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2. CARACTERÍSTICAS DO SETOR DE HIDROCARBONETOS

2.1. O Setor de Infra-Estrutura

2.1.2. Características do Setor de Infra-Estrutura

Do ponto de vista estrutural qualquer indústria do setor de infra-estrutura é uma indústria de rede, assim denominada por ser configurada em cadeia (também chamada de cadeia produtiva). Por sua vez, a cadeia produtiva é composta por atividades (ou segmentos), cuja estrita complementaridade estabelece, mais por razões de ordem tecnológica do que econômica, graus de interdependência bem mais elevados do que aqueles existentes em outros tipos de indústria (Szlko, Mathias & Oliveira, 2003).

A cada atividade corresponde um ativo específico que: 1) é distinto e independente, mas se articula e se complementa com outro ativo, de forma a manter uma seqüência consecutiva nas etapas produtivas desde o fornecimento dos insumos e matérias-primas, passando pelas etapas de armazenamento, planejamento, produção, transporte até a comercialização do produto final; e 2) é indivisível. Rodovias sem pontes, pontes sem ferrovias, centrais telefônicas sobrecarregadas ou gasodutos que terminam na beira do rio são indicações claras de que os ativos de infra-estrutura não podem ser fracionados, devendo ser construídos como um todo caso contrário tornam-se um simples desperdício de recursos.

Por sua vez, a especificidade dos ativos faz com que o setor de infra-estrutura tenha uma peculiar estrutura de custos. Normalmente são demandados aportes significativos de capitais iniciais, invertidos em ativos de altíssimo custo unitário, altamente especializados e que não apresentam qualquer utilidade fora das atividades às quais se destinam. Além disso, a utilidade de cada equipamento está irremediavelmente ligada à sua correta inserção na cadeia produtiva, porque o processo produtivo pode ser inviabilizado pela falha de um destes equipamentos e interrupção do fluxo, por qualquer motivo, provavelmente acarreta danos irreparáveis tanto para o produtor quanto para os consumidores.

Estes ativos normalmente também apresentam restrições advindas do “trancamento tecnológico”13 (ou “trancamento”), ou seja, o "primeiro a instalar e operar" os ativos adquirirá uma experiência que se refletirá, depois de algum tempo, em vantagem de custo dificilmente superado por outra empresa, particularmente quando se tratar de uma série de diferentes atividades especializadas e conectadas, nas quais o aprendizado do conjunto gera rendimentos crescentes. No caso dos clientes, principalmente os industriais, a aquisição de equipamentos adequados ao novo fornecimento resultarão na adaptação dos procedimentos e o layout da fábrica, no aprofundamento dos conhecimentos dos técnicos e na fixação de novas rotinas de trabalho. Ao fim deste longo aprendizado teremos duas conseqüências: uma redução sensível nos custos e o alto grau de irreversibilidade das opções iniciais o que pode condenar toda a economia de um país ou de uma região a uma única trajetória.

Ademais, por serem mercadorias de utilidade pública, as instalações de infra-estrutura devem ser capazes de responder às fortes oscilações da demanda (que podem ser cíclicas e sazonais e mesmo imprevisíveis) e ao crescimento sustentado e de longo prazo desta mesma demanda. Em conseqüência, a construção de tais instalações não pode ser parcelada, são superdimensionadas, passíveis de fácil ampliação e ter sua oferta expandida em etapas bem definidas e escalonadas no tempo. Se não forem capazes de atender à expansão da demanda convenientemente, os ativos de infra-estrutura se transformam rapidamente em gargalos de estrangulamento, que inviabilizam em definitivo a continuidade do desenvolvimento. Esta estrutura de custos implica também no fato de que um investimento no setor de infra-estrutura normalmente demanda um prazo de maturação bastante elevado.

A cadeia produtiva e as especificidades dos ativos condicionam o comportamento interno e externo das companhias. No plano interno determina à forma de organização das companhias e esta, por sua vez, determina os tipos de ganhos econômicos. No plano externo determina à configuração do mercado.

13 Considera-se que ocorre o “trancamento” quando o fornecedor da infra-estrutura e o utilizador adquirem os equipamentos e a experiência que determinam um ponto de não retorno, em função da natureza específica dos investimentos, dos custos da mudança e dos benefícios já acumulados. A partir do conceito de "trancamento" pode-se entender porque uma empresa de petróleo, que desde o início baseia integralmente seu crescimento na instalação da infra-estrutura de produção, transporte, refino e distribuição de petróleo, pode passar décadas queimando o gás natural associado ao petróleo. Explica-se também porque é tão difícil e lenta a penetração do gás natural no consumo industrial de pequeno porte ou nas residências. Por maiores que sejam as vantagens de sua utilização, os custos e as resistências à mudança em razão da experiência adquirida, tanto do fornecedor, quanto do consumidor, são tais que a mudança de infra-estrutura não se fará espontaneamente (Cecchi, op. cit.).

No plano interno a forma de organização típica das firmas do setor de infra-estrutura é a integração vertical14 e a integração horizontal15 da cadeia produtiva, que asseguram a manutenção do fluxo produtivo, a diluição dos custos dos ativos ao longo da cadeia e do processo produtivo e a expansão do mercado à medida que cresce a produção. Esta organização resulta em ganhos econômicos pela geração da economia de escala16, economia de escopo17, economia de aprendizagem18, economia externa19 e economia interna20.

