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5. A CONVERGÊNCIA DAS RELAÇÕES BOLÍVIA-BRASIL NOS ANOS 90

5.2. O Neoliberalismo Boliviano

5.2.1. As Reformas Neoliberais de Primeira Geração (1985/89)

No início da década de 80 o Estado boliviano controlava 2/3 da economia nacional, mas todas as estatais eram deficitárias alimentando o déficit público, que era coberto com empréstimos externos ou pela exportação de matérias-primas, notadamente o estanho.

Após a moratória mexicana de 1982 (quando os créditos para o Terceiro Mundo foram restritos) o déficit público teve que ser custeado pela economia doméstica, que além de não possuir base suficiente para fazê-lo, estava em crise em razão da queda dos preços das matérias-primas e a limitada produção agropecuária. Para agravar ainda mais a situação em 1982 decidiu-se desdolarizar a economia proibindo qualquer transação em moeda estrangeira o que deu lugar ao surgimento de um tipo de câmbio paralelo que produziu uma progressiva desestruturação financeira e uma fuga de capitais, afetando profundamente o sistema bancário nacional. Ante estes problemas a economia boliviana entrou em rápido processo de deterioração registrando fuga de capitais, queda da produção, redução dos salários e do poder aquisitivo e aumento do desemprego, do déficit e da dívida pública (Torecilla, op. cit).

115 Em setembro de 2004 foi aberta uma filial do BNDES em Buenos Aires. Anteriormente o banco havia liberados US$ 3,9 bilhões de dólares para projetos de infra-estrutura na Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Peru e Venezuela. O BNDES também anunciou que aplicaria US$ 200 milhões no CAF ampliando sua participação no órgão de 6% para 20%. (Costa 21/09/04).

Para fazer frente a esses problemas foram tomadas três medidas emergenciais que apenas agravaram ainda mais os problemas econômicos e sociais do país. A primeira medida foi utilizar a emissão como forma de custear o setor público, o que rapidamente primeiro criou e depois começou a alimentar a espiral inflacionária, que em 1985 chegou a 24.000% a.a. A segunda medida foi a de reduzir os gastos públicos através das demissões maciças das minas estatais (apenas a Comibol demitiu 21.000 funcionários), e da redução das inversões em serviços públicos e educação. Afinal, a terceira medida, tomada pelo governo em 1984 quando o déficit público aprofundou-se, foi de suspender os pagamentos da dívida externa (mas não o serviço da dívida) o que resultou nos cortes nas linhas de crédito para o país.

A instabilidade política apenas refletiu a deterioração das condições econômicas. Em 1985 sob pressão da Acción Democratica Nacionalista (ADN), Central Obrera Boliviana (COB) e Movimiento Nacional Revolucionariao (MNR) o presidente Hernán Siles Zuazo teve que convocar eleições gerais para escolher seu sucessor um ano antes de expirar seu mandato.

Na tentativa de resolver os problemas econômicos e sociais da Bolívia em 24 de agosto de 1985 o presidente Paz Estenssoro (em seu terceiro mandato) promulgava o Decreto Supremo 21.060/85. Tratava-se de um conjunto de reformas econômicas de viés neoliberal que pouco diferia do programa proposto inicialmente pelo chefe da ADN, o General Hugo Bánzer, cujo apoio fora vital para a eleição de Paz Estenssoro. Também conhecidas como a Nuova Politica Economica (NPE) este conjunto de reformas (formuladas com a supervisão do economista liberal norte-americano Jeffrey Sachs), representou a primeira geração de reformas neoliberais implantadas pela Bolívia e tinha como objetivos: 1) estabilizar os preços a fim de controlar a espiral inflacionária; 2) reduzir o déficit fiscal e do setor externo, restringindo ao máximo a presença do Estado e abrindo a economia boliviana; 3) reincerir a Bolívia no sistema financeiro internacional; 4) restabelecer a confiança no país através da aplicação de um modelo de estabilização ortodoxo, apoiado pelo FMI; e 5) redefinir o papel do Estado, que deveria se retirar das atividades produtivas e focalizar o investimento público nas áreas sociais e de infra-estrutura, bem como assumir a função de agente regulador e garantidor das condições de estabilidade macroeconômica que permitiriam o desenvolvimento e progresso ordenado do setor privado tanto nacional como estrangeiro (Torecilla, op. cit.).

