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Os dilemas do vendedor: compreendendo as flutuações entre o prazer e sofrimento a partir da análise clínica da atividade

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Academic year: 2021

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

OS DILEMAS DO VENDEDOR: COMPREENDENDO AS FLUTUAÇÕES ENTRE O PRAZER E SOFRIMENTO A PARTIR DA ANÁLISE CLÍNICA DA ATIVIDADE

Marília Alanna Bezerra Lino

Natal 2019

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OS DILEMAS DO VENDEDOR: COMPREENDENDO AS FLUTUAÇÕES ENTRE O PRAZER E SOFRIMENTO A PARTIR DA ANÁLISE CLÍNICA DA ATIVIDADE

Dissertação elaborada sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Fernando Bendassolli e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial à obtenção do título de Mestra em Psicologia.

Natal 2019

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Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A dissertação Os dilemas do vendedor: compreendendo as flutuações entre o prazer e sofrimento a partir da análise clínica da atividade, elaborada por Marília Alanna Bezerra Lino, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial para obtenção de título de MESTRA EM PSICOLOGIA.

Natal, 27 de agosto de 2019.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Pedro Fernando Bendassolli (orientador, UFRN) _____________________ _____ Prof. Dr. Jorge Tarcísio da Rocha Falcão (UFRN) __________________________ ________ Prof. Dra. Alda Karoline Lima da Silva (UnP) ________ __________________________

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“Smile, though your heart is aching Smile, even though it's breaking When there are clouds in the sky You'll get by...

If you smile With your fear and sorrow Smile and maybe tomorrow You'll see the sun come shining through, for you

Light, up your face with gladness Hide, every trace of sadness Although a tear may be ever so near That's the time you must keep on trying Smile, what's the use of crying? You'll find that life is still worthwhile If you'll just smile

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À luz divina, que me encorajou, iluminou e orientou os caminhos desde o início dessa empreitada, quando tomei a decisão de traçar um novo rumo profissional pela área da educação, ao iniciar o mestrado. Foram quase dois anos para amadurecer a ideia e elaborar o projeto, tempo em que também pude me preparar para tomar a decisão de sair do lugar em que eu me encontrava – acumulei dez anos de experiência na área da psicologia organizacional – para buscar outro que fizesse mais sentido em minha vida. Sendo movida pelo entusiasmo e envolvimento em tudo o que faço, era preciso mudar as coisas. E assim foi. Obrigada, Senhor, por cuidar de mim e ter aberto as portas que eu precisava no momento certo.

À minha mãe, Joselita Bezerra, pelo exemplo da educação, pois é professora aposentada e me trouxe sempre a referência do trabalho, da dedicação, da coragem, da iniciativa e disciplina em sua história de vida. Sua história está em mim e me faz acreditar que podemos alcançar aquilo a que nos dispusermos, desde que estejamos dispostos a lutar. Minha mãe me deu toda a força no sentido de seguir esse novo caminho e me inspirou diariamente na construção dele. Então, os frutos do meu trabalho serão sempre nossos.

À minha irmã, Marina, aos meus sobrinhos, Letícia, Benício e à minha tia Ângela, pelo carinho e presença alegre, peça força dessa companhia nos momentos mais árduos da vida, trazendo leveza a ela. Aos meus avós, Angelita e Luiz Bezerra – in memoriam – que trouxeram as raízes fortes que nos fazem destemidos e determinados quando queremos algo de verdade.

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da escolha feita. Foi por acreditar no sonho de poder ser feliz novamente no trabalho que pude ter a coragem de arriscar e decidir perder a solidez da carreira que já havia construído para voltar a ser estudante e recomeçar tudo, do zero. Do zero, tudo pode renascer. E renasceu com arte.

Aos meus amigos, com quem aprendo sempre sobre a vida e as relações, em conversas, carinho e companhia. É muito bom poder tê-los, ainda que não nos encontremos com tanta frequência, ainda mais quando estamos em um trabalho solitário como é a escrita e dedicação que uma pesquisa demanda. É muito bom ter esses parceiros na vida.

Agradeço também a cada organização em que atuei ao longo desses dez anos de experiência, a cada trabalhador que conheci, a cada relato que pude ouvir e começar a refletir sobre a minha prática profissional enquanto psicóloga. Essas vivências me proporcionaram a aprendizagem e amadurecimento, bem como o desenvolvimento e ampliação da minha consciência acerca da minha atividade de trabalho. As relações com esses outros me fazem quem sou hoje.

Aos meus alunos, com quem aprendo diariamente em minha prática profissional. A relação com eles me possibilita facilitar seu desenvolvimento e formação na área da Psicologia, o que é grandioso, cheio de sentido para mim. Então, o sentido que buscava, encontrei junto a eles.

Ao Professor Pedro Bendassolli, por ter aceitado o desafio de me orientar nessa pesquisa, sendo fundamental na orientação e desenvolvimento dela. Por ter lido meu texto, pelas discussões nas reuniões e disciplina, pelas ideias compartilhadas, pelas reflexões promovidas. A ele, minha profunda admiração e carinho.

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Aos vendedores participantes da pesquisa, que aceitaram ser coanalistas, promovendo tantas possibilidades de ressignificação a partir da análise empreendida.

A todos aqueles que acreditam que o trabalho pode promover saúde na vida das pessoas, e que a Psicologia do Trabalho pode fazer ainda mais por isso nos contextos em que ela atua, funcionando também como lugar de resistência do trabalhador!

