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2. CARACTERÍSTICAS DO SETOR DE HIDROCARBONETOS

2.4. As Indústrias Escopo do Petróleo e do Gás Natural

2.4.1. A Indústria Petroquímica

A indústria petroquímica mundial (IPQ) resulta da economia de escopo da IMP e da IGN (também são chamadas de gasquímicas as petroquímicas que utilizam apenas as frações nobres do gás natural). As companhias petrolíferas tendem a atuar na petroquímica por razões defensivas (amenizar os altos custos da linha vertical petrolífera), financeiras (obter os altos retornos propiciados por esta indústria) e estratégicas (a petroquímica é uma indústria naturalmente complementar a indústria petrolífera).

2.4.1.1. A Evolução da Indústria Petroquímica

Nas plantas, o eteno (ou etileno) atua como hormônio inibidor do crescimento e estimulante do amadurecimento dos frutos. Em 2000 a.C. os egípcios descobriram a função do eteno porque sabiam que furando os frutos dos sicômoros (uma espécie de figueira) ele liberava látex que, acreditavam, acelerava o amadurecimento dos frutos. Depois, derivados químicos foram produzidos em escala laboratorial a partir de outros compostos metabolizados pelas plantas. Apenas em 1845 o alemão August W. Von Hofmann destilou pela primeira vez o alcatrão de hulha (um tipo de carvão) obtendo o benzeno, criando a indústria carboquímica. Em 1856 o inglês William H. Perkins obteve o primeiro corante sintético, a malva, a partir da anilina, outro derivado do alcatrão de hulha. A partir daí a produção de corantes sintéticos estimulou o crescimento da indústria carboquímica. Somente em 1872 foi obtido da combustão do gás natural um composto não carboquímico, o carvão amorfo (negro-de-fumo).

As principais indústrias químicas44 se estruturaram então com base na carboquímica. Em 1913, com a introdução do cracking catalítico do petróleo, as refinarias começaram a produzir uma nova série de subprodutos (entre eles os gases e a nafta) que eram tratados como rejeitos e vendidos para as companhias químicas que a partir deles produziam etileno. Mas isto não modificou a base carboquímica. Ainda tendo como matéria-prima o alcatrão de hulha, em 1919 George O. Curme Jr patenteou a técnica de produção comercial do etileno, utilizada pela Union Carbide na planta inaugurada em Clendenin (Virgínia Ocidental) em 1920.

A conexão entre a indústria do petróleo e a indústria química nasceu por acaso em 1919. A SONJ enfrentava problemas de corrosão numa estação de tratamento de gás natural, que se acreditava causada pela presença de umidade e de ar no gás de alimentação. Após os

44 Entre elas (com as respectivas datas de fundação): as alemãs AGFA (1867), BASF (1865), Bayer (1863), Cassela (1789), Celanese (1863) e Höchst (1863); a belga Solvay (1861); a britânica ICI (1926); a francesa Rhône-Poulenc (1801); as norte-americanas Allied-Signal (1920), American Cyanamid (1903), Dow Chemical (1892), E.I. du Pont du Neumors (1802), Monsanto (1901) e Union Carbide (1917) e as suíças CIBA (1859), Geigy (1758), La Roche (1896) e Sandoz (1886).

testes se concluiu que o problema poderia ser resolvido desoxidando o gás, combinando o oxigênio com os hidrocarbonetos do próprio gás. Surpreendentemente, houve a oxidação parcial dos hidrocarbonetos com a formação de compostos até então obtidos apenas em escala laboratorial, entre eles o acetaldeído, acetona, álcoois superiores, formaldeído e metanol.

A união definitiva entre a indústria petrolífera e a indústria química ocorreu em 1920 quando a SONJ e Union Carbide construíram em sociedade em New Jersey a primeira planta petroquímica do mundo que produzia álcool isopropílico, matéria-prima de cosméticos. Em 1923 a Union Carbide inaugurou uma planta petroquímica para produzir etileno.

Nos anos seguintes o potencial da indústria petroquímica ficou claro com a produção da primeira borracha sintética na Alemanha (1930), do polietileno na Grã-Bretanha (1932) e do nylon nos EUA (1935), mas foi a intensa demanda de matérias-primas (para produção de borrachas e explosivos) na Segunda Guerra que propiciou um crescimento vertiginoso da indústria petroquímica. Ao final do conflito ela já estava consolidada na Alemanha e EUA.

