dispersas em contextos diversificados, por vezes incluídas em estruturas das várias fases de ocupação, mas principalmente nas mais recentes (IV e V). As “covinhas”, de morfologia circular e dimensões variadas, encontram-se insculturadas isoladamente ou em conjuntos nas superfícies de lajes e blocos de xisto de calibre diverso, mas com preferência por suportes de pequenas dimensões (figuras A3-63, A3-64 e A3-67). O estudo das pedras com covinhas, realizado em parceria com Rui Mataloto, está ainda numa fase inicial, não sendo por isso possível apresentar todo o conjunto, mas somente realçar os exemplares e contextos mais relevantes para reflectir sobre o carácter simbólico destes elementos em povoados.

No âmbito desta abordagem destacam-se quatro lajes com covinhas relacionadas com as estruturas de delimitação das fases de ocupação II e IV e com as estruturas habitacionais da fase V.

97 fase II, identificou-se uma laje de xisto alongada com sete covinhas, localizadas numa área onde as mesmas poderiam ser visíveis (figura A3-67). Na unidade estratigráfica [2740], localizada no sector D, próximo da muralha Norte da fase II, e interpretada como um aterro, registou-se um bloco de xisto de grandes dimensões isolado, com uma das faces insculturadas com cerca de catorze covinhas, que se encontrava virada para o solo (figura A3-63).

Nas unidades estratigráficas [12-63] e [53], correspondentes ao embasamentos de estruturas habitacionais da Fase V (figuras A3-22 e A3-25), identificou-se a presença de lajes de xisto, de grande dimensão, com covinhas de tamanho e profundidade diversas, em posição invisível quando as estruturas se encontravam totalmente edificadas.

A grande maioria das lajes com covinhas encontravam-se dispersas de modo aparentemente aleatório pela estratigrafia das várias fases de ocupação do sítio de São Pedro, em unidades de aterro ou rejeição, sem que se consiga determinar, com os dados disponíveis, um padrão de preferência para a sua amortização.

Nas estruturas pétreas em que se integravam lajes com covinhas, a sua visibilidade seria muito reduzida, o que dificulta a interpretação decorativa da sua presença. A relativa frequência de pedras com covinhas em contextos estratigráficos decorrentes do uso do espaço, “aterros”, poderá indiciar que as mesmas, principalmente as de menores dimensões, desempenhariam um determinado papel na vivência quotidiana do povoado, podendo as de dimensões mais significativas assumir uma posição de destaque. Contudo, a reutilização destes elementos na edificação das estruturas mais recentes, ou a sua simples amortização, deve conduzir a uma reflexão sobre a sua perda de significado, eventualmente após um determinado uso, impossível de reconstituir actualmente. É possível interpretar a presença de lajes com covinhas na edificação das estruturas pétreas das fases mais recentes como um elemento simbólico, que representa a união entre o Passado e o Presente das diferentes comunidades que habitaram o cabeço de São Pedro. Todavia, a raridade e invisibilidades das lajes com covinhas em estruturas e a sua aparente dispersão e aleatoriedade nos derrubes, torna esta leitura demasiado arriscada (Costeira e Mataloto, no prelo).

6.7.1.1. As pedras com covinhas – uma abordagem geral

As covinhas identificam-se em espaços geográficos e contextos arqueológicos muito variados, nomeadamente em menires, em elementos arquitectónicos de monumentos megalíticos ou de povoados e em afloramentos isolados. Esta diversidade de contextos aumenta a dificuldade interpretativa e o enquadramento cronológico destes símbolos.

Diversos menires alentejanos, como o Tojal ou no menir 1 dos Perdigões (Calado, 2004), apresentam covinhas nas suas faces, que são interpretadas por vários autores como manifestações artísticas tardias, realizadas nos monólitos quando estes já estariam tombados (Gomes, 2002, Calado, 2004).

Catarina Costeira

98

As covinhas surgem também, com frequência, insculpidas em monumentos megalíticos funerários, principalmente nas tampas, mas também nos esteios, nas faces exteriores e/ou interiores (Leisner e Leisner, 1959). A presença das covinhas nestes monumentos pode estar associada a diferentes momentos da sua biografia, nomeadamente a fases de construção (Bueno Ramirez e Balbín Behrmann, 2003), ou a fases mais avançadas da sua (re)utilização (Calado, 2001, Andrade, 2010).

A identificação de afloramentos ou blocos pétreos decorados com covinhas é muito frequente, sendo a sua implantação muito diversificada, o que complexifica o seu enquadramento cronológico e a sua interpretação. No cabeço de São Pedro, em destacados afloramentos da vertente Sul, foi possível verificar a presença de algumas covinhas em painéis verticais (Mataloto, informação pessoal).