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Resumo ... x

Abstract ... xi

1. Introdução ... 12

2. A Atividade da Venda ... 16

3. Pressupostos Teóricos da Clínica da Atividade ... 23

3.1 As Dimensões da Atividade e o Gênero Profissional ... 31

4. Método ... 40

4.1 Contexto de produção do conteúdo empírico, participantes e procedimentos ... 41

4.2 Procedimentos, estratégias e objetivos por entrevista; ... 45

4.3 Procedimento de Análise de Dados ... 50

4.4 Aspectos Éticos... 51

5. Resultados e Discussões ... 53

5.1 Breve Caracterização dos Participantes ... 54

5.2 A Atividade Prescrita da Venda ... 57

5.3 A Atividade Realizada, Contradições e Impedimentos ... 70

5.4 Trabalho Bem-feito... 93

5.5 As relações entre pares e a atividade da venda ... 98

5.6 A Atividade da Venda a partir do Gênero Profissional ... 103

5.7 Poder de Agir e Clínica da Atividade em Vendas ... 107

6. Conclusões ... 117

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Resumo

Diante dos impactos ao longo das transformações no mundo do trabalho, decorrentes de um cenário político, econômico e sociocultural em constante transformação e, em particular, da atividade do vendedor de automóveis, peças e serviços - um dos segmentos mais afetados pós crise político-econômica iniciada em 2015 - estabelece-se enquanto objetivo deste estudo compreender a atividade desse vendedor, investigando sua relação com a mesma e com o seu gênero profissional. Para compreender os dilemas e paradoxos incluídos na atividade, este projeto tomará como referência os operadores teóricos da Clínica da Atividade, levando-se em conta a concepção de sujeito presente na abordagem histórico-cultural. A pesquisa de característica qualitativa, contou com a participação de oito vendedores da área especificada. Foram realizadas entrevistas individuais semiestruturadas com itens que investigam a atividade de trabalho, a trajetória profissional, a percepção de trabalho bem-feito para os próprios vendedores e a forma de lidar com os impedimentos e contradições dessa atividade. Posteriormente, aplicou-se a técnica da Instrução ao Sósia, que consiste em um método de auto confrontação para promover a reflexão do vendedor sobre sua atividade. Por fim, cada participante capturou imagens de sua atividade que representassem momentos cruciais da mesma a partir de sua perspectiva. A análise se deu a partir das transcrições integrais das entrevistas; das anotações de percepções da pesquisadora diante das fases e objetivos do estudo; da coanálise desenvolvida entre participante-pesquisadora, promovida pela Instrução ao Sósia e discussão sobre as fotos capturadas pelos participantes; além do diálogo com a perspectiva teórica base desse estudo. De modo geral, pode se afirmar que, embora esses vendedores procurem ajustar-se ao que a organização espera deles, o que traz sofrimento comumente, conseguem encontrar prazer em sua atividade, o que alimenta seus afetos com relação a ela e pode promover a renovação de seu gênero profissional, revitalizando-o.

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Abstract

Given the impacts of changes in the work world, resulting from a constantly changing political, economic and socio-cultural scenario and, particularly, the activity of the sellers in the auto market – one of the most affected segments after political-economic crisis started in 2015 – it is established as objective of this study to understand the activity of these sellers, investigating their relationship with themselves and their professional gender. To understand the activity's dilemmas and paradoxes, this project will take as reference the theoretical operators of the Clinic of Activity, considering the conception of the subject present in the historical-cultural approach. This qualitative research had the participation of eight sellers of the specified area. Semi-structured individual interviews were conducted with items that investigate the work activity, the professional trajectory, the perception of a well done work on the sellers’ point of view and how to deal with the impediments and contradictions of this activity. Subsequently, the Instruction to the Double technique was applied, which consists of self-confrontation method promoting the reflection of the seller about his activity. Finally, each participant captured images that represent crucial moments of their activity from their own perspective. The analysis was based on the full transcripts of the interviews; the notes of perceptions of the researcher regarding the phases and objectives of the study; the co-analysis developed between participant-researcher, promoted by the Instruction to the Double and discussion about the images captured by the participants; in addition to the dialogue with the basic theoretical perspective of this study. In general, it can be stated that while these sellers seek to adjust to what the organization expects from them, which commonly brings suffering, they can find pleasure in their activity, which feeds their affections towards it and can promote the renewal of their professional gender, revitalizing it.

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1. Introdução

A problemática geral desse estudo situa-se na compreensão na atividade do vendedor de varejo, que está inserida em um gênero profissional, e tem sofrido uma série de impactos ao longo das transformações no mundo do trabalho, decorrentes de um cenário político, econômico e sociocultural em constante transformação onde nos situamos (Ingram, La Forge, Avila, Schwepker & Williams, 2008; Kotler & Armstrong, 2003; Spiro, Rich & Stanton 2009). De maneira mais específica, a presente pesquisa pretende perceber como esse contexto afeta os vendedores, buscando conhecer quais são as principais dificuldades para a realização de um trabalho que os satisfaça, bem como a possibilidade de perceberem determinados entraves como desafios a serem superados cotidianamente, compreendendo como o trabalho pode ser vivenciado como fonte de saúde ou adoecimento na vida dessas pessoas.

Essa proposta de estudo tem como pano de fundo a reflexão e discussão da função psicológica da atividade de trabalho em uma categoria profissional, que contempla a vivência do sujeito como indivíduo em seu contexto de trabalho, considerando as contribuições dela para o desenvolvimento e expressão de sua subjetividade. Além disso, a atividade de trabalho também possibilita o desenvolvimento do sujeito através da inserção dele em um meio sócio histórico, com a constituição do gênero profissional, como conheceremos mais adiante. Dessa forma, a questão central da problemática desse projeto está na análise e compreensão da atividade de trabalho, a partir do referencial teórico norteado pela Psicologia Histórico-Cultural (com destaque para Leontiev e Vigostky) e a Filosofia da Linguagem (Bakhtine),

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indo aos desdobramentos de teoria e método que compõem a Clínica da Atividade de Yves Clot.

Nesse sentido, a Clínica da Atividade representa uma vertente teórica da Psicologia do Trabalho que permite uma compreensão mais ampla da atividade de trabalho por parte do trabalhador, que é sujeito de ação e participa da pesquisa, não sendo, portanto, objeto de estudo a ser avaliado, apenas. Assim, esse estudo se soma às pesquisas brasileiras que também tiveram o seu enquadre na Clínica da Atividade, que apresentam grande importância no cenário da pesquisa dessa vertente teórica, servindo de base para as que se constroem atualmente.

O interesse em estudar a atividade de trabalho do vendedor de varejo, inicialmente, surgiu a partir da experiência que tive numa organização cujo segmento é o comércio. Durante essa atuação profissional, ocupei o cargo de gestora de Recursos Humanos, quando tive a oportunidade de conhecer e vivenciar diariamente o contexto do comércio, observando todas as suas características e a influência delas na vida profissional das pessoas. Mesmo assim, era preciso cumprir o protocolo da função: garantir o recrutamento e seleção de pessoas consoante com o perfil esperado pela empresa, com a utilização de testes psicológicos e demais ferramentas de avaliação; realizar treinamentos específicos de acordo com cada função, a fim de capacitá-las a serem mais produtivas; acompanhá-las periodicamente, realizando avaliações de desempenho em conformidade o que a organização espera desse profissional; redirecionar as pessoas, sempre que necessário, aos objetivos da empresa (da prática de feedbacks aos processos disciplinares, envolvendo advertências e suspensões, por exemplo); até o acompanhamento dos desligamentos das pessoas que não se adaptaram às funções, pelo motivo que fosse. Nesse último processo, era realizada uma entrevista de desligamento-padrão, em que o ex-funcionário poderia dizer tudo o que quisesse à empresa, pontos positivos e negativos, dificuldades e facilidades. A partir daí a organização teria

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conhecimento do sentimento real dessa pessoa, mas faria uma revisão ou não de seus processos e ações somente se fosse interessante – e produtivo – para ela.

Com isso, fui me incomodando em contribuir com a organização no sentido de buscar práticas que tinham como principal objetivo – implicitamente ou não – o ajustamento das pessoas para os seus interesses. Assim, esses profissionais ficavam carentes de espaços para serem ouvidos, considerados, pois, comumente, tinham suas necessidades ignoradas. Nesse momento, eles batiam à nossa porta, a sala do Recursos Humanos - RH.

