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2. CARACTERÍSTICAS DO SETOR DE HIDROCARBONETOS

2.2. A Indústria Petrolífera

2.2.2. A Estrutura da Indústria Petrolífera

Como indústria do setor de infra-estrutura a IMP apresenta seus elementos típicos: a cadeia produtiva, as especificidades dos ativos, a forma de organização, os ganhos econômicos e a estrutura de mercado.

A cadeia do petróleo é constituída de três atividades tecnicamente distintas e independentes. A primeira é dita upstream (também chamada de E/P ou E&P) e compreende as etapas de exploração (inclusive pesquisa geofísica), perfuração, prospecção, desenvolvimento, e o tratamento primário do petróleo (separação de gases e desidratação).

O upstream é bastante rígido porque independe do elemento humano e sim de fatores naturais (geológicos) que por sua vez condiciona os fatores estratégicos (como a logística de transporte, refino e distribuição). Em razão disto o upstream possui riscos, custos e rendimentos inerentes, não encontrados nas outras atividades (Contreras, 2003c).

Quanto aos riscos, são de três ordens: 1) o risco geológico e mesmo com as atuais tecnologias, ainda hoje só existe uma forma segura de saber se há petróleo em um poço e se sua quantidade e qualidade justificam a exploração econômica: perfurando38; 2) o risco político, porque um país produtor que passa por uma mudança desta espécie pode alterar as condições para a operação de uma companhia, modificando suas decisões de investimento; e 3) o risco normal de qualquer atividade econômica. Os riscos são agravados pela necessidade de descobertas de novos campos o que é um “salto no escuro que afeta a estabilidade de

todas as subseqüentes fases (...) segmento algum da indústria permanece alheio ou intocado por esta caprichosa origem” (Frankel, in Contreras, 2003a, pág. 8).

Quanto aos custos de produção são de dois tipos: 1) os custos técnicos de produção, advindos da dos dispêndios envolvidos até a colocação do petróleo no mercado primário; e 2)

38 A despeito das atuais tecnologias disponíveis (3D, radares de abertura sintética, etc.) cerca de 85% dos poços perfurados estão secos e dos que possuem óleo apenas 15% se mostram viáveis economicamente.

os custos fiscais, advindos dos montantes despendidos no pagamento de royalties e outros encargos tributários e fiscais. São os custos técnicos de produção39 que tem importância decisiva na competitividade das companhias petrolíferas porque para um mesmo investimento pode haver significativas diferenças na produtividade dos poços40, sem a correspondência estrita do preço do barril do petróleo (que tem cotação constante) praticado nos mercados mundiais. Este diferencial é peculiar à indústria petrolífera e não se registra em nenhuma outra atividade de mineração (Contreras, 2003c).

Quando uma companhia decide iniciar a produção a alta relação investimentos/custos influência sua decisão de maximizar a extração de petróleo a fim de recuperar o capital investido, honrar os pagamentos de royalties nos prazos contratuais acordados e evitar que o petróleo seja drenado por um produtor vizinho. Entretanto, a decisão também implica na situação de “trancamento”, ou seja, a extração de petróleo será continua, definindo a inelasticidade do suprimento face às variações de curto prazo da demanda, afetando apenas as variações de longo prazo. Além disso, com o início da produção são obtidas as economias de escala porque existe uma razão média de 4 para 1 entre os custos fixos (os montantes do investimento comprometido para iniciar a produção dos campos) e os custos variáveis (nível de dispêndio operacional para sustentar a produção). Assim, o investimento fixo para iniciar a produção pode ser elevado, mas em compensação, conforme aumenta o volume de petróleo extraído, é menor o nível de dispêndio operacional requerido para sustentar a produção.

Quanto às rendas passíveis de apropriação por uma companhia temos as Rendas de

Posição, advindas da maior ou menor proximidade geográfica das reservas com relação aos

centros consumidores; as Rendas de Qualidade, advindas dos atributos comerciais (rentabilidade) das reservas; e as Rendas Tecnológicas, advindas dos diferentes estágios de tecnologia empregados pelos diversos produtores. (Contreras, 2003c). Um fato importante é que o upstream da IGN é uma atividade escopo da IMP como mostra o organograma:

39 Muitos fatores influenciam este tipo de custo: acessibilidade ao local de exploração, condições do terreno, condições climáticas, disponibilidade de mão-de-obra, distância do mercado consumidor, falhas e disponibilidade dos equipamentos, profundidade do reservatório, tipos de juros praticados para financiar o investimento, tipo de rocha a ser perfurada e assim por diante. Em média um poço de prospecção em terra custa US$ 5 milhões, mas na Amazônia, onde todo o equipamento tem que ser transportado de helicóptero, o mesmo poço custa US$ 10 milhões. No mar os custos sofrem um aumento drástico. Um poço na bacia de Campos em lâmina d'água acima de 1.500 m custa no mínimo US$ 15 milhões. Em média a fase exploratória exige até 10 poços, o que demanda investimentos entre US$ 50 e US$ 200 milhões. Dependendo da profundidade um poço pode levar meses para ser aberto (um poço de 3.000 m exige de exige 2 a 3 meses de trabalho ininterrupto). 8 anos são necessários para cumprir todas as estapas de exploração padrão de um poço (Contreras 2003).

