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5. Resultados e Discussões

5.5 As relações entre pares e a atividade da venda

Uma questão evidenciada nas falas de todos os participantes, e que merece destaque na presente análise é a forma como os vendedores se relacionam entre si e como percebem essa relação – a dimensão interpessoal da atividade (Clot, 2014) – compreendendo também como essas percepções influenciam em seu ofício.

Como vimos, os vendedores são pressionados por resultados denominados metas, as quais representam quantitativamente o desempenho de cada um deles, tal como a imagem, que foi capturada pelo participante P2, demonstra abaixo:

Figura 8. Imagem capturada pela participante P2 para representar seu trabalho.

A imagem representa, para o participante, um momento crucial, que é a reunião de acompanhamento que ocorre periodicamente entre vendedores e gestão, em que ocorre uma exposição dos resultados da equipe, de modo geral, bem como de cada participante, individualmente. Na reunião, há como uma prestação de contas individual, em que os vendedores apresentam seus resultados, justificando sobre como chegaram até eles, ou o que precisa ser feito para alcança-los, caso isso não tenha sido obtido ainda. Mesmo após a reunião, o quadro fica exposto na sala em que os vendedores trabalham, lembrando a eles constantemente sobre o que precisa ser feito e como eles estão diante dos colegas, sugerindo uma comparação entre os resultados de todos, como se existisse um ranking. Sobre como se sente com relação a esse ranking, o participante P2 colocou:

E, tipo, você tá numa equipe que outras pessoas vendem, e quando você não vende, você diz “Meu irmão, tem alguma coisa comigo...(...) com relação aos colegas de trabalho é o seguinte: existe uma parte negativa das vendas que é a questão de

inveja. (...) porque no meio de vendas sempre tem alguém que não vai torcer pela sua vitória ou pela sua venda. (Transcrição de entrevista de P2, p. 3).

Os demais participantes também se referiram a essa suposta inveja, competição, como um sentimento negativo que os distancia, colocando-os em posições opostas, como se estivessem que buscar seus resultados individuais a todo custo. Nessa perspectiva, não haveria expectativa de compartilhamento de experiências ou suporte entre si, o que seria esperado em um trabalho em equipe, considerando que todos contribuem numericamente para um resultado geral, que representa o que a organização espera desse grupo. É como se houvesse, assim, uma espécie de segregação entre eles. Assim, sobre esse distanciamento entre pares, a participante P1 também afirmou o seguinte:

Participante: “É porque tem vendedor que é um ninho de cobra, ali... tem vendedor

que queima, que tem inveja... (...) A única coisa que me incomoda lá não é a empresa, é certos vendedores... (...) porque eu acho que, tipo, tem inveja... não consegue o objetivo deles e fica querendo, pronto, na minha equipe mesmo eu vejo... eu entrei e faço meu trabalho, né? Só que tudo que eu fazia de bom eu dizia ao meu supervisor, aí o que ele fazia? Quando era em reunião, ele dizia a todo mundo, entendeu? Aí virou uma prática de todo mundo, coisas que só eu fazia... (...)

Pesquisadora: Mas quando você dizia o que fazia de bom ao seu supervisor, você

não estava querendo compartilhar?

Participante: Mas cada um é cada um, eu vendo por indicação, pô... e tem outros

que não vendem por indicação.

Pesquisadora: E como você lida com essas situações de competição entre colegas

que te incomodam?

Participante: eu não fico lá, perto... a gente tem uma salinha e quando eu vejo que

tá esse tipo de pessoa, eu não vou pra essa salinha... eu faço o meu trabalho só... (p. 6, áudio 1, transcrição de entrevista de P1).

Assim, a participante P1 deixou claro em seu discurso que há, para si, uma comparação entre os resultados dos vendedores e que há muitos que o fazem de forma negativa, quando cita que é como um “ninho de cobras”, o que vai gerando uma insatisfação com seus próprios resultados e mal-estar com o colega que vende bem, quando cita a inveja. Ela se sente alvo dessa inveja, segundo sua fala, pois, a partir de sua perspectiva, faz sua parte bem, cumprindo com seus compromissos. Essa comparação negativa – competição – entre

vendedores, pode gerar um clima de hostilidade entre eles, distanciando-os ainda mais, mesmo quando o objetivo poderia ser construtivo, como um compartilhamento de boas práticas na área de vendas, por exemplo, o que poderia ajudar a todos. No caso em que citou, a participante demonstrou insatisfação pelo fato de seu supervisor ter comunicado suas estratégias de vendas com toda a equipe, pois elas se tornaram práticas de todos – o que o tornam potencialmente mais competitivos, certamente. A participante P1, assim, demonstrou mal-estar com relação a seus pares e necessidade de distanciamento, pois diz que trabalha sozinha, sustentando esse posicionamento. Seria essa busca de solidão em sua atividade uma alternativa para se proteger dessa competitividade negativa, que parece ameaçá-la? Uma forma de guardar para si a forma como age em busca de bons resultados, como uma forma de se preservar e manter seu emprego?

