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4. OS HIDROCARBONETOS E AS RELAÇÕES BOLÍVIA-BRASIL ATÉ 1985

4.1. A Bolívia: Um Pouco de História

A Bolívia tem área de 1.098.581 km2 e 9.182.000 habitantes, mas a população é heterogênea com mais de 36 diferentes etnias indígenas que compõe 60%75 dos habitantes, cerca de 25% são mestiços e 15% de brancos.

Ocupada pela Espanha após a conquista do Império Inca por Francisco Pizzaro em 15/11/1533, o território da atual Bolívia era periférico no Vice-Reinado do Peru, com centro administrativo em Lima (atual Peru). A existência da Bolívia como Estado independente teve início em 1809, conquistando-a efetivamente em 6 de agosto de 1825, após 16 anos de luta.

Em 1545, quando teve início a extração da prata de Potosí, os espanhóis estabeleceram um sistema produtivo com clara separação econômica/étnica/política/social aproveitando-se das rivalidades indígenas. A pequena elite espanhola branca encarregada da administração político/econômica utilizava massiçamente à mão-de-obra indígena, para fazer a sua riqueza e da Espanha para onde a prata era escoada a fim de sustentar as políticas imperiais dos Habsburgos e manter a coroa solvente frente a credores alemães, flamengos e genoveses. O ciclo da prata terminou por volta de 1750 quando as minas esgotaram-se. O custo humano foi incalculável76 mas isto não impediu a manutenção do sistema produtivo nos ciclos extrativos posteriores (estanho77, salitre, petróleo, etc.) com seus efeitos divisores sobre a sociedade.

A manutenção deste padrão que privilegia poucos à custa de muitos explica em parte porque o país nunca logrou construir uma coesão econômica/étnica/social/política sólida, fatores que dividem o país em dois grandes blocos distintos, divisão claramente definida pela geografia78. A planície boliviana, mais rica, ocidentalizada e próspera é ocupada pelas minorias brancas europeizadas. Herdeiras culturais do modelo excludente espanhol, o único ponto de convergência desta minoria é a conivência com os capitalistas, estrangeiros ou não, para juntos fazerem fortunas à custa do trabalho da maioria indígena da população. De resto ela não tem interesses homogêneos e raramente suas políticas tem pontos de contato com os interesses da maioria indígena. Em contrapartida, o altiplano andino é mais pobre, ocupado pelas mais de 36 diferentes etnias indígenas (às vezes rivais) que sempre foram excluídos da vida econômica e política e do acesso às riquezas que produziram (Gumucio, 1996).

A falta de coesão interna apontada acima teve pelo menos três efeitos sobre a política boliviana. O primeiro é que a política interna é cronicamente instável porque as oligarquias, ao rivalizar entre si com objetivo de se apossar dos recursos do país para seus próprios fins, alteram-se no poder de acordo com os interesses, insatisfações e objetivos do momento. Em função disto o mecanismo normal de transmissão do poder era o golpe de estado: foram mais de 210 em 180 anos e apenas um presidente concluiu o mandato.

O segundo efeito é de cunho econômico/social porque o padrão produtivo reforça a pobreza indígena e com ele a exclusão e divisão interna. Apesar das grandes riquezas naturais do país, a maioria da população boliviana (diga-se indígenas) nunca conseguiu (ou nunca lhe

76 Nas minas a mortalidade atingia até 70%.

77 As minas de estanho foram descobertas pelo boliviano Simón Patiño em 1900. A Bolívia tornou-se o maior exportador mundial de estanho e chegou a vendê-lo a um preço dez vezes menor do mercado durante a Segunda Guerra. Em 1952 essas minas foram nacionalizadas, mas então estavam esgotadas e Patiño tinha acumulado uma fortuna de US$ 1,5 bilhão. A parte dos mineradores foi à miséria e a doença. 78 A divisão é claramente visível também no fato do país ter duas capitais. La Paz é a capital política e fica no

foi permitido) ter acesso aos benefícios gerados pela exploração destas riquezas. Hoje a Bolívia é o país mais pobre da América do Sul: 67,3% da população vive na linha de pobreza, 47% vive na extrema miséria. Esta situação gera insatisfação e irritação social crônica.

Combinados estes dois efeitos geram um ambiente de incerteza terrível, ainda mais para atuação de companhias petrolíferas e recorrentemente a Bolívia nacionaliza os ativos estrangeiros para resolver problemas econômicos imediatos e para amenizar a tensão social.

O terceiro efeito da divisão interna reflete-se na debilidade da política externa da Bolívia, que pode ser constatada por dois fatores. O primeiro fator é a perda de territórios, que entre 1826 e 1935 atingiu 53%79 da área original. O processo começou logo após a independência e teve pelo menos três experiências traumáticas. A primeira delas envolveu a disputa pela posse das jazidas salitre80, que resultou na Guerra do Pacífico (1879/84) contra o Chile. Além das jazidas os bolivianos perderam os portos de Antofogasta, Cobija, Mejillones e Tocopilla e com eles sua saída para o mar (ver mapas 3.1 e 3.2 nos anexos). A segunda disputa foi com o Brasil em torno da questão do Acre (1903). A terceira disputa traumática foi a Guerra do Chaco (1932/35) travada com o Paraguai e que levou a perda do Chaco e saída boliviana para os rios Paraná e Paraguai (ver mapa 3.2 nos anexos).

As três perdas tiveram o efeito de isolar a Bolívia no centro do continente sul- americano e gerar um clima de ressentimento na população.

O segundo fator em que é possível verificar a debilidade da Bolívia é a sua reduzida capacidade de conduzir uma política externa autônoma. Recorrentemente ela precisa conduzir seus interesses jogando com os interesses de argentinos, chilenos, brasileiros, norte- americanos, paraguaios e peruanos na esperança de manter certa autonomia e tirar alguma vantagem. Mais frequentemente essa fórmula resume-se a uma disputa entre argentinos e brasileiros, os dois países mais importantes da América do Sul.