Assim, iniciava um processo clínico, mas inicialmente sem pretensão. As queixas eram constantes: o sofrimento com o excesso da pressão por resultados, o relacionamento difícil com o superior imediato, a dificuldade em conseguir chegar à meta estipulada pela organização, só para citar alguns exemplos. Ainda se somavam a isso os problemas pessoais desses profissionais, que, muitas vezes, surgiam e dificultavam o desempenho deles. Mas o que me chamava mesmo atenção era quando, na tentativa de deixar de lado os problemas que traziam da esfera pessoal e familiar, essas pessoas se dedicavam ainda mais ao trabalho, pois entendiam que ele as regenerava, como se tivesse uma função terapêutica.

Diante de tantas questões como essas, as reflexões sobre a função psicológica do trabalho na vida dessas pessoas, bem como o papel que o gestor de recursos humanos e a área de gestão, de modo geral, exerciam nesse contexto, vinham à tona. O que a organização fazia com tantas queixas como as supracitadas, e que eram repercutidas, frequentemente, na queda da produção dessas pessoas? Fazia-se, verdadeiramente, algo com isso?

Se era papel do gestor – representando a organização e seus interesses – identificar e diagnosticar os motivos que levaram sua equipe ao não atingimento do objetivo proposto, no caso as metas de vendas, também deveria ser sua responsabilidade compreendê-los e propor ações para facilitar o desenvolvimento dessas pessoas, dentro das possibilidades. No entanto,

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isso nem sempre acontecia. Na verdade, muito dificilmente. Então, voltamos à sala do RH para ouvir as mesmas dificuldades.

Impossibilitado de dar conta dessas queixas referentes ao sofrimento do vendedor, que não encontra espaço para diálogo resolutivo, reflexão, acolhimento e encorajamento diante dos impedimentos à sua atividade, o profissional de RH precisa buscar outros rumos teóricos que promovam uma prática profissional com uma visão mais ampla, que conceba o indivíduo em sua subjetividade criadora, mas também como ser que necessita se relacionar constantemente para construir e afirmar essa subjetividade que o torna único, tal como emprega a Clínica da Atividade.

Logo, é para esse fim que também está sendo construída essa pesquisa: trazer a Clínica da Atividade como referencial teórico que também possa embasar e enriquecer a prática profissional dos gestores de recursos humanos nas organizações. É preciso que se pesquise mais e que se reflita sobre como esse conhecimento pode chegar à sociedade como alternativa para dar conta das questões de sofrimento e saúde no trabalho, ainda que ele não esteja alinhado ao sistema de produção capitalista e seus objetivos já expostos, pelo menos no contexto atual das organizações, de modo geral. Desse modo, cabe a nós, psicólogos, pesquisadores, promover essas reflexões e inserir em nossas práticas essa mediação e diálogos através de ações que possam contemplar e equilibrar, dentro do possível, os objetivos da organização e a saúde do trabalhador.

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2. A Atividade da Venda

Antes de adentrar no campo teórico escolhido como base que orientará esse estudo, é importante que façamos uma contextualização histórico-social acerca da função do vendedor de varejo, assim como o contexto de trabalho no ambiente do comércio varejista.

A venda é uma das atividades mais antigas do mundo e acompanhou a evolução do homem e sociedade, em todo o seu percurso histórico para a construção da mesma. Há documentos sobre a história da Grécia Antiga que revelam a presença da atividade da venda, quando o termo “vendedor”, já era utilizado. Porém, a função do vendedor como profissão reconhecida ocorreu no contexto da Revolução Industrial, na Inglaterra, em meados do século XVIII (Ingram et al., 2008). Antes disso, o comércio era caracterizado pela existência de mercadores, artesãos ou outras pessoas que coletavam produtos no campo e vendiam nas cidades. Em contrapartida, traziam os produtos manufaturados adquiridos nas cidades para comercializar na área rural.

Até o início do século XIX, a atividade da venda já estava bem caracterizada na Inglaterra, mas acontecia ainda de maneira muito simplificada no Brasil, cujo objetivo era apenas atender às necessidades de consumo da população. Isso começa a se transformar significativamente somente após 1850, com os reflexos do início da industrialização, principalmente nos Estados Unidos.

Façamos um breve parêntese para retornar a um fato histórico que traz elementos importantes para esse estudo, especialmente com relação ao contexto de surgimento de novas formas de organização do trabalho que impactaram na atividade do vendedor.

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Com o advento da Revolução Industrial, aumentava a oferta de empregos nas cidades e, consequentemente, do consumo da população, o que demandava uma aceleração da produção nas indústrias para atender a essa crescente necessidade. Assim, o seu potencial produtivo precisou ser incrementado com novas formas de organização do trabalho que garantissem maior eficiência e otimização da produção, com menor tempo e custo. Então, surgem e predominam, ao longo do século XX, novos sistemas para obter a produção em massa e o lucro, como o taylorismo e o fordismo, que traziam conceitos como a divisão técnica do trabalho e a introdução das linhas de montagem, respectivamente, simplificando as tarefas e padronizando o trabalho dos operários a atividades específicas e repetitivas, na tentativa de um controle cada vez mais efetivo da operação (Antunes & Pochmann, 2007).

Dessa forma, a produção eficiente e a garantia da mesma tornava-se resultado do intenso seguimento aos padrões desenhados para cada etapa do processo de trabalho, com a medição do tempo milimetricamente atendida pelos operários para a obtenção do lucro e resultado final esperado.

Diante desse cenário de extrema pressão para o cumprimento das tarefas, num tempo curto, determinado e controlado por medidas que exprimiam autoritarismo e subjugação, foram surgindo movimentos sindicais com o intuito de questionar essa realidade e criar medidas de proteção aos operários, pois todas as condições de trabalho os colocavam em diversos riscos de saúde ocupacional. Esse período histórico foi denominado, no Brasil, de reestruturação Produtiva e se deu por volta dos anos 80, quando novas formas de gestão e organização do trabalho foram ganhando espaço.

Porém, embora tenha havido essa transformação, que permitiu avanços positivos nos modelos de gestão e trabalho, segundo Antunes & Pochmann (2007), percebemos que ainda há vestígios do taylorismo-fordismo em muitas organizações nos dias atuais, acrescidos de conceitos trazidos do Toyotismo e seu modelo de gerenciamento através dos Círculos de

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Controle de Qualidade, por exemplo. É interessante também perceber a presença dessa característica em empresas, muitas vezes, associada contraditoriamente a conceitos de uma gestão baseada nas pessoas como agentes protagonistas de desenvolvimento do trabalho para o alcance dos resultados esperados: fala-se no “capital humano” comumente. Diante dessas incoerências, que caminho deve se seguir? Quais os impactos dessas diferenças, que vão da teoria à ação numa organização e, principalmente, nesses sujeitos hoje chamados de colaboradores, porém vestidos de operários, frequentemente? Essas são algumas das contradições presentes no mundo do trabalho e aqui, especificamente, na atividade dos vendedores de varejo, como será compreendido mais adiante.

Retornando à contextualização histórica do surgimento e desenvolvimento da atividade da venda, no período entre guerras (1915 a 1945), que foi marcado pelas duas grandes guerras mundiais, seguida da crise de 1929, toda a atividade econômica global se direcionou em esforços para dar conta dos impactos gerados por esses acontecimentos. Essa depressão econômica, por outro lado, passou a demandar uma maior depuração nos negócios e somente aquelas que possuíam vendedores realmente competentes e agressivos sobreviveram à derrocada (Sparemberger, 2008). Assim, somente a partir de 1945 as empresas passaram a investir no aperfeiçoamento das vendas, na profissionalização da atividade (Kotler & Armstrong, 2003; Spiro, Rich & Stanton, 2009).