40 A produtividade de um poço pode ter diferenças acentuadas, desde o máximo de 7.000 bpd no Oriente Médio até o mínimo de 13 bpd nos EUA. O custo de produção por barril também tem diferenças acentuadas, do máximo de US$ 25,00 no Mar do Norte até o mínimo de US$ 1,00 no Oriente Médio.

Pelo alto grau de incerteza, calcula-se que o upstream absorve cerca de 70% dos investimentos da indústria petrolífera, sendo normalmente autofinanciado (entre 70% a 80%) pelas companhias. Residiria na procura pelo diferencial de riscos, custos e rendas a explicação da grande competição entre as companhias e as disputa geopolítica entre países que se verificam desde os primórdios da indústria petrolífera (Contreras, 2003c).

Quadro 2.1.: Organograma da Indústria do Petróleo e do Gás Natural

Infra-Estrutura do Upstream

Campos de Exploração

Petróleo Gás Natural

Terminais Marítimos/Tanques Terminais Marítimos/Tanques

Refinarias Usinas de Separação

Combustíveis

Petroquímica

Geração de Energia Elétrica

Enxofre Elementar

Produção de Cimento

A segunda atividade é dita midstream e diz respeito ao armazenamento e a estrutura de transporte (aquaviário, dutoviário, ferroviário e rodoviário) de petróleo para as refinarias ou portos de embarque.

A terceira atividade é dita downstream e na verdade é subdividida em três atividades: o refino, distribuição e comercialização de derivados. O petróleo in natura tem pouquíssimas aplicações práticas por isto é necessário refiná-lo, ou seja, separar através de um complexo conjunto de reações físico-químicas os diferentes componentes que possuem valor de uso. Antes do refino o petróleo é submetido a tratamentos preliminares, a decantação (para separação de impurezas e água), dessalgação (para reduzir o teor de sal do petróleo), diluição (mistura de petróleos diferentes para ajustar características físico-químicas como viscosidade e fluidez) e outros tratamentos que eventualmente são necessários para adequar a qualidade do petróleo ao tipo específico de equipamento de refino. Durante o refino do petróleo é separada ampla gama de combustíveis, gases, lubrificantes e matérias-primas de acordo com especificações técnicas padronizadas (Contreras, 2003c).

Mais flexível que o upstream, a atividade de refino também exige altos investimentos, mas é mais compensatória por não apresentar os mesmos fatores de risco, custos e rendas de forma que as taxas de retorno estão dentro dos padrões normais dos empreendimentos densos em capital e tecnologia.

O refino, tal como foi originalmente concebido por John D. Rockefeller, tem a função estratégica de atuar como pivô na integração vertical da cadeia petrolífera devido a seis vantagens que não podem ser igualadas pelas outras atividades: 1) o refino, como atividade central da cadeia produtiva, permite concatenar a fase a jusante (upstream) com as fases a montante (distribuição e comercialização); 2) o refino permite ajustar as especificações do fluxo ininterrupto entre o petróleo produzido no upstream aos requerimentos técnicos padronizados do fluxo intermitente dos derivados exportados para o mercado mundial; 3) a planta de refino é passível de sofrer melhorias tecnológicas bem mais compensatórias em termos de custos/benefícios do que a atividade de upstream; 4) o refino individualmente permite que se obtenham economias de escala nos mesmos termos que outras atividades industriais; 5) o refino produz os subprodutos de maior valor agregado de toda a cadeia petrolífera; e 6) o refino fornece o maior leque de derivados e subprodutos de toda a cadeia petrolífera viabilizando a obtenção da economia de escopo, estreitando os vínculos entre a indústria petrolífera e outros ramos industriais dentre elas: a geração de energia termelétrica (óleos pesados) e a produção de cimento (uso da escória de óleos pesados, onde o gás natural

não entra diretamente no processo), ácido sulfúrico e enxofre (petróleos ricos em enxofre) (Contreras, 1994, 2003a, 2003b e 2003c).

Em razão destas vantagens mesmo países que não possuem produção significativa de petróleo procuram obter o controle do refino como forma de economizar divisas com a importação de derivados, diversificar o fornecimento, atenuar os males advindos de possíveis nacionalizações e assegurar o abastecimento de matérias-primas que entram nas cadeias produtivas de outras indústrias.