Após a guerra a indústria petroquímica superou a carboquímica na Europa Ocidental e no Japão porque além do petróleo ser mais barato e abundante, os processos produtivos dos seus derivados intermediários eram mais acessíveis e econômicos e rendiam frações químicas leves (etileno, propileno, etc.) em proporção muito maior do que o alcatrão de hulha.

Apesar ser um ramo industrial independente da indústria petrolífera, a petroquímica tem com ela vínculos estreitos por que: 1) demanda as frações químicas leves das refinarias; 2) seus derivados têm alto valor agregado; e 3) possibilita, através da obtenção de economias de escopo, a expansão das atividades petrolíferas e ganhos adicionais elevados. Assim, no transcorrer dos anos todas as grandes companhias petrolíferas criaram um ramo petroquímico: Shell (1929), Chevron (1940), BP (1947), Gulf Oil (1952) e Texaco (1955).

A partir da década de 1950 os sintéticos petroquímicos passaram a fazer parte do quotidiano, substituindo incontáveis produtos naturais, entrando no processo de produção de virtualmente quase todos os produtos sintéticos hoje conhecidos.

2.4.1.2. A Estrutura da Indústria Petroquímica

A IPQ deriva do escopo da IMP e da IGN e também é uma indústria do setor de infra- estrutura, apresentando seus elementos típicos: a cadeia produtiva, as especificidades dos ativos, a forma de organização, os ganhos econômicos e a estrutura de mercado.

As principais matérias-primas da IPQ são: a nafta (obtida do refino do petróleo), o etano e o propano (obtidos do refino do petróleo ou da separação do gás natural). Através de três atividades essas matérias-primas são convertidas em produtos diferenciados e diversificados que entram no processo produtivo da atividade seguinte até se chegar aos produtos finais (Brink & Shreve, 1997):

1. As indústrias de primeira geração: convertem as matérias-primas em produtos petroquímicos básicos, entre o quais o eteno (cuja produção é balizadora da IPQ), o propeno e o butadieno (ditos oleofinas), o benzeno, o tolueno e paraxileno (ditos aromáticos). Secundariamente são produzidos combustíveis e solventes.

2. As indústrias de segunda geração: convertem os produtos petroquímicos básicos em produtos intermediários como o acetato de vinila, ácido acrílico, acrilonitrila, amoníaco, anilina, estireno, fenol, isopreno, óxido de etileno, óxido de propeno, uréia, entre outros. 3. As indústrias de terceira geração: convertem os produtos intermediários em produtos finais. Os produtos finais ultrapassam o número de 5.000 sendo os principais os ácidos salicílicos, ácido sulfúrico, agrotóxicos, álcoois, aldeídos, borrachas, cetonas, corantes, detergentes, enxofre, explosivos, fertilizantes, fibras sintéticas, hidrogênio, isopores, plásticos, resinas, solventes, tensoadores, tintas, entre outros.

Os produtos finais são utilizados pelas indústrias de transformação para produzir adesivos, alimentos, calçados, cosméticos, embalagens, garrafas, fios e cabos elétricos, materiais de construção, medicamentos, peças, roupas, tubos e conexões, entre outros.

A despeito do enorme volume de produtos finais e da intensidade de processos (até 45 etapas são necessárias deste o upstream até a obtenção do produto final) a IPQ absorve apenas entre 3% e 5% do total de derivados do gás natural e do petróleo, mas estes derivados não apenas apresentam preços elevados45 como à medida que o fluxo produtivo avança mais valor é agregado ao produto seguinte de forma que o preço de um produto da indústria de 3ª geração pode variar de US$ 1.000,00 a US$ 4.000,00 por tonelada. Devido a essa agregação de valor calcula-se que a indústria petroquímica fature US$ 1,7 trilhão por ano com crescimento médio de 3% a.a. (Brink & Shreve, op. cit.).

Historicamente as companhias petrolíferas procuraram obter a integração estrutural com as companhias petroquímicas, controlando o processo produtivo desde a produção de matérias-primas até as indústrias de terceira geração, algo que ocorre por uma série de razões:

45 O óleo combustível, o asfalto, e a gasolina não passam de US$ 100,00 ou US$ 200,00 a tonelada, enquanto o preço da nafta é em média 8 vezes superior.

os ganhos e sinergias advindos da integração dos ativos de gás e petróleo com o setor petroquímico, a possibilidade de balanceamento dos ciclos refino-petroquímica, a diversificação em produtos de maior valor agregado, o barateamento das matérias-primas, a redução dos custos através da escala de produção e competitividade e fato da IMP ter na IPQ uma forma a mais para recuperar seus custos de produção.