Logo, se antes a atividade da venda era concebida de uma maneira simples, cujo objetivo se direcionava apenas à distribuição e comercialização de produtos e serviços necessitados pela sociedade, a partir desse momento a função começa a se transformar.

A evolução tecnológica que ocorreu ao longo dessas décadas, decorrente da globalização, tornou o consumidor mais exigente, de acordo com Lima (2009). Ela impulsionou uma busca refinada pela informação ao desejar um produto que represente sua necessidade. Assim, antes de partir para a compra, o consumidor pesquisa, busca

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compreender as diferenças entre as marcas, modelos, conhecendo detalhadamente os benefícios que pode obter a partir da escolha que faça. O sujeito passa de mero consumidor de um produto necessário a cliente, àquele que escolhe um produto que o satisfaça dentro de seus critérios de escolha, transformando-se de sujeito passivo a ativo nessa forma de se relacionar com o mundo do varejo.

Outro aspecto que influenciou e acelerou o comportamento do consumo foi a inserção da mulher no mercado de trabalho e a consequente conciliação dos papéis que ela passou a assumir, quais sejam: familiar, social e profissional (Lima, 2009). Assim, com a desvalorização das tarefas domésticas como principal atividade que executava, surgiram os aparelhos eletrodomésticos, as refeições semi-prontas, os serviços self-service, por exemplo. Desse modo, as mulheres se transformavam em grandes consumidoras e desejavam produtos cuja lógica era a praticidade e a otimização do tempo nessa nova organização social, movimentando ainda mais a economia e o mercado, que precisava se preparar cada vez mais para atender a essa crescente demanda.

Antes de compreendermos a atividade do vendedor e suas características em meio ao mercado atual, é interessante pensar no contexto de trabalho que será estudado: o ambiente comercial. Este é caracterizado pelo oferecimento de um produto e/ou serviço; apresenta-se vulnerável às oscilações provenientes do mercado, que é afetado diretamente pelas condições político-econômicas de um país; é livre e aberto a possibilidades de negociações com diferentes públicos-alvo, ou seja, qualquer um pode estar apto se interessar ou adquirir um produto ou serviço oferecido.

É igualmente relevante definir o varejo, uma vez que estudaremos os vendedores desse ramo de atividade. Assim sendo, e com base no exposto por Borges (2008, p. 16), “o varejo pode ser entendido como uma atividade relacionada com a oferta de produtos, ou serviços, diretamente ao consumidor final, realizada por meio de uma loja de varejo”. Para o autor, o

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sistema varejista funciona como um intermediário do processo de distribuição, promovendo-a de maneira homogênea e facilitando a chegada do produto até o consumidor no momento de sua necessidade. Além disso, possui como principal característica a prestação de um determinado serviço ao cliente, adicionando valor ao seu produto. Seu principal objetivo, nessa atividade, é tornar agradável o processo de compra do cliente (Kotler & Armstrong, 2003), de maneira que ele perceba que vivenciou uma experiência positiva.

Então, é a experiência agradável que o cliente sente ao adquirir um produto que garante a rentabilidade e sobrevivência das organizações do varejo. Assim, compreender o que deixa o cliente feliz é de suma importância para as empresas que pretendem se destacar e construir credibilidade neste mercado (Ingram et al., 2008; Kotler & Armstrong, 2003; Spiro, Rich & Stanton, 2009).

Diante desse cenário apresentado, surge a figura do vendedor e os grandes desafios que o esperam, frente a esse cenário marcado por exigências cada vez maiores (Spiro, Rich & Stanton, 2009; Kotler & Armstrong, 2003). Espera-se que esse profissional possua habilidades e competências técnicas e comportamentais, tais como: boa comunicação e capacidade de argumentação, senso de urgência, alta iniciativa, facilidade para se relacionar com diferentes pessoas, demonstrando empatia e flexibilidade para tal, além do entusiasmo que precisa sentir e expressar quanto ao produto ou serviço que está vendendo, para que consiga encantar os clientes, conquistando-os e fidelizando-os. O resultado de todo esse conjunto em ação deve alcançar os objetivos de produção previamente definidos e denominados de metas, que são periódicas – geralmente mensais – e têm por finalidade mensurar o desempenho desse vendedor.

E quanto ao que acontece na realidade, considerando todas as condições do ambiente comercial supracitadas, associadas às características da organização, gestão e trabalho? Em C. Silva e Ramminger (2014, p. 4756), temos que em “prescrições paradoxais, de produzir

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perseguindo metas sempre mais altas, com excelência e o mínimo de recursos, percebe-se o impedimento da atividade normativa dos trabalhadores e um terreno fértil para o adoecimento”. Adicionalmente a isso, segundo Bendassolli (2011) “outra forma de sofrimento emerge das diversas possibilidades de conflitos de critérios de desempenho – o que o “cliente” deseja nem sempre é equivalente ao que o chefe deseja, nem ao colega de trabalho” (p. 75).

Essa forma de sofrimento citada está relacionada à performance do profissional a que nos referimos, que, dentro desse contexto comercial, diante de tantas demandas – clientes, colegas de trabalho, chefia, além de sua autopercepção e avaliação – pode se sentir incapaz, incompetente, frustrado e perdido. Somam-se a isso outras possíveis tensões, como o reflexo da pressão por resultados exigida pelas organizações, que se relaciona diretamente com a insegurança e o medo do desemprego frente ao não atingimento disso, especialmente em tempos de crise econômica.

Assim, essas contradições propostas pela gestão moderna podem ser configuradas como fatores de adoecimento físico ou psíquico, uma vez que essa pressão exercida pelas exigências empresariais perturba os trabalhadores (Pintor, 2010), levando-os à construção de uma “subjetividade fluida”, como conceitua Gaulejac (2007, p. 187). É como se eles se anulassem em suas ideias, interesses, opiniões e aspirações para aderir completamente às prescrições das organizações, fragmentando-se internamente ou mesmo trabalhando de maneira frenética para que não tenham tempo de pensar na situação da qual não conseguem sair, pois não haveriam soluções para os problemas que enfrentam, numa fuga constante e desenfreada. O autor afirma que essa completa adesão não passa de uma “fachada”, que cega o trabalhador na busca pela vitória, pois “o sentido da ação se resume em ser campeão” (p. 169). Do contrário, ou seja, fora desse contexto, ele seria facilmente visto pela organização como fracassado.

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Segundo Gaulejac (2007), é nesse contexto que pode surgir uma crise simbólica, a qual retira o significado da própria vida desses sujeitos, uma vez que eles não se percebem como indivíduos capazes de criar e conferir sentido à atividade que produzem. Por isso, é para compreender o vendedor de varejo imerso em todo esse cenário que esse estudo traz em seu cerne a base teórico-metodológica da Clínica da Atividade. Somente a partir da lente dessa vertente teórica e sua concepção de sujeito, será possível perceber as possibilidades e potencialidades que eles têm em sua esfera profissional e em sua própria vida, num sentido mais amplo, como veremos mais adiante.