Afinal, temos a distribuição e comercialização nacional e internacional de derivados, que utiliza tecnologia bem menos sofisticada e envolve menores custos e fatores de riscos, reduzindo a necessidade de investimentos, fazendo com que a com as taxas de retornos sejam mais elevadas. Entretanto, estas atividades exigem um complexo planejamento logístico capaz de numa etapa preliminar armazenar derivados vindos diretamente das refinarias ou importados (neste caso o terminal recebe o nome de base primária) e/ou armazenar derivados provenientes de outras bases (neste caso o terminal recebe o nome de base secundária) e numa etapa posterior distribuir os derivados ao consumidor final.

Isoladamente as atividades: 1) demandam intensa gama de serviços; 2) demandam volumosos insumos das indústrias de base (aço, energia, química, etc.); 3) são intensivas em capital; 4) são tecnicamente independentes, o que permite a uma companhia petrolífera operar em uma, duas ou nas três atividades; 5) podem ser internacionalizadas; e 6) apresentam cinco espécies de rigidez: a concentração, principalmente das atividades de E&P em regiões detentoras das mais rentáveis (em termos de qualidade e quantidade) reservas de petróleo do mundo (Oriente Médio, Rússia e Venezuela); a rigidez de uso das instalações (bases de armazenagem e distribuição, dutos e plantas de refino) e equipamentos (exploração e transporte) que são altamente especializados e possuem custos unitários extremamente elevados, amortizáveis apenas ao longo do tempo, bem como utilidade quase nula afora dos fins aos quais de destinam; a morosidade do retorno dos investimentos, imobilizados por um tempo médio de 10 anos; a cultura empresarial sustentada em recursos humanos altamente especializados que combinam e recombinam os fatores e serviços produtivos num movimento incessante de crescimento das empresas; e rigidez da demanda de derivados, centrados no transporte veicular e nafta petroquímica (Suslick, 2003 e Contreras 2003b e 2003c).

As companhias petrolíferas procuram, tanto do ponto de vista técnico como econômico, minimizar os custos/riscos intrínsecos de cada atividade petrolífera e otimizar os lucros ao longo da produção. A melhor forma de fazê-lo, também como foi originalmente

concebida por John D. Rockefeller, é organizar a produção integrando verticalmente a cadeia petrolífera, normalmente complementando-a com a integração horizontal.

Quanto à integração vertical, permite uma companhia operar “do poço ao posto”, isto é, operar simultaneamente nas três atividades da cadeia produtiva petrolífera. Daí advém três vantagens, sendo a primeira a de possibilitar a que uma companhia realize o controle microeconômico completo da atividade produtiva articulando, estabilizando e flexibilizando a dispendiosa infra-estrutura de exploração e produção em conjunto com a complexa logística de refino, transporte, distribuição e comercialização, assegurando que as atividades estejam sempre interconectas e complementadas, mantendo o fluxo produtivo contínuo, desde a produção do petróleo até o escoamento de derivados (Contreras, 2003c).

A segunda vantagem é realizar o elevado potencial de acumulação da indústria petrolífera, ampliando os ganhos com a economia de escala para toda cadeia do petróleo e não somente de uma atividade.

A terceira vantagem é dissolver ao longo da cadeia petrolífera os custos e riscos inerentes de cada atividade de forma a obter um custo/risco médio, equilibrando os diferenciais de lucratividade de cada atividade (Contreras 1994 e 2003c).

Quanto à integração horizontal, ela propicia às companhias petrolíferas o acesso aos diferentes mercados para colocar sua produção, a ampliação das atividades e a operação em outros ramos industriais como a geração de energia termelétrica e indústria petroquímica.

A estrutura de mercado da IMP apresenta três características. A primeira é a existência de grandes barreiras de entrada e saída das empresas operadoras na indústria petrolífera. Por outro lado, a rigidez das tecnologias de uso configura significativas barreiras à saída dos consumidores, que são cativos do consumo de derivados de petróleo.

Em segundo, o mercado se estrutura mundialmente como um oligopólio (Contreras, 1994) resultante, por sua vez, de três fatores inibidores da concorrência: 1) as próprias barreiras à entrada e saída da indústria; 2) a composição orgânica da indústria petrolífera; e 3) o fato das companhias estabelecidas serem concorrentes poderosas, cientes da dupla natureza (combustível e matéria-prima) do petróleo que faz dele bem estratégico fundamental, incomparável e insubstituível.

Em terceiro temos o alcance global da indústria petrolífera, resultado dos aspectos geológicos, políticos e humanos cujo resultado mais evidente é que nem sempre (ou quase nunca) coincidem as principais jazidas produtoras com os países sedes das companhias e

mercados consumidores mais importantes. Em função disto, as atividades da cadeia vertical normalmente não completamente internacionalizadas (Contreras, 2003b e 2003c).