No plano externo, a cadeia produtiva e as especificidades dos ativos determinam peculiar estrutura de mercado das indústrias de infra-estrutura, porque atuam em dois sentidos que se reforçam. De um lado implicam na existência de elevadas “barreiras de entrada” para os novos concorrentes e elevadas “barreiras de saída” para os concorrentes já estabelecidos. De outro implica na existência do chamado “monopólio natural”.

Alfred Marshall observou que, submetidos à concorrência, os produtores seriam obrigados a produzir de acordo com a combinação ótima de fatores e a vender a um preço exatamente igual ao custo marginal. Assim, beneficiar-se-iam não só os consumidores, que

14 Conforme Sandroni (1996) a integração vertical ocorre quando a firma procura absorver em sua microestrutura todas as etapas da cadeia, de forma a assegurar uma coordenação ótima entre os ativos especializados e evitar qualquer risco de ruptura do fornecimento.

15 Conforme Sandroni (1996) a integração horizontal ocorre em dois casos: 1) quando ocorre a fusão dos ativos de duas ou mais empresas que operam no mesmo estágio e com os mesmos produtos, possibilitando-a operar em mais de um mercado, obter mais poder econômico, operar com um sistema mais amplo de revendedores e diminuir a concorrência, conquistando maiores faixas de mercado; e 2) quando duas ou mais empresas utilizam a mesma matéria-prima, embora não fabriquem o mesmo produto.

16 Considera-se que são obtidas economias de escala quando os custos fixos da oferta de um único produto são altos e seus custos marginais decrescem ao longo de toda curva de demanda. Quanto maior é o custo da instalação industrial, maior é seu custo fixo, em contrapartida menor será o custo marginal de produção, ou seja, o custo adicional de fornecimento de mais uma unidade do produto.

17 Considera-se que são obtidas economias de escopo quando o custo total de uma firma em produzir conjuntamente pelo menos dois produtos/serviços é menor do que o custo de duas ou mais firmas produzirem separadamente estes mesmos produtos/serviços, dados os mesmos insumos.

18 Considera-se que são obtidas economias de aprendizagem em casos que quanto maior a experiência de produção acumulada no tempo (e não a quantidade produzida), menor o custo de fornecimento da próxima unidade. A explicação está nos aspectos tácitos (não codificados e assim dificilmente transmissíveis) da atividade, que permitem a otimização de cadeias e redes de produção complexas e que somente podem ser apreendidos com o tempo.

O aprendizado ocorre também do lado da demanda. Na medida em que o consumidor começa a adquirir a mercadoria, gradativamente ele vai adaptando seus processos de produção ou de compra de maneira que, com o tempo, ele adquire um patamar de otimização ou de satisfação bem superior ao anterior. 19 Ou “externalidades". Alfred Marshall observou que os ativos fixos dos serviços de infra-estrutura produziam

efeitos derivados da produção de uma mercadoria não considerados na função de produção da empresa que os gerou. Por exemplo, a instalação da infra-estrutura de distribuição urbana de eletricidade permite a comercialização imediata de produtos para iluminação; estes são seus benefícios diretos. Mas, ela também permite ao comércio permanecer aberto durante um maior tempo, fato que incrementa os negócios e o emprego; este é um benefício indireto. As externalidades explicam porque os investimentos em infra-estrutura são vetores de modernização e industrialização.

20 Considera-se que são obtidas economias internas quando uma firma cria a infra-estrutura necessária à sua expansão e à redução de seu custo unitário de produção. Um exemplo é a empresa que constrói sua própria estrada de ferro para escoar sua produção.

estariam comprando ao menor preço possível, mas também a sociedade como um todo, uma vez que a alocação ótima de recursos na produção estaria assegurada. Porém, Marshall observou que a exceção a esta lei residia no setor de infra-estrutura onde o tamanho ótimo da produção por uma companhia seria suficientemente grande para atender todo o mercado, enquanto a demanda seria pequena o bastante para ser totalmente coberta por apenas uma companhia. Em resultado, a escala mínima de eficiência da companhia seria no mínimo igual à totalidade do mercado, o que produzia não apenas rendimentos de escala inicialmente crescentes, mas que também jamais decresceriam. Assim, teríamos uma situação de “monopólio natural” porque o mercado não comportaria mais de uma companhia operando com economias de escala e escopo eficientes.

Desta forma, a existência de altas “barreiras de entrada” e “barreiras de saída” reforçariam ainda mais a tendência ao monopólio, o que já seria uma tendência natural dos setores de infra-estrutura, enquanto tendência intrínseca para o “monopólio natural” reforçaria ainda mais o aparecimento de altas “barreiras de entrada” e “barreiras de saída”. Por esta razão o mercado do setor de infra-estrutura se apresenta como monopólio ou, o que ocorre mais normalmente, como oligopólio.

Nas últimas décadas do século XX, a ortodoxia do pensamento econômico incorporou estas (e outras) dificuldades observadas em alguns setores produtivos, sob o conceito de “falhas de mercado” porque a configuração particular do setor de infra-estrutura impede que a “mão invisível”21 estabeleça o preço correto dos bens ou serviços oferecidos.