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3. Pressupostos Teóricos da Clínica da Atividade

A Clínica da atividade é uma abordagem teórico-metodológica da Psicologia do Trabalho que foi desenvolvida por Yves Clot e seu grupo de colaboradores participantes do Conservatoire Nacional des Arts et Métiers (CNAM), em Paris, durante a década de 1990. Essa vertente se filiou à perspectiva histórico-cultural soviética, desenvolvida e representada por Vygostky e seus colaboradores, assim como à análise da linguagem trazida pelo círculo Bakhtine.

Essa proposta teórica sugere a análise e compreensão do trabalho, considerando-o como atividade fundamental para o desenvolvimento psicológico partir de uma perspectiva dialógica, que considera o sujeito como protagonista da atividade que desenvolve. Esse, é interpretativo, cria, conduz e atribui sentido às suas experiências, sempre estando em relação consigo, com os outros e com o mundo. Essa concepção epistemológica de sujeito é reflexo da influência da abordagem histórico-cultural e possibilita uma análise psicológica do trabalho que se diferencia dos paradigmas tradicionais de pesquisa, o que representa uma grande contribuição da Clínica da Atividade para o conhecimento e compreensão do ser humano nesse contexto. Logo, é na direção de, segundo Clot (2005), “transformar a Psicologia do Trabalho em Psicologia dos Trabalhadores” que iremos olhar.

Sobre essa questão, Clot (2010), demonstra que, enquanto a Psicopatologia do Trabalho trouxe uma ideação negativa para a saúde do homem, trazendo o trabalho como um lugar de sofrimento, adoecimento e alienamento da subjetividade, a Clínica da Atividade surge numa concepção contrária. É na atividade que o sujeito se desenvolve, é nela que a subjetividade emerge, permitindo a criação e recriação de modos diferentes de pensar e agir

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para produzir o trabalho. É a voz do indivíduo que surge para dar conta, trazer soluções eficazes para os possíveis problemas, que podem ir muito além da atividade prescrita de trabalho. É na ação que há possibilidade de transformação e de autossatisfação ao se fazer um trabalho bem-feito. Assim sendo, essa concepção de sujeito trazida pela Clínica da Atividade também oferece outra lente para se perceber a avaliação do desempenho daquele que trabalha, distanciando-se das ferramentas tradicionais aplicadas nas organizações comumente. Dessa maneira, o reconhecimento agora corresponde à capacidade do sujeito de reconhecer-se na atividade que atua, tal como demonstram Silva e Ramminger (2014, p. 4756), quando afirmam que “o importante, do ponto de vista da Clínica da Atividade, é a possibilidade que os trabalhadores têm de se reconhecer no que fazem”.

Então, considerando essa concepção de sujeito trazida pela abordagem histórico-cultural, vimos que é na atividade que a subjetividade se expressa, e não há atividade que não esteja inserida em um contexto social. Nesse sentido, a Clínica da Atividade se propõe a analisar o trabalho como uma atividade dirigida e que possui uma função psicológica específica na vida do sujeito. Clot (2006, p. 18) discorre acerca essas ideias, afirmando que o trabalho “só preenche sua função psicológica para o sujeito se lhe permite entrar num mundo social cujas regras sejam tais que ele possa ater-se a elas”.

Assim, inserido nesse contexto social e dialógico, o sujeito se expressa em atividade, sendo essa triplamente dirigida. Clot (2006, p. 97) enfatiza que “ela é dirigida não só pelo comportamento do sujeito ou dirigida por meio da tarefa, mas também dirigida aos outros”. Isso significa que o trabalho é uma atividade dirigida para si mesmo, numa dimensão em que se situam as possibilidades de atuação do sujeito diante da atividade a ser realizada; entre o sujeito e o objeto, considerando o alcance dos objetivos possíveis, assim como os impedimentos e contrariedades que podem existir nesse percurso; e, por último, entre o sujeito e o outro, como atividade que pode ser socializada, compartilhada, em que surge o conceito

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de gênero e suas implicações, que compreenderemos mais adiante. Todo esse conjunto de possibilidades em ação opera de maneira concomitante, num novelo complexo e dinâmico, numa produção de sentido constante e múltipla, em todas essas direções demonstradas.

Então, trazendo esse conceito da atividade triplamente dirigida para o contexto laboral dos vendedores de varejo, é possível ilustrá-la, para melhor compreensão desse estudo. A atividade é dirigida para si mesmo, na medida em que esse profissional, possuindo o conhecimento e treinamento apreendido para o desenvolvimento da função, bem como as habilidades necessárias, escolhe usá-las ou não, de acordo com o contexto, sentido e escolha pessoal. Temos a atividade dirigida ao objeto quando consideramos o que o que vendedor precisa fazer para alcançar as metas prescritas pela organização, sem esquecer das dificuldades presentes nesse caminho, que podem ser superadas ou não, o que influenciará diretamente no resultado final. Por fim, a atividade entre o sujeito e o outro, sendo este o seu gênero profissional, que o respalda frente aos impedimentos da atividade. Isso significa que, quando o vendedor não consegue atingir seus objetivos pelas diversas dificuldades que vivenciou, pode se sentir amparado por esse grupo de colegas que vivem a mesma situação. Assim, é constituído o gênero profissional de vendedores, que possibilita a compreensão e enfrentamento coletivo, além do individual, para lidar com os impedimentos presentes do contexto comercial.

Para facilitar a compreensão desse estudo, é interessante nos determos a algumas diferenças conceituais fundamentais que partem da principal unidade de base, que é a atividade. Além da atividade de trabalho, temos a tarefa, o trabalho prescrito, o trabalho real e, por último, o real da atividade, sendo esse relacionado diretamente aos impedimentos citados anteriormente.

Advindos da Ergonomia, os conceitos atividade de trabalho, tarefa, trabalho prescrito e trabalho real, trazem em sua essência a compreensão do trabalho como fonte de saúde para o

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ser humano. Assim, a tarefa contempla o conjunto de condições prescritas, determinadas, pré-estabelecidas, que a organização, por exemplo, espera daquele profissional. Já a atividade, representa o que é possível de se executar dentro das condições reais de trabalho, trazendo os resultados efetivos, o que foi feito, de fato, o trabalho real. Sabemos que, entre o que foi prescrito como tarefa a ser realizada e a atividade de fato executada, pode existir uma lacuna, que comportará diferenças, o que é muito comum. É nessa lacuna onde há a manifestação clara da contradição sempre presente no contexto de trabalho (Guérin, Laville, Daniellon, Duraffour & Kerguellen, 2001), mas também é nela em que surgem os espaços para reflexões, discussões e possíveis revisões nos aspectos que permeiam ambos os contextos, em conformidade com essa perspectiva de estudo.

