• Nenhum resultado encontrado

4. Método

4.2 Procedimentos, estratégias e objetivos por entrevista;

4.2.1 Entrevistas Semiestruturadas Autobiográficas

O conteúdo empírico dessa fase da presente pesquisa foi elaborado a partir do registro em áudio de todas as falas dos participantes, que também foram transcritas, a partir do conhecimento e autorização dos mesmos para tal. O procedimento se deu por meio do desenvolvimento de uma entrevista semiestruturada individual (Fraser & Gondim, 2004), conduzida através do diálogo empreendido entre a pesquisadora e participante, com duração média de uma hora cada uma.

O momento de realização das entrevistas semiestruturadas autobiográficas foi baseado na expectativa de conhecer a história de vida profissional de cada participante, contextualizando-a, e promoveu uma aproximação inicial com cada um deles através da escuta e diálogo, que foram os recursos para acessar esse caminho profissional. Assim, ao buscar conhecer essa trajetória, foi possível compreender vários elementos sobre o ofício em questão, tais como: as questões de formação e educação, como se deu a escolha pela profissão, a inserção do mercado de trabalho, assim como o desenrolar de sua trajetória em vendas. Ao se reportarem ao percurso profissional que empreenderam e à medida que falavam sobre suas experiências, os vendedores puderam trazer um maior aprofundamento sobre sua atividade, revelando também seus impedimentos, contradições e a percepção de trabalho bem feito a partir de seu próprio referencial. Logo, a partir da construção de um diálogo que

abordou os aspectos supracitados, foi possível acessar informações sobre a atividade de trabalho do vendedor e como ele se se relaciona com a mesma, tal como será apresentado mais tarde, na análise de dados.

Outro aspecto interessante foi estimulado pela pesquisadora junto a cada participante, ao passo que eles iam relatando sobre suas experiências, como se relacionam com sua atividade e com demais vendedores. Esse se refere justamente a como cada profissional se sente com relação à sua atividade, provocando o início de um despertar para a reflexão sobre a mesma, evocando os sentidos que atribuem a ela. Durante a entrevista, ou mesmo ao final, cada participante foi questionado sobre como foi participar da experiência até aquele momento, e também sobre como se sentiu nesse lugar. Essa reflexão foi bastante relevante para que eles iniciassem um processo de autopercepção, necessário ao desenvolvimento das etapas posteriores, que serão apresentadas mais adiante.

4.2.2 Técnica da Instrução ao Sósia

Antes de apresentar como se deu a aplicação da técnica da Instrução ao Sósia na presente pesquisa, incluindo suas etapas e objetivos, convém explaná-la brevemente, conceituando-a e demonstrando o seu funcionamento, para a melhor compreensão do leitor. Importante salientar, desde já, que as entrevistas de instrução ao sósia foram também gravadas e transcritas, tendo havido dois encontros por participante.

Para Batista e Rabelo (2013), a Técnica da Instrução ao Sósia consiste em um método de auto confrontação que permite a reflexão do trabalhador sobre a análise de sua atividade – a qual é escolhida pelo próprio trabalhador e costuma representar sua queixa ou demanda. Essa Técnica foi desenvolvida pelo psicólogo italiano Ivar Oddone, na década de 70, com operários da Fiat, localizada em Turim, na Itália, e vem sendo aprimorada ao longo dos anos por Clot e seus colaboradores no contexto da Clínica da Atividade.

A partir disso, é relevante considerar o conceito de atividade para a Clínica da Atividade, que compreende a dimensão da atividade realizada e do real da atividade. Isso significa que atividade é não somente o que foi realizado e é perceptível, como também aquilo o que não é. Por isso, esse método possui dois aspectos que lhe são inerentes: deixar vir à tona, tornar explícito um mundo de elementos implícitos, além de desnaturalizar a atividade do sujeito, para que ele possa se abrir às possibilidades de percepção e transformação de suas experiências laborais (Brandão, 2009).

Dessa forma, encontrar o real da atividade consiste, então, em proceder de maneira indireta. Então, torna-se necessário “provocar” o desenvolvimento para poder compreendê-lo. Com isso, como destaca Roger (2013, p. 113), “essa metodologia cria processos que permitem, dentro de um contexto regulado, fazer emergir uma nova atividade que, de uma maneira ou de outra, retomará e fará surgirem os conflitos técnicos, sociais ou pessoais do real da atividade e as soluções que são apresentadas”. É como se a ação/intervenção realizada pelo pesquisador, por exemplo, pudesse desencadear recursos para o desenvolvimento de uma outra atividade, num fluxo sistemático alimentado pela ação e reflexão do sujeito a partir de sua experiência advinda dessa relação.

A instrução ao sósia, segundo Clot (2006) é considerado um modelo que permite acessar a atividade de trabalho de maneira simples, especialmente no que toca à logística de Aplicação. Isso porque funciona da seguinte maneira: o sósia (pesquisador) solicita ao sujeito participante que guie a sua ação, sugerindo que é seu sósia e o substituirá em seu local de trabalho por um dia. No entanto, ele deverá fazer essa substituição sem que ninguém no ambiente de trabalho perceba que não é a mesma pessoa (Clot, 2006). Assim sendo, que instruções o sósia (pesquisador) deve receber do participante da pesquisa (vendedor) para cumprir essa missão?