Com efeito, registam-se painéis com covinhas aparentemente isolados, como o painel do Poio Grande (Calado, 2001), ou o de São Domingos 2 (Andrade, 2010), próximos de espaços funerários, como no “cluster de Rabuje” (Boaventura, 2006), ou de áreas de habitat, como a Horta da Ribeira (próximo do povoado do Monte da Ribeira) e a Talisca (nas imediações da Salgada) (Calado, 2001), ou no interior dos povoados, como no de Claros Montes, Comenda do Meio, Paredes de Cima (Calado, 2001), Moinho de Valadares (Valera, 2013 a) e no Escoural (Gomes, 1991). As intervenções arqueológicas nos dois últimos sítios referidos permitiram demonstrar que os painéis com covinhas se encontravam sob depósitos de ocupações calcolíticas, o que indicaria que a realização das covinhas corresponderia a uma fase anterior ou inicial dos povoados (final do 4.º, início do 3.º milénio a.n.e.). No território do Redondo, em particular para Norte e Ocidente do São Pedro, registou-se um grande número de painéis com covinhas de dimensões muito variadas (pequenos afloramentos isolados, painéis graníticos), cujas presenças e localizações não se conseguem padronizar (Calado e Mataloto, 2001, estampa 2.2).

As covinhas são também insculturadas em componentes arquitectónicos (blocos e lajes de calibre diversificado) de povoados, como as pequenas lajes identificadas no Porto das Carretas (Soares, 2013), as lajes fragmentadas à superfície ou no interior do fosso de Monte da Julioa 4/Luz 20 (Valera, 2013 a), além do conjunto já referido do sítio de São Pedro. A presença de lajes com covinhas em povoados regista-se igualmente noutras áreas regionais, de que a laje da muralha do castro de Santiago (Valera, 2007, p. 118) ou o grande conjunto de lajes de xisto dispersas em Castanheira do Vento (Vale, 2011, p. 53) são bons exemplos. Em termos cronológicos, os elementos arquitectónicos com gravuras de covinhas identificados em contexto de povoado inserem-se em ocupações calcolíticas.

Assim, no Alentejo médio, as covinhas parecem ter uma grande expressão nas áreas preferencialmente ocupadas no Neolítico Final/Calcolítico, não se identificando nas áreas em que se concentram os povoados do Neolítico Antigo e Médio (Calado, 2001). Todavia, a longa duração das covinhas como elemento decorativo e a presença de painéis isolados exige prudência no seu enquadramento cronológico, colocando-se a hipótese de alguns contextos puderem ser anteriores ao Neolítico final, da mesma forma que se identificam covinhas em cronologias posteriores ao Calcolítico

99 (Idade do Bronze e Idade do Ferro).

As covinhas são motivos geométricos de tendência circular, que podem surgir isoladas ou em conjuntos numericamente variados, gravados numa grande diversidade de suportes (afloramentos naturais, menires, blocos e lajes afeiçoados de diferentes dimensões), enquadrados em contextos (elementos isolados, espaços e estruturas funerárias, áreas e componentes arquitectónicos dos povoados) e cronologias díspares. Perante esta heterogeneidade de situações, as ”covinhas” deverão ter assumido uma pluralidade de sentidos. A análise dos suportes e contextos permite colocar várias possibilidades interpretativas. Assim, a presença de covinhas em menires pode relacionar-se com conotações astronómicas ou solares (Bueno Ramirez e Balbín Behrmann, 2003), enquanto nos afloramentos ou em blocos destacados na paisagem, muitos dos quais na proximidade de cursos de água, o que é particularmente evidente nos vários troços do Guadiana (Calado, 2010; Valera, 2013; Baptista e Santos, 2013), poderão ter uma conotação de marcadores territoriais, associados à mobilidade dos grupos (Waddington, 1998), à delimitação de áreas/territórios diferenciados ou à construção de “lugares simbólicos”, “santuários” (Calado, 2001). As lajes afeiçoadas com covinhas que surgem nos povoados calcolíticos poderão ser entendidas quer numa perspectiva mais funcionalista (pedras de fogo, por fricção, gonzo, etc.) ou ter uma interpretação mais simbólica, relacionada com o desenvolvimento de actividades do âmbito mágico-simbólico (feitiçaria, curandeirismo, entre outros) ou o reaproveitamento simbólico, com posterior amortização, dos elementos pétreos de estruturas antigas, como elementos de ligação com as realidades do Passado, como pode ser o caso de alguns contextos do São Pedro.

As especificidades das covinhas, a sua associação a contextos funerários ou simbólicos, como monumentos megalíticos ou grandes afloramentos, permite com alguma segurança aceitar a integração, se não de todas, pelo menos de grande parte das covinhas identificadas em povoados, na esfera simbólica e ritual destas comunidades.

6.7.2. As deposições intencionais de recipientes cerâmicos nas várias ocupações do sítio