Em função disto, conforme Garcia, Hiratuka e Sabbatini (in: Barreto, Neto, Souza, 2003) a indústria petroquímica mundial segue três modelos estruturais: 1) as grandes companhias petrolíferas, que mantém suas atividades concentradas nas atividades petrolíferas, possuindo atividades na indústria petroquímica (como a BP, Chevron, ExxonMobil, Petronas, Shell, Sinopec, Total, entre outras); 2) as grandes companhias petroquímicas, que mantém suas atividades concentradas na indústria petroquímica, possuindo ou não complementos na indústria química (como a Braskem e da Suzano entre outras); e 3) as grandes companhias petroquímicas/químicas, que mantém suas atividades concentradas nas atividades petroquímica/química, o que as permitem diferenciar seu produto e incorrer em margens de rentabilidade superiores (Seria o caso da BASF, Bayer, Dow Chemical, E.I. Du Pont du Neumors, Höchst, entre outras). Atualmente também existem as companhias petrolíferas que procuram uma maior integração entre o refino-petroquímica (como a da PDVSA, Pemex e Petrobras) e as companhias focadas em química fina (como a Degussa e a DSM).

Além da diversificação dos produtos, agregação de valor e dos vínculos entre IMP e IPQ outra característica desta é a sua ciclicidade. A decisão de investir na IPQ oscila de acordo com a volatilidade dos preços do petróleo e da paridade das taxas de câmbio, da flutuação das taxas de crescimento da demanda mundial e inovações tecnologias, mas quando se decide pela ampliação da capacidade produtiva instalada os investimentos devem ser concentrados nas indústrias de primeira e segunda geração, que normalmente resultam num impacto produtivo proporcionalmente muito maior do que a capacidade de absorção pelo mercado, gerando desajustes estruturais, que em três ou quatro anos resulta em sobre oferta de produtos químicos e rebaixamento de preços (Kupfer, 2004).

Por sua vez essa ciclicidade estrutural determina os ciclos de aquisições, fusões e formação de joint-ventures entre as companhias que ocorrem a cada 5 anos e são seguidos de outros 5 anos de digestão (reestruturação dos ativos e racionalização dos ciclos). O último ciclo ocorreu entre 1997/2002 produzindo um crescimento da integração entre as refinarias de petróleo e as indústrias de primeira geração e uma elevação significativa do grau de concentração industrial. Em meados dos anos 90 existiam 19 grandes companhias

petroquímicas: Amoco, Arco, BASF, Borealis, BP, Chevron, Dow Chemical, Exxon, Höchst, Lyondell, Millenium, Mobil, Montell, Occidental, PCD, Phillips, Shell, Solvay, Union Carbide, que se reduziram a 746 em 2005: Basell, Borealis, Chevron, Dow Chemical, Equistar, Exxon e Innovene (Gomes, Dvorsak, & Heil, 2005).

A ciclicidade impacta também sobre a estrutura concorrêncial da IPQ na medida em que a concentra em poucas empresas, configurando uma situação de oligopólio, mas independentemente disso, a concorrência envolve outros fatores intra-firma e extra-firma. Os fatores intra-firma dizem respeito às capacidades intrínsecas das companhias tais como o grau de integração da cadeia petroquímica; a capacidade de inovação tecnológica (que exige vultosos investimentos em P&D), mas em contrapartida, como os novos produtos normalmente apresentam alto valor agregado (destacadamente na área de especialidades químicas) estes as protegem das flutuações de preços; a constituição de fontes de rendas mais perenes, como o licenciamento de tecnologias; e a eficiência produtiva das companhias (capacidade de racionalizar trabalho e estruturas, otimizar os custos e a logística).

Os fatores extra-firma dizem respeito às questões como: o acesso a matérias-primas baratas (as matérias-primas correspondem em média a 83% dos custos variáveis da IPQ); à internacionalização da cadeia produtiva; a descentralização da produção; o compartilhamento da capacidade produtiva com outras empresas; o acesso ao mercado consumidor (existência ou não de barreiras à entrada, facilidade de transporte, etc.); o grau de regulação ambiental (como normas de emissões) que tende a pressionar os custos; a política de concorrência (que tende a dificultar as operações de consolidação); e as normas de patenteamento e homologação de novos produtos (que tendem a encarecer a P&D).