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processos participativos para gestão da inovação.

1.4. AS POSSIBILIDADES DE UMA CIDADE INTELIGENTE

As cidades inteligentes podem ser vistas como um denso ecossistema, sujeito a interação constante nos mais diversos níveis de atores que compõem o ambiente urbano, organizados dentro de uma complexa rede interconectada que se forma de maneira endógena.

Segundo FINGUERUT E FERNANDES (2015, p.57), estas cidades buscam soluções que resultem em melhoria no campo social, (educação, saúde e habitação), bem como na oferta de infraestrutura dos serviços prestados pelo poder público.

Pode-se dizer que as cidades inteligentes são lugares onde a tecnologia atua como elemento de alta relevância para o planejamento e gestão do espaço urbano, promovendo ações inovadoras alinhadas as particularidades do espaço habitado.

Entretanto, esse conceito posiciona as pessoas como os atores centrais da transformação das cidades (RATTI apud TOWNSEND, 2013, p. 291).

A iminência de espaços em rede, onde o planejamento participativo e colaborativo possibilita a ação conjunta dos diversos atores que compõe a dinâmica das cidades.

Segundo TOWNSEND (2013) há fortes indícios de que qualquer cidade, independentemente do tamanho, poderia migrar suas diretrizes de planejamento para os processos de intervenções colaborativas por meio das tecnologias sociais. Desde que capazes e dispostas a compreender e ajustar as soluções, iniciativas e inovações a sua realidade.

O modelo de cidades inteligentes, tendo as estruturas em rede como a base de suas relações, instiga uma mudança significativa nos modos de pensar e desenvolver o espaço urbano. Como afirma HEMMET (2013):

“Por um lado há uma visão que o design das cidades inteligentes deveria fomentar os diferentes usos que as pessoas dão à tecnologia. Mas há um grande clamor aqui, afirmando que os cidadãos podem, e devem ter um papel chave na concepção, projeto, construção e manutenção das cidades no futuro” (p.2, tradução nossa).

Para BÓGUS e ALVIM (2016) as áreas inteligentes dentro das cidades são, via de regra “(...)caracterizadas pela concentração dos investimentos em inovação, que estimulam a criatividade da população residente (p.129)”.

Para as autoras, o potencial desse modelo de cidades está na possibilidade de reunir indivíduos e instituição para produção e difusão do conhecimento, infraestruturas de comunicação e a oferta de serviços, independente de suas origens.

A importante mudança de paradigma proposta por esse modelo de intervenção urbana, tendo o indivíduo como um dos elementos centrais da produção de tecnologia para os espaços urbanos, reside no fato de que, em conjunto com o planejamento top-down, de responsabilidade do poder

público, torna-se necessário fomentar as iniciativas bottom- up, originárias das necessidades e dos esforços da população.

Focadas em conceber inovação e modos colaborativos de gestão e produção do espaço urbano, tais iniciativas concatenam as inúmeras partes que se perdem no processo ou que agem por conta própria, muitas vezes de modo pouco ordenado.

Nesse contexto, o cidadão é visto como corresponsável pela produção do espaço nas cidades, enriquecendo o processo tanto no âmbito do desenvolvimento urbano quanto na produção de tecnologias de modo aberto e colaborativo das mais diversas ordens.

Se analisarmos friamente o modelo, na prática, incluir os cidadãos mostra-se desafiador, como afirma HEMMET e TOWNSEND (2013), principalmente pelo fato de agregar mais variáveis a equação.

De fato as variáveis em questão já estavam presentes de maneira passiva, o que ocorre é a mudança de um estado mais receptivo e inerte para um mais ativo e participante do dia a dia de sua comunidade.

Para SHEPARD E SIMETI (2013), ao enfatizar a importância do cidadão em vez da tecnologia, transfere-se o foco da produção da tecnologia pura e dura para modelos de cunho social, fortalecendo o papel que o indivíduo deve exercer na manutenção e intervenção do espaço urbano.

Apesar de ser um posicionamento respaldado por diversos estudiosos de cidades inteligentes, segundo SANTAELLA (2016):

“Existe uma tendência critica contra as cidades inteligentes, quando estas se restringem a cidades programaticamente construídas para a exploração turística e incremento do capitalismo neoliberal como é o caso de Dubai e outras do mesmo tipo.” (p.34).

A produção das cidade dentro do conceito de cidades inteligentes focadas para a produção do espaço focado na promoção de atividades mercantilizadas das tecnologias, excluindo o habitante das discussões acerca das melhorias necessárias e transferindo esse direito às grandes empresas de tecnologia pode resultar no que SASSEN (2011) “chamou de sistema fechado e desurbanizador.”

Algumas cidades estão nascendo para serem inteligentes, como o caso de Songdo, na Coreia do Sul, com aproximadamente 90 mil habitantes, concebida dentro dessas

premissas, com diversas soluções tecnológicas intrínsecas ao seu plano urbano e Masdar, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos (Figura 7), pensada para a valorização dos percursos peatonais e ambicionando ser neutra em emissões de gás carbônico.

Figura 7 - Cidades inteligentes Songdo, Coreia do Sul e Masdar, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, respectivamente.

Esses dois modelos de cidades previram, desde os primeiros traços, a integração de redes de comunicação e informação, adequando-se a um pacote de soluções oferecidas por grandes empresas do setor -- como IBM, Cisco e Siemens, principais representantes do mercado de tecnologia para cidades -- e focando seus esforços em indústrias de tecnologia, indústrias criativas e sustentabilidade ambiental.

Para SASSEN (2011) ao pensar na cidade como um sistema fechado e completo, a cidade em si perde sua capacidade de evoluir, ficando atada as características de planejamento inicial descartando todas as referencias e contribuições de seus habitantes devido a complexidade do sistema operacional.