A política de ajuste fiscal incluiu um rigoroso corte nos gastos públicos (incluindo os sociais), fim dos preços subsidiados (tarifas, serviços públicos e alimentos), política restritiva de crédito e liberação da taxa de juros. Por outro lado, se tentou incrementar os ingressos fiscais através de reforma fiscal e tributária, que simplificariam a estrutura fiscal, reduzindo a

quantidade de impostos (que chegavam a 450) e incrementando a participação dos impostos indiretos de mais fácil arrecadação. Também foi adotada uma política cambial116 rígida e uma política monetária restritiva117.

Como o apoio internacional era fundamental para a sustentabilidade do programa de estabilização, as autoridades bolivianas tentaram negociar a reprogramação da dívida com os organismos bilaterais e multilaterais de crédito, os bancos privados internacionais e o Clube de Paris. A renegociação foi possível porque a manutenção do pagamento do serviço da dívida deixou em aberto um canal de diálogo com o sistema creditício internacional, além do que, este se mostrava mais receptivo em virtude do severo plano de reajuste então adotado pelo país. Assim, a Bolívia pôde ingressar no programa HIPC (Heavily Indebted Poor

Countries) renegociando parte da sua dívida externa, garantindo a continuidade das reformas. Em complemento à política de estabilização, em 1988 se criou a Comisión de Transición Industrial com a função de realizar os estudos preliminares para a implementação das primeiras privatizações, processo iniciado com a dissolução da Corporación Boliviana de Fomento (CBF), que agrupava um grande número de empresas industriais de propriedade do Estado e sua transferência a entidades regionais, as Corporaciones Regionales de Desarollo. Assim, foram vendidas 170 estatais que renderam US$ 163,3 milhões (Torecilla, op. cit.).

Neste momento a privatização das principais estatais: Ende (Empresa Nacional de Eletricidad), Enfe (Empresa Nacional de Ferrocarriles), Ente (Empresa Nacional de Telecomunicaciones), Empresa Metalúrgica de Vinto, Lab (Lloyd Aéreo Boliviano) e YPFB não ocorreu por que: 1) ainda existiam restrições legais e administrativas que impediam sua privatização; 2) no período hiperinflacionário percebeu-se que as maiores estatais tinham independência econômica e política, razão pela qual antes da privatização era necessário retomar o controle estatal; 3) percebeu-se que era necessário reestruturar as estatais, tornando- as atrativas aos investidores privados; 4) as maiores estatais tinham grande relevância econômica, aportando a maior parte dos ingressos no Tesoro General de la Nación; e 5) existia muita incerteza no setor privado sobre a sustentabilidade do novo modelo econômico. Porém, essas estatais remanescentes ficaram sob severo controle, devendo aderir às regras de mercado, o que incluía a extinção da estabilidade do emprego, adoção de livre negociação salarial e obrigação de apresentarem seus balanços a cada dois meses (Torecilla, op. cit.).

116 Visando estabilizar o câmbio, reduzir a lacuna entre o câmbio oficial e o paralelo e redolarizar a economia. 117 As emissões do Banco Central dependiam de acordos com o FMI, foi restrito o crédito e o financiamento

Os resultados econômicos da NPE foram apreciáveis: obteve-se a estabilidade macroeconômica, conteve-se a inflação e o país começou a crescer a taxas estáveis (cerca de 2,5 % a.a.). Ademais, também foram obtidos importantes resultados sociais e políticos. No campo social a demissão maciça de empregados públicos e o congelamento de salários produziu uma forte retração da demanda e aumento do desemprego. No campo político a implementação das políticas de estabilização exigiu a desarticulação de alguns atores sociais, como condição de possibilidade de implementação destas políticas (entre eles a COB) o que resultou no aparecimento de novos atores sociais, como a população indígena e camponesa.

A despeito do sucesso das primeiras medidas neoliberais os organismos internacionais continuaram a negar financiamentos para as cronicamente deficitárias estatais bolivianas. Isto levou o sucessor de Paz Estenssoro, o presidente Jaime Paz Zamora (1989/93) a desenvolver o marco normativo necessário para implantar as reformas neoliberais de segunda geração. Desta feita destacaram-se três leis: 1) a Lei No 1.178/90, ou Ley Safco (Sistema de Administração Fiscalización y Control Gubernamental) que estabeleceu controles e condições para uso dos recursos do Estado; 2) a Lei No 1.182 de 17 de setembro de 1990 (ou Lei de Investimentos), que buscou estimular e garantir os investimentos nacionais e estrangeiros realizados na Bolívia; e 3) a Lei No 1.330 de 24 de abril de 1992 (ou Lei de Privatizações), que autorizava as empresas, entidades e instituições do setor público a alienar as ações, bens, direitos e valores de sua propriedade e transferi-los a pessoas naturais e coletivas nacionais ou estrangeiras, ou aportar os mesmos para a constituição das novas sociedades anônimas mistas.