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4. PESQUISA DE AVALIAÇÃO DO FAB LAB LIVRE SP

4.3. A LÓGICA DO COMPARTILHAMENTO

Um dos pilares que sustentam a lógica dos laboratórios de fabricação digital é a produção do conhecimento de forma colaborativa por meio de projetos, permitindo que o usuário customize ou adeque produtos do cotidiano de modo a torna- los adequados as necessidades identificadas.

O sucesso desse modelo depende de o usuário trazer experiências próprias para o ambiente e compartilhá-los com outras pessoas para que a construção se dê de maneira conjunta.

O conhecimento, nesse modelo, é construído principalmente através do entrosamento e das trocas que acontecem entre membros do próprio e de outros laboratórios.

Conforme relatam PINHEIRO (2017), VASCONCELOS (2017), MIRANDA (2017) e EYCHENE E NEVES (2013), a transferência do conhecimento, e, por sua vez, sua construção, se faz de maneira horizontal, através do compartilhamento das experiências adquiridas no desenvolvimento de processos similares.

Ao locar grande parte dos laboratórios em áreas de fragilidade social, o objetivo foi de materializar a possibilidade de produção de inovação e ativação de diversas áreas da cidade, onde muitas vezes a ação do poder público custa a chegar.

A política idealizou prover aos habitantes ferramentas e oportunidades de aprender novos ofícios e se familiarizar com um modelo tecnológico que poderia aparentar ser tão distante, fomentando a inovação e o empreendedorismo na região.

Com o passar do tempo, algumas ações começaram tomar forma e o público encontrou nesses espaços oportunidades para desenvolver projetos que estavam em suas mentes. Como o caso do projeto de mesa e cadeira, para crianças de dois a quatro anos, desenvolvidas no CEU Três Pontes (figura 63).

Figura 63 - Projeto de empreendedorismo, desenvolvimento de mesa e cadeira para crianças de dois a quatro anos no Fab Lab Livre SP - CEU Três Pontes - Foto: Thiago Galassi. Fonte: fablab.itsbrasil.org.br

O projeto, pautado em conceitos do mobiliário montessoriano, permite que a criança conquiste certa independência na utilização desse mobiliário.

Além de ser composto por peças práticas, simples e fáceis de serem produzidas. Os aparatos tecnológicos disponíveis no laboratório permitiram estudos iniciais e protótipos em tamanho real fossem desenvolvidos.

Posteriormente, foi compartilhado para livre acesso uma das bases do conceito de Fab Lab, embora não seja uma prática tão comum quanto deveria nos laboratórios da rede pública, que será explicada um pouco a frente.

Os benefícios do laboratório para esse projeto transcendem a possibilidade de prototipar uma ideia e torná-la menos abstrata.

O conhecimento nesses espaços é construído de maneira colaborativa, possibilitando contribuições imediatas tanto para a utilização da tecnologia quanto para adaptar a ideia de modo que possibilite sua execução, evoluindo do modelo inicial até a versão final.

O impacto causado por essa política pública tem se mostrado enriquecedor. Os laboratórios contribuem em âmbito muito maior do que apenas levar tecnologia para áreas periféricas e muitas vezes carentes de infraestrutura.

Apesar de ser um movimento ainda tímido em algumas áreas, esses equipamentos permitem que o grande potencial adormecido da população possa ser despertado, e que suas ideias possam ser viabilizadas no mundo real.

Entretanto, a divulgação quanto à importância da elaboração de projetos precisa ser reforçada dentro desses espaços, bem como definir quais características atenderiam de fato a proposta de projeto e os conceitos de empreendedorismo que se busca dentro do modelo.

Dos 13.985 usuários cadastrados nos 12 laboratórios, apenas 1.077 projetos foram cadastrados no período de 23 meses, uma taxa de conversão de 8%.

Para a análise da política nesse quesito, foram considerados os estágios nos projetos com possibilidade de serem executados ou em fase de execução.

Para isso, a composição da amostra considerou os projetos classificados como: aprovado, aguardando detalhamento, em análise e pendente.

Os 38 projetos classificados como reprovados foram excluídos do universo da amostra selecionada por não se tratar de processos encerrados e sem possibilidade de execução, o que totalizaria 1.077 projetos cadastrados no período.

Há uma grande possibilidade de esses números serem um pouco diferentes para mais ou para menos.