Nesse sentido, Clot (2006) acrescenta e desenvolve o conceito inovador de real da atividade, que representa a atividade do indivíduo a partir da percepção de si mesmo e dos sentidos que ele confere às suas próprias experiências no trabalho. Sobre este conceito, Clot (2014, p. 226) afirma que “a atividade não é simplesmente aquilo que se vê, não é o que se pode descrever, aquilo que se pode observar diretamente. Portanto, a atividade não é simplesmente a atividade realizada”. Isso significa que existe outra dimensão da atividade do trabalhador, não definida pelo que se vê diretamente, pelo que se descreve ou se percebe. O autor acrescenta, então, esclarecendo que:

A atividade é aquilo também que não se pode fazer, aquilo que não se faz, que gostaríamos de ter feito, é aquilo que guardamos no estômago, é a atividade re(engolida), impossível, as atividades suspensas, as atividades impedidas. Não foi realizado, mas faz parte da atividade. É por isso que podemos dizer que a atividade realizada não tem o monopólio do real da atividade, o real da atividade é muito mais vasto do que a atividade realizada. (Clot, 2014, p. 226).

Com isso, torna-se claro que o real da atividade representa essa totalidade das múltiplas possibilidades que o vendedor, nesse contexto, pode atuar em sua função, mas que não foram vivenciadas por ele, por diversos motivos, conhecidos ou ainda não. Esse

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profissional sabe o que precisa fazer para atender às expectativas da organização como tarefa prescrita por ela, conhece o denominado procedimento operacional para a execução da venda, compreendendo todo o seu fluxo, cada etapa. Além disso, sente na pele a importância de se cumprir as metas que foram estipuladas pela sua gestão imediata, uma vez que é acompanhado frequentemente através de métodos específicos, como reuniões, por exemplo, que lembram a ele constantemente, muitas vezes sob extrema pressão, como já mencionado, a necessidade de obter os objetivos traçados.

Sabe também que precisa realizar um atendimento de excelência ao cliente, pois comumente será também avaliado por isso, muitas vezes através de métodos impactam diretamente em sua remuneração. Mais que isso, o vendedor precisa “encantar” esses clientes, para que eles voltem, para que eles multipliquem pela cidade o nome da empresa, garantindo o futuro da mesma. Esse é, frequentemente, o discurso da prescrição da organização ao vendedor. Mas como ele aplica tantos conhecimentos e habilidades? E, mais profundamente, como ele se sente, frente a isso tudo?

Pode ser que o vendedor não encontre todas as condições necessárias ao cumprimento de toda essa prescrição, esbarrando em obstáculos – os impedimentos à atividade. Pode ser que essas dificuldades estejam relacionadas à falta de ferramentas de suporte para o trabalho, problemas na gestão e acompanhamento, ou até mesmo que o seu sentimento de fazer parte desse universo esteja enfraquecido por algum motivo. Sim, porque atividade é ter motivo para se fazer algo. Mas pode acontecer simplesmente de o vendedor acreditar que o trabalho pode ser feito de uma maneira diferente daquela a que é orientado a executar, pois poderia, de repente, otimizar tempo e produção, além de ter um resultado mais satisfatório para si, mas mesmo assim precisa fazer conforme o protocolo.

Essa diferença pode ir contribuindo para a geração de uma tensão interna nesse indivíduo, que pode começar a não perceber mais sentido na atividade que faz, devido a todos

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esses impedimentos e ao impacto deles na maneira como se sente como profissional. É como se esse fosse forçado a estar passivo diante de todas as condições que lhe são “impostas”, sendo impedido de contribuir pessoalmente com a atividade que ele mesmo realiza e tornando-se um mero executor do que deve ser feito por ele. E aí o sujeito pode se perder a si mesmo.

Discorrendo acerca desses impedimentos no trabalho, Bendassolli (2011, p. 82) afirma que “A atividade torna-se impedida devido a várias razões. Em primeiro lugar, quando os indivíduos e os coletivos não podem discutir os critérios de qualidade no trabalho”. Essa impossibilidade de discussão, segundo o autor, termina por produzir uma perda de sentido desses sujeitos com relação ao trabalho que realizam, uma vez que são duramente distanciados de sua capacidade de refletir sobre o que seria um trabalho bem-feito a partir de seus próprios pontos de vista. Essa discussão do que é um trabalho bem-feito, inclusive, é cerne para a saúde no trabalho, quando esse poderia cumprir o seu papel como fonte operadora de saúde e fator de desenvolvimento psicológico na vida dessas pessoas (Clot, 2010).

Em adição a isso, Bendassolli (2011) demonstra que essa impossibilidade de discussão sobre a qualidade do trabalho pelos próprios trabalhadores “produz um sentimento de insignificância nos sujeitos, pois há uma ruptura, na atividade, entre as pré-ocupações dos sujeitos (seus planos, desejos, aspirações) e aquilo que são obrigados a realizar, uma atividade prescrita pela organização, vazia de significado” (p. 84).

Diante disso, tendo as suas necessidades, projetos e ideias ignorados pela organização, esses sujeitos que trabalham deixam de se reconhecer no que fazem. É como se eles não se percebessem mais em suas potencialidades, pois não são convocados e estimulados a pensarem e produzirem-nas. Assim, podem ir se perdendo a cada dia, morrendo dentro de si mesmos, podendo tornar-se mecanicamente produtores de ações programadas e

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estereotipadas, numa atividade vazia, como denominou Clot (2010). E se fizerem diferente disso, podem ser convocados a processos disciplinares, de ajustamento, o que comumente ocorre quando as regras são descumpridas, em muitas organizações.

Conforme destaca Bendassolli (2011), além da impossibilidade da discussão entre indivíduos e coletivos sobre o que seria um trabalho bem-feito, de qualidade para eles, existe outro aspecto que contribui para essa atividade impedida, que são as condições de trabalho e como elas podem facilitar ou dificultar a produção do mesmo. Como realizar um bom trabalho, de qualidade, efetivamente, se os recursos disponíveis podem não atender às condições básicas para tal? Isso é, no mínimo, paradoxal, assim como os modelos sofisticados de avaliação de desempenho aplicados em determinadas organizações, cujos critérios técnicos e comportamentais são incoerentes com as reais condições de trabalho, o que facilmente culmina num resultado medíocre, seja para o próprio trabalhador ou para a organização em questão. Aí temos a falta de sentido generalizada, tanto para os sujeitos que trabalham e não se sentem reconhecidos pela organização, nem por si mesmos, pois são impedidos de se verem como pessoas com suas potencialidades de criação, como vimos acima, além da mecanicidade com que as empresas tratam seus métodos de avaliação do trabalho dessas pessoas. Se não há condições de trabalho facilitadoras ao desenvolvimento das competências que são mensuradas nas avaliações de desempenho, então nada mais faz sentido. Esse, vai embora e leva consigo o tempo, a energia dispendida, o capital investido, o talento formado.

As incoerências nos métodos de avaliação de desempenho são bastante comuns em muitas empresas, aqui especificamente na área comercial, em que é empreendida a venda de produtos e serviços. Mais ainda, se considerarmos os impactos sofridos em decorrência da crise econômica mais recente, como também das frequentes oscilações características do mercado e da economia, de modo mais amplo.