Diferentemente do que acontece em cidades como Songdo e Masdar, segundo SANTAELLA (2016) em cidades já consolidadas que aos poucos têm integradas tecnologias urbanas, em prol da governabilidade, há um grande número de hackers cívicos buscando novas formas de utopia através de interfaces digitais que diversificam os modos de experimentar as cidades. “Em lugar de monopólios proprietários, eles constroem redes colaborativas para

diferentes finalidades na vida urbana.” (SANTAELLA, p.34, 2016).

Essas iniciativas produzem soluções de maneira colaborativa, unindo as questões intrínsecas ao open design e aos benefícios que a tecnologia pode trazer para a cidade ao agregar a inteligência da população endereçada a melhorias ao seu entorno direto.

Essas mudanças fomentam ações no âmbito do desenvolvimento da cidade e na produção de soluções em nível de microterritório, conectando as pessoas diretamente com as informações e demandas do entorno imediato, solicitando sua participação no reporte das oportunidades de melhoria existentes e os incentivando a tomar ações de intervenção positiva.

A descentralização da responsabilidade da produção e gestão do espaço urbano permite que a população se organize favorecendo a emergência de novas tecnologias e formas de planejamento em prol da governança participativa da cidade, onde os interesses coletivos se sobrepõem aos indivíduos.

Como exemplo desses ativismo pode-se citar o Garoa Hacker clube. Um espaço voltado para a experimentação e

teste de novas tecnologias que reúne, de maneira não comercial, pessoas interessadas em aprimorar seus conhecimentos em diversas áreas, compartilhando parte do suas experiências com outros membros (figura 8).

Figura 8 - Localização Garoa Hacker Clube Fonte: GoogleMaps

O garoa foi fundado em 2010 por um grupo de entusiastas da área da tecnologia e localizado próximo a Praça Victor Civita em uma edificação residencial de aproximadamente 77 m² (Figura 9).

A rede e as ferramentas de comunicação disponíveis permitiram a popularização do espaço no meio e a união de ideias, criando um clube com pessoas com interesses em comum, voltado ao desenvolvimento de soluções tecnológicas

e compartilhamento conhecimento nas áreas de computação, eletrônica, etc.

Figura 9 - Entrada Garoa Hacker Clube e planta da edificação. Fonte: Garoa hacker Clube

A troca de ideias e o compartilhamento de conhecimentos para a produção de inovação com pessoas heterogêneas, aberto a qualquer pessoa e a qualquer projeto nas áreas citadas acima é um dos lemas desse espaço, segundo entrevista concedida por um de seus membros ao portal UOL.

Esse modelo ganha força ao agregar as diferenças para discutir ideias emergentes que possam agregar inovação e tecnologia.

De acordo com os relatos no vídeo no garoa TV, canal da iniciativa no youtube, publicado em 2013 as pessoas buscam o espaço para aprender ou ampliar seus conhecimentos em alguma área específica.

Indiretamente essas pessoas passam a doar parte do seu conhecimento criando um ciclo virtuoso de compartilhamento de informações, agregando saber em alguma área a qual o usuário acredita não dominar e em contrapartida este transfere parte do conhecimento que domina para ampliar o repertório de outros indivíduos.

Essa relação não acontece de forma obrigatória nem autoritária, mas de forma espontânea, muito similar ao modo de produção e transmissão do conhecimento defendido por

autores como SASSEN (2001), NEVES (2014), ROCHA(2015) quanto aos benefícios e potencialidades da rede e do open design para a produção de tecnologia para as cidades inteligentes.

O projeto de alimenta em prol da curiosidade dos seus usuários encontrando terreno fértil para desenvolver o conhecimento. O Garoa Hacker é pensado para que seus colaboradores compartilhem ideias de seus cotidianos e revertam tais anseios para produção de tecnologia.

Os envolvidos tem faixa etária compreendida entre 22 e 63 anos, onde a diferença de idade e de experiência enriquece as relações dentro do ambiente favorecendo inclusive a aleatoriedade das discussões, assim como defende JOHNSON (2011) ao analisar a relevância da heterogeneidade dos componentes dentro da rede.

O convívio tem resultado em diversas aplicações tecnológicas que podem agregar camadas ao conhecimento na área, como sensores de arduino para detectar presença, cubos de iluminação em LED (figura 10), cortadora CNC feita no próprio espaço, confecção e montagem de uma impressora 3D, monitor cardíaco em arduino, entre outros.

A manufatura de peças e equipamentos permite que tecnologias que antes seriam encontradas por valores quase que inacessíveis para inciativas ou pequenas organizações, devido as características e o potencial inovador presente na rede possam ser executadas com custo inferior, em alguns casos com material de descarte, tratado de maneira adequada e reaproveitando materiais.

Figura 10 - projetos desenvolvidos pelo Garoa Hacker Clube: cubo de iluminação em LED e Purpurina Megazord Fonte: Garoa Hacker Clube

LEMOS (2013) defende que os projetos de cidades inteligentes devem ser entendidos como processos de estímulo a criatividade, capazes de desenvolver o censo critico das pessoas e favorecer a democratização do acesso a cidade, seja pelas suas capacidades ou fragilidades, indo além da adoção de tecnologias digitais.

Para o autor, uma cidade inteligente é o somatório de todas as relações que compõem a dinâmica urbana, tendo a tecnologia como um dos elementos fornecedores de informações que embasem ações e políticas públicas para melhoria do espaço urbano como um todo.

Tais afirmações vão ao encontro dos casos que serão apresentados nos próximo capítulos, o MobiLab SP e a Rede Fab Lab Livre SP quanto a produção de tecnologias e de inteligência urbanas por vieses humanizados e colaborativos identificando, através da experiência do usuário as necessidades presentes na cidade de São Paulo.