Primeiramente pela ausência de indicadores que demonstrem o número de projetos concluídos, o que impede a análise do real impacto da política no sentido de transformação do entorno imediato, da realidade dos usuários e o tempo médio do processo de desenvolvimento dessa atividade.

A ausência de um indicador que analise o número de projetos concluídos impede que a política seja medida quanto a sua eficiência na produção de inteligência e tecnologia.

Da mesma forma, não analisar o tempo médio de execução do projeto impossibilita mensurar qual a taxa de ocupação do laboratório para o desenvolvimento de projetos inovadores, carro-chefe desse modelo de política pública.

O único dado que poderia aproximar a pesquisa de tal informação seriam os projetos cadastrados no repositório on- line. Porém, de acordo com o que foi apurado nas visitas in loco, tanto em conversa com os técnicos quanto com usuários habituais do laboratório, o registro no repositório acontece de forma pouco rotineira -- e a maioria de fato não o faz, apresentando um grande gargalo no conceito do laboratório e gerando dados não confiáveis nesse quesito.

Conforme nos mostra a figura 64, o índice de projetos cadastrados no repositório on-line é de 16%.

A maior parte do que é produzido no laboratório se torna propriedade intelectual privada, construída com investimento público.

Sem dúvida, o não compartilhamento do conhecimento é um problema a se considerar.

Figura 64 – Projetos publicados no repositório on-line até agosto de 2017. Todas as áreas. Fonte: Desenvolvido pelo autor

A não publicidade do conhecimento impacta diretamente na lógica da construção em rede e do compartilhamento do conhecimento, uma vez que um dos principais pilares da rede de laboratórios não cumpre o papel de construí-lo em rede.

Represar o conhecimento acarreta um efeito de desconstrução do motivo primeiro a qual esse modelo de laboratório veio a existir, a produção de tecnologias por meios colaborativos.

Dentre os laboratórios da rede, a Casa da Memória, de Itaquera; o Centro Cultural São Paulo e o CEU Heliópolis

possuem o maior número de projetos compartilhados. Em uma rede com 12 laboratórios, o número deveria ser maior do que ¼ do total com contribuições significativas quanto a publicidade do conhecimento (figura 65).

Figura 65 - Top 3 laboratórios com maior número de publicações no repositório online até agosto de 2017. Fonte: Desenvolvido pelo autor

A não obrigatoriedade do compartilhamento da solução, considerando que não há nenhum documento que exija ou que explique sobre a necessidade de disponibilizá-lo no repositório on-line, ou pela não construção de uma agenda que instrua o usuário a lançar os avanços diários no sistema,

84% 16%

projetos publicados no site até 17/09

Não Sim 0 40 80 120 160 0 20 40 60 80 100 120

Top 3 Laboratórios Quanto a Publicação no Repositório Online

faz com que os números se tornem cada vez mais distante do ideal.

Dentre as 17 áreas afins, as quais os usuários podem cadastrar seus projetos, quatro delas concentram a maior parte do conhecimento compartilhado em rede, sendo: Arquitetura e Urbanismo, Design, Mobiliário e robótica (figura 66).

Em uma das visitas, um usuário que executava um jogo de tabuleiro no estilo RPG25 concedeu entrevista para os fins desta dissertação.

Quando questionado sobre o cadastro do jogo no repositório on-line, alegou saber da necessidade, mas como não houve insistência, ele preferiu deixar como estava.

Segundo os técnicos do laboratório Heliópolis, todos são instruídos sobre a necessidade de compartilhar os projetos no repositório, mas como não há acompanhamento das etapas de projeto, muitos concluem as atividades e simplesmente param de ir.

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RPG- Role Playing Game: Tipo de jogo onde os participantes assumem papéis diferentes e criam a narrativa de maneira colaborativa.

Figura 66 – Áreas temáticas com mais de 10 publicações no repositório online até agosto de 2017. Fonte: Desenvolvido pelo autor

Por se tratar de espaços públicos e de livre acesso a todos, mantidos com o dinheiro público, o compartilhamento da tecnologia desenvolvida pode ser considerado uma contrapartida justa, e, inclusive, é uma prática comum dentro de qualquer Fab Lab.