Já vimos que a organização deixa claras suas prescrições a esses vendedores e eles são monitorados por elas a todo o tempo, correndo o risco de perderem seus lugares, caso não consigam obtê-las. Então, como é, para esses vendedores, perceber que há uma competição entre seus próprios pares e, ao final do mês, saberão quem são os melhores a partir dos números que alcançaram? E quem não conseguir estar nos melhores postos? Com o tempo, sabem que, certamente, serão eliminados. Por isso, parece que o sentimento de antagonismo vai amplificando-se nesse contexto. Sobre essa competição como característica presente na dimensão interpessoal da atividade entre pares no contexto de vendas, os participantes a seguir explicitam, colocando também como se sentem em relação a elas:

Aqui existe muita conversa... de falar „eu sou melhor que não sei quem...‟ não deixa de ser competição, porque ninguém quer vender menos que ninguém, né? Ninguém quer... eu, por mim, não quero vender menos que ninguém. Eu vou dar meu máximo, mas eu também não vou passar por cima de ninguém, entendeu? Tem pessoas aqui que faz isso, né? Infelizmente... (, transcrição de entrevista de P6, p. 8).

Na verdade, assim, lógico que cada um tem o seu... sua meta, né? Ela tem que ser sadia. Ela não pode ser uma concorrência que prejudique o amigo, né? Mas, infelizmente, existem pessoas que não tão nem aí pra nada, querem saber do seu e os outros... que se ferrem, não tá nem aí! (...) Eu já tive duas fases assim. Hoje, lá, somos seis, mas tive uma época que eram vinte e um. Aí daí você tira como era a loucura. Aí tinha briga, era briga mesmo! De águia, como diz. (, transcrição de entrevista de P7, p. 5).

Na empresa, hoje, eu não vejo muito isso, eu vejo pessoas que querem atingir seu objetivo, ganhar o valor que dê pra sobreviver, não só sobreviver, mas ter um lazer, alguma coisa, sobrar alguma coisa, que a gente não vive só de trabalho pra pagar conta, a gente também tem que ter o lazer, o extra, né? Mas, na outra empresa tinha muito isso, de competitividade, de tomar a venda do outro, esse coleguismo que eu tenho hoje eu não tinha na outra empresa. (, transcrição de entrevista de P8, p. 8).

Aqui é uma selva. Eu, assim, tentei, quebrei um pouco a cara... fui taxada de „ah, a máscara vai cair... gente boazinha assim não...‟ E fiquei triste, depois eu me reergui sozinha... (...) Aprendi a conviver, não elimino mais, nem causo ranço, fico chateada, aprendi a conviver. Porque eu sei que não consigo mudar a cabeça das pessoas, consigo mudar a minha. (de entrevista de P3, p. 5).

Pode dizer o que quiser, não brigo com ninguém, as pessoas falam, só faço dar sorriso. Que cê sabe, isso encontra em todo lugar. Sempre vai ter alguém pra querer tirar o seu sorriso do rosto. Isso tá em você. Se você quiser perder seu sorriso... e faço o contrário, dou o que tenho, dou o meu melhor. (, transcrição de entrevista de P4, p. 13).

Os participantes, assim, parecem reconhecer que há, de modo geral, uma característica de competitividade entre vendedores, com frequência, nesse contexto comercial. Embora nem todos vivenciem, atualmente, esse tipo de situação, demonstram já ter passado por isso em algum momento, como uma questão que está presente costumeiramente nesse cenário. Há aqueles que, diante dessa hostilidade entre colegas de trabalho, se isolam, buscando fazer “o seu”, deixando de partilhar informações, resultados, práticas, por falta de confiança e parceria. Por outro lado, também há quem empreenda atitudes positivas, mesmo que não receba o mesmo em troca, por acreditar que é necessário buscar se relacionar bem com seus colegas, fazendo o seu melhor também nesse sentido, mas fazendo o “seu”. Apenas a participante 8 se referiu a um “coleguismo” que vivencia hoje em sua experiência profissional, ainda que

reconheça que houve fases difíceis com relação a essa competitividade em outros momentos de sua vida empresa anterior também na venda de veículos.

Desse modo, se as relações entre vendedores costumam ser tensas, marcadas por competividade na maioria das vezes, falta de parceria, confiança, dificuldade de compartilhar informações, ausência de estratégias de apoio, como podemos compreender a relação da atividade desses profissionais com o seu gênero profissional? É importante, assim, que retomemos esse conceito de gênero, para nos aprofundarmos nessa análise, a partir dos dados que foram apresentados na pesquisa, até esse momento.