Frente a essa proposta, o sujeito da pesquisa deve se colocar no lugar do instrutor, ajudando o seu sósia “a se orientar em uma situação que ele não conhece, ao lhe indicar não só o que faz habitualmente, mas também aquilo que não faz nessa situação, aquilo que deveria, sobretudo, não fazer ao substituí-lo, aquilo que ele poderia fazer, mas que não se faz etc.” (Clot, 2006, p. 146). Nesse sentido, as solicitações de orientação precisa do sósia objetivam conduzir o indivíduo a ser o mais claro possível e explicitar os detalhes de suas ações.

Além disso, segundo Batista e Rabelo (2013), é preciso que o sósia quebre o fluxo contínuo da atividade que está sendo demonstrada pelo sujeito, uma vez que ele não percebe a atividade da mesma maneira que o instrutor. Assim, é nessas lacunas que se criam os espaços para a reflexão do sujeito sobre sua atividade. Com isso, segundo as autoras, “instaura-se uma troca discursiva que será recuperada como objeto de elaboração em um momento subsequente. Essa situação dialógica deve ser orientada de forma que o sósia faça o trabalhador revelar os subentendidos e os implícitos que sua atividade comporta” (Batista & Rabelo, p. 5).

Brandão (2009), por sua vez, salienta que à medida que o sujeito é observado por outro – o pesquisador – já realiza a sua atividade de maneira diferente da usual. Dessa forma, a simples presença de um observador é suficiente para que o participante da pesquisa execute sua função de maneira distinta, pondo-se a observar o trabalho que realiza, ao invés de meramente executá-lo.

Assim, foi realizada uma primeira entrevista, em que o participante foi convidado a eleger uma atividade ou situação de seu contexto laboral que considere desafiadora, que represente uma situação problemática, descrevendo-a minuciosamente ao pesquisador. O objetivo de aplicação dessa técnica foi de acessar não somente a atividade de trabalho escolhida pelo profissional, como também o real da atividade, em que podem surgir elementos

que se refiram ao poder de agir, ao trabalho bem-feito ou sua impossibilidade, às estilizações, contradições, impedimentos e assim por diante.

4.2.3 – Captura de Imagens

Finalizada a primeira entrevista da Técnica da Instrução ao Sósia, foi solicitado ao participante que capturasse imagens que representassem momentos cruciais de seu processo de trabalho, que fossem importantes e significativos para ele, por algum motivo. Essa fase da pesquisa foi justificada pela necessidade de conhecer e realizar observações da própria realidade de trabalho do participante, que se torna inviável na prática, tendo em vista a dificuldade de adentrar nas concessionárias para observar a atividade dos vendedores enquanto pesquisadora, com esse fim, conforme explanado anteriormente.

Para além desse objetivo, a estratégia de utilizar a captura de imagens como recurso disparador ao diálogo interior que o vendedor elaborou ao produzir essa etapa da pesquisa foi inspirada nas pesquisas com Oficinas de Fotos realizadas por C. Silva (2014), em que a autora percebeu como o ato de fotografar imagens pode trazer diversas possibilidades de escolhas de cenários, que fazem sentido para aquele que realiza essa atividade, propriamente. A imagem que escolheu e a que não escolheu trazem, para além da caracterização dos contextos de trabalho, um sentido e particular elaboração para o participante da pesquisa, o que é de suma importância para o processo de análise e compreensão de sua atividade propostos nessa pesquisa.

Após a etapa de captura de imagens, o participante retornou a um segundo encontro com o pesquisador, que elegeu determinadas fotografias junto ao vendedor. Esse foi estimulado a discorrer sobre a motivação pela escolha dos cenários específicos, bem como pelo simbolismo de cada imagem, ou seja, o que cada uma delas representa e como

caracterizam sua atividade de trabalho, facilitando e promovendo a reflexão sobre possíveis dificuldades, desafios, estratégias e outras possíveis questões do ambiente de trabalho.

A atividade de acesso e discussão acerca dessas imagens capturadas foi disparadora da análise da atividade do vendedor e sua reflexão sobre a mesma. Após isso, o pesquisador compartilhou a gravação da primeira entrevista da Instrução ao Sósia com o participante, sugerindo ao mesmo que ouvisse atentamente ao áudio e fazendo possíveis intervenções em momentos cruciais da atividade, permitindo ao vendedor a reflexão, análise e possível reelaboração acerca da mesma, de acordo com os aspectos que forem expostos nesse momento. Desse modo, a reunião das imagens do processo de trabalho do vendedor, associadas ao áudio da entrevista de Instrução ao Sósia, estimularam um processo de coanálise entre pesquisador e participante, convidando esse último a se inclinar sobre sua atividade, sobre o que verbalizou, sobre suas reflexões e elaborações acerca do que expressou, possibilitando a compreensão de sua atividade de trabalho e ampliação da potência de ação sobre ela a partir disso.