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Um dos impactos sociais da atual crise político-econômica brasileira nas organizações tem sido o volume de reduções de quadro, como citado anteriormente. Utilizando-se dos resultados das avaliações de desempenho ou não, muitas empresas tiveram que reduzir custos fixos em seus orçamentos, partindo para demissões em massa de muitos profissionais, gerando prejuízos diversos na sociedade, como podemos perceber facilmente. Com isso, essas organizações cortaram custos, buscando manter sua sobrevivência frente às dificuldades econômicas, mas continuaram com processo operacional de trabalho a cumprir e resultados a esperar dos trabalhadores que continuaram em seus quadros funcionais. Muitas dessas empresas escolheram continuar com os profissionais que tivessem os melhores resultados, que fossem mais comprometidos com eles, que tivessem melhor formação, mais habilidades, considerando até os que fossem polivalentes, pois assim fariam as duplas e triplas funções com mais facilidade, substituindo os espaços deixados por aqueles que tiveram de ser desligados.

Trazendo esse cenário para o contexto da presente pesquisa, muitos vendedores terminaram por assumir essas lacunas deixadas pelos profissionais que saíram das empresas, pois assim também foi prescrito pelas organizações. Assim, além de precisar cumprir mensalmente suas metas e prestar um atendimento de excelência para os seus clientes, esses profissionais passaram também a ser exigidos e avaliados pelo volume de funções que tiveram que abarcar. Logo, é comum encontrarmos vendedores que operam caixa, são estoquistas, preenchem relatórios de vendas, cuidam da limpeza do ambiente, fazem e servem o café, dentre outras atividades. Sorrindo, esses vendedores precisam trabalhar mais e em menos tempo.

Nesse sentido, se o vendedor vivencia impedimentos em seu trabalho na impossibilidade de se reconhecer no que faz, frente às prescrições impostas pela organização, e se ele ainda é avaliado de maneira paradoxal, por não haver coerência entre as condições de

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trabalho e os resultados exigidos, ele agora certamente precisa se dedicar mais. Esse excesso de dedicação e comprometimento passional se transforma facilmente em discurso da organização na direção desses profissionais. A prescrição de trabalhar por duas ou três pessoas, sem fazer horas-extras – para evitar custos “desnecessários” – demonstrando o “vestir a camisa” com alegria, se soma, então, a esse cenário apresentado.

Assim, do esvaziamento da atividade às condições de trabalho a que se submete para manter o seu emprego em tempos tão difíceis, pois ainda existe o medo de perdê-lo, o vendedor tenta administrar todas essas questões dia-a-dia, vivendo um dia por vez, até que o mês termine – quando saberá se atingiu ou não a sua meta – e o ciclo se reinicie novamente. Como um artista, que precisa encantar o seu público e extrair dele o seu sustento. Sem saber o dia de amanhã, precisa continuar a sorrir e se equilibrar entre os obstáculos.

Logo, percebendo todas essas questões e considerando o que o vendedor gostaria de fazer e não faz, mas gostaria de ter feito, e ainda é o que é obrigado a fazer, temos o início de um processo de desgaste, tal qual afirma Bendassolli (2011). Dessa maneira, quando impedimento acontece, essa energia relacionada ao que não foi feito se acumula no sujeito e é geradora do adoecimento quanto mais forte for sentida. O contrário, ou seja, a saúde acontece quando existe a possibilidade de recriar e ressignificar situações a partir da iniciativa da própria pessoa, de maneira a dar vazão à subjetividade dela para isso, liberando as tensões acumuladas.

3.1 As Dimensões da Atividade e o Gênero Profissional

Para compreender melhor esse funcionamento e desenvolvimento da atividade, é importante considerá-la em suas dimensões e interconexões, quais sejam: pessoal, interpessoal, transpessoal e impessoal. De acordo com Clot (2004), a dimensão pessoal da

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atividade se refere à singularidade do indivíduo, à maneira como age sozinho quando em atividade, em sua subjetividade; a interpessoal diz respeito à direção em que o sujeito se orienta, ao produzir um trabalho, a um destinatário; a transpessoal, traz a atividade como parte da história de um coletivo, ou seja, ela transcende o indivíduo por estar inserido em circunstâncias sociais e culturais que o definem; e, por último, há a dimensão impessoal da atividade, que denota as regras para o cumprimento da mesma e a importância das prescrições, em meio às outras instâncias existentes.

É importante mencionar que todas essas dimensões conversam entre si constantemente, a todo o tempo. Isso significa que, muitas vezes, uma atividade prescrita, embora esteja previamente e até estritamente definida, pode ser influenciada pelo próprio indivíduo, que se apropria da mesma, estilizando-a, colocando algo de si mesmo em sua produção. Essas transformações da atividade prescrita podem ir da (re)criação do individual ao coletivo, constituindo aí o gênero profissional.

Como descrito por Clot (2006, p. 50):

O gênero profissional é um (...) sistema aberto de regras impessoais, não escritas, que definem num meio dado, o uso dos objetos e o intercâmbio entre as pessoas; uma forma de rascunho social que esboça as relações dos homens entre si para agir sobre o mundo.

Para o autor, essas regras implícitas ou explícitas são criadas pelos próprios trabalhadores e tem a função de regular as relações entre esse profissionais do mesmo ofício, orientando a ação dos mesmos, instituindo o pertencimento ao grupo e constituindo as atividades dignas de reconhecimento ou não-recomendadas em um contexto de trabalho, dirigidas aos objetivos definidos. É como se esse sistema tivesse a função de mediar as relações entre o sujeito e o objeto, entre o sujeito e sua própria subjetividade, bem como entre ele e os demais sujeitos, representando normas internas que dizem a maneira certa de se trabalhar, bem como a errada. Como não há uma cartilha, um manual onde estejam

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registrados esses procedimentos, o profissional precisa estar inserido num contexto laboral específico de seu ofício para que possa receber esses “ensinamentos”.

Clot (2006) se refere ao gênero profissional como aquele que possui uma senha, conhecida apenas por aqueles do qual fazem parte. É como se essa senha permitisse aos integrantes do gênero o acesso e apropriação do trabalho, o conhecimento sobre como se deve agir, para não se cometer erros. O gênero fortifica e une os indivíduos do qual fazem parte. Ele facilita a integração de dois profissionais que nunca se viram antes, ao terem que iniciar um trabalho, pois permite a ambos saber qual é o trabalho e como precisa ser feito.

Porém, esses dois profissionais fictícios, embora conheçam as normas do gênero, podem ter feito alguma modificação em sua forma de trabalhar, tendo recriado a produção do trabalho a partir de alguma necessidade que sentiram. De repente, na prática, perceberam que existia uma maneira diferente, mais rápida, eficiente, que chegasse à eficácia com uma maior qualidade no produto final, por exemplo. Assim, eles modificaram a forma usual de se trabalhar conhecida e praticada pelo gênero profissional. Eles (re)criaram, estilizaram, colocaram sua subjetividade em ação. É essa estilização do indivíduo que dinamiza o gênero, promovendo inovações, conferindo movimento e trazendo vivacidade ao conceito, o que também é bastante característico. Portanto, estilo é o percurso que existe entre a sua própria ação de criação e o coletivo do qual faz parte.