Embora os laboratórios não estejam dentro da rede, estes seguem as mesmas premissas. O que demonstra uma claramente uma deficiência na implantação do modelo, tanto nos indicadores quanto nas instruções acerca dos processos e procedimentos para uso dos espaços.

40%

31% 18%

11%

Temáticas com mais de 10 publicações

Arquitetura e Urbanismo Design

Mobiliário Robótica

Os esforços para incutir no usuário a importância de documentar o conhecimento produzido dentro desses espaços de maneira integral, contendo desde os resultados finais, acertos e falhas, quanto o processo completo e disponibilizando-o dentro do repositório on-line, precisam ser mais intensos e mais bem estruturados.

A riqueza desta prática está justamente nas questões levantadas sobre o open design.

Em muitos momentos os laboratórios se mostraram focados em sua própria identidade, o que constitui nichos dentro da rede.

Por exemplo, o laboratório de Heliópolis tem técnicos focados em programação, o que resulta no deslocamento de diversos usuários que querem aprender essa prática para Heliópolis, independentemente de sua localidade, como aconteceu com um frequentador do laboratório da Cidade Tiradentes.

Se o conceito de rede estivesse, de fato, entranhado na lógica que rege os laboratórios, tal fato teria sido resolvido sem grandes dificuldades por ferramentas de videoconferência, possibilitando total integração de ambas as

partes remotamente, como acontece nos Fab Labs da Fab Foundation.

A intenção da última afirmação não é a de comparar as duas iniciativas, similares no conceito, mas diferentes no modelo de gestão, mas reforçar o fato de que a lógica da rede para a transferência e construção do conhecimento deve permear as atividades sempre que possível.

Como exemplo pode ser citado o caso citado anteriormente no estudo de NEVES (2013) em sua tese de doutorado, que prova o potencial do open design ao compartilhar o projeto de uma caneca em código aberto para outros laboratórios, permitindo que o código fosse alterado para produzir outros modelos de caneca baseados no código- fonte.

Devido às possibilidades da vida em rede e a familiaridade com a estrutura que os demais usuários dos laboratórios tinham, foi possível reproduzir o modelo original de caneca, agregando informações e atribuindo características individuais a cada uma delas (capítulo 1, figuras 7 e 8).

Ao criar uma rede de atores dispostos a colaborar para a inovação em diferentes níveis, consegue-se um efeito muito

próximo ao caso Linux, em que as melhores ideias permanecem e as demais são descartadas, quase como um processo de seleção natural.

O grande número de aportes em um curto espaço de tempo permite a seleção das melhores ideias de maneira democrática e em um universo onde todas as opções são consideradas e debatidas, além de possibilitar – quando utilizada de maneira apropriada e em todo o seu potencial – a transferência do conhecimento, que se encontra aberto e disponível para uso de todos.

Para MIRANDA (2017), o projeto em desenvolvimento com a SMS tem como objetivo a produção de tecnologias assistivas com foco em próteses e órteses que possam ser impressas dentro dos laboratórios.

A relevância do projeto se faz pela possibilidade de popularização da produção dessas próteses e órteses e consequentemente a redução do custo.

Um segundo benefício associado ao desenvolvimento e compartilhamento desses itens dentro dos Fab Labs se apoia na abrangência e proximidade dos laboratórios à periferia do município.

Ter o conhecimento das etapas de produção desses componentes em um repositório on-line permitiria que os responsáveis, dentro dos centros de saúde em Cidade Tiradentes, por exemplo, tivessem autonomia para inserir parâmetros necessários para a customização e adequação às características físicas do paciente, produzindo a prótese ou órtese ali mesmo, encurtando o caminho atual a ser percorrido.

Em muitos casos relatados inclusive por TOWNSEND (2013), BIDERMAN (2017) e SWIATEK (2017), a construção coletiva e em formato aberto permite a compreensão da tecnologia de maneira integral, possibilitando intervenções pontuais e empregadas pelos próprios moradores de maneira autossuficiente.

Para que a política de fato funcione, é necessário que toda sua complexidade seja compreendida e seu legado transferido para os novos usuários, até o momento em que a cultura do compartilhamento e do trabalho em rede deixe de ser uma novidade e passe a ser rotina.

Sem o trabalho em rede e a produção por meio de projetos colaborativos, esse equipamento pode não atingir seu real propósito.

4.4. A PRODUÇÃO DE INTELIGÊNCIA POR PROJETOS.