Assim sendo, podemos dizer que gênero ativo saudável é aquele que permite a criação e renovação do conhecimento. Por isso, é indiscutível que gênero e estilo são indissociáveis Clot (2014). Uma representação significativa do funcionamento dessa ideia são os coletivos de trabalho. O coletivo de trabalho se refere à dimensão transpessoal de abordagem da atividade de trabalho, abrangendo fenômenos que encontram seu sentido e sua dinâmica em grupos com afinidade perceptível por inserção organizacional, e que demonstram profunda ligação com o gênero profissional. Assim, o coletivo de trabalho é movido pela afetação

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emocional. É essa afetação que influencia na autoestima e fortalece as bases do gênero profissional, conforme Spinoza (2003), quando define afeto, compreendendo-o como “as afecções do corpo pelas quais a potência de agir desse corpo é aumentada ou diminuída, favorecida ou reduzida, assim como as ideias dessas afecções”. Logo, é o afeto que une os coletivos de trabalho e os transforma em gêneros profissionais significativos na vida daqueles que fazem parte desse grupo.

Em adição a isso, a estilização sobre a qual discorremos, na medida em que permite ao gênero a renovação, a mobilidade, o enriquecimento de poder se mover em direção às múltiplas possibilidades criadas e recriadas pelos profissionais que o constituem, evita o fazer mecânico, o trabalho copiado e repetido. Esse pode colocar em risco a saúde psicossocial do trabalhador, visto que impossibilita as criações do mesmo, aprisionando-o nas prescrições da atividade e impedindo sua revitalização.

Dessa maneira, quando não é permitida ao gênero profissional a inovação, a estilização, essa renovação através da criação subjetiva dos indivíduos integrantes do mesmo, há a possiblidade do seu enfraquecimento. Clot (2006, p. 128) enfatiza que “no trabalho coletivo, o coletivo de trabalho mobiliza instrumentos genéricos. Quando isso não ocorre, os riscos de desregulação da atividade individual aumentam, com consequências tanto para a segurança do trabalho quanto para a saúde dos trabalhadores”. Sobre essa questão especificamente, há um estudo interessante, que demonstra o quanto decisões gerenciais como desligamentos em massa e contratação de diversas prestadoras de serviço a uma só empresa, por exemplo, que funcionam como aspectos que influenciam diretamente no enfraquecimento da cultura organizacional e têm impacto direto na formação ou desintegração dos coletivos podem contribuir para o aumento do número de acidentes de trabalho. Isso porque, como caracteriza Lima (2007, p. 101), “se o gênero degenera, o desenvolvimento da atividade fica

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bloqueado, configurando uma situação de risco, pois a atividade passa a ser, sobretudo, uma fonte de sofrimento”.

Assim, sendo impossibilitado de articular o conhecimento e a prática através da criação e do diálogo, o gênero se enfraquece, necrosa, adoece. Nesse cenário, o sujeito pode entrar num processo de isolamento, individualização, sofrimento, já que o enfraquecimento do coletivo de trabalho leva ao empobrecimento do gênero profissional e, consequentemente, as possibilidades de desenvolvimento individual são gravemente perturbadas ou até mesmo inviabilizadas.

Voltemos ao contexto da atividade do vendedor, para refletir sobre algumas questões importantes nesse estudo. Como vimos, esse profissional possui o desafio de atingir prescrições impostas pela organização denominadas de metas. São números, é a quantidade que precisam vender para garantir a rentabilidade à empresa e a sua própria remuneração. No entanto, devido às dificuldades já mencionadas anteriormente – pressão por resultados, medo do desemprego, diminuição do fluxo de clientes nas lojas decorrente do cenário econômico atual, só para citar alguns exemplos – o vendedor termina sendo estimulado por um forte sentimento de competitividade.

Isso porque o seu próprio colega de trabalho é o seu principal concorrente no ranking, sendo acompanhado e cobrado por seu gestor semanalmente, muitas vezes. Além disso, podem haver premiações diferenciadas para os melhores vendedores, por exemplo, o que impulsiona cada um, individualmente, a buscar seus objetivos com todas as forças. E ainda há outra possibilidade: quem será o próximo a ser escolhido para desligamento da organização? Embora essa realidade seja bastante cruel, são os números que, muito provavelmente, dirão isso.

Assim, é perceptível que o ambiente do comércio, por si só, pode trazer a individualização do trabalho, o que promoveria a competição como uma ferramenta

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estratégica na busca por melhores resultados. A fim de alavancá-los, os gestores criam comumente métodos agressivos, estimulando uma disputa interna por clientes e visibilidade por parte dos vendedores, que terminam por se digladiar, famintos, em busca dos seus números.

Há um cenário semelhante a esse no contexto esportivo, a exemplo de um estudo realizado com atletas de vôlei de praia, que analisa a formação e funcionamento dos coletivos de trabalho nesse gênero profissional. É interessante que, embora seja impossível ignorar a relação de competitividade como uma das características centrais do vôlei de praia, tal como das práticas esportivas de alto rendimento, parece que há formas de compartilhamento de saberes e valores entre esses atletas, mesmo que eles venham a se tornar adversários futuramente (Borba & Muniz, 2017). É contraditório e curioso imaginar como isso pode funcionar, na prática, mas parece que há limites e orientações para a operação dessas questões.

Há também o denominado paradoxo da corporatividade (Zamboni & Barros de Barros, 2016), que se relaciona com essa questão do funcionamento saudável e eficaz dos coletivos de trabalho entre motoristas de ônibus, uma vez que se fala na necessidade do desenvolvimento e construção de uma relação anterior de amizade, coleguismo, para que se possa construir essa troca e apoio mútuo entre pares versus o hábito da delação – denúncias – associado à falta de confiança entre os próprios parceiros de trabalho dessa categoria profissional. Segundo esses autores:

Esse tensionamento paradoxal das políticas de coletividade do trabalho configura uma situação pela qual se constitui a atividade do trabalhador, um problema presente em seu fazer cotidiano e que lança as controvérsias profissionais às posturas éticas do trabalho, sempre ameaçado de resvalar em impasse como jogo de denúncia e silenciamento. (2016, p. 336).

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Ainda sobre esse paradoxo e, conforme Clot em entrevista publicada por Clot, Soares, Coutinho, Nardi e Sato (2006):

há uma verdadeira contradição na gestão profissional, na indústria e nos serviços, sobretudo na área de serviços. Certamente, a gestão tende a individualizar as questões e os sociólogos têm insistido muito nisso, mas o real do trabalho impõe, cada vez mais, um trabalho coletivo; para fazerem face ao real, os trabalhadores têm que fazê-lo juntos. No mundo do trabalho atual há uma gestão individualizante, mas há uma necessidade muito, muito forte do coletivo (p. 103).

Desse modo, o autor afirma que, embora haja essa real tendência à individualização do trabalho por parte de muitas organizações e segmentos específicos, a exemplo da área de serviços, o real do trabalho e todos os dilemas existentes nele precisam do coletivo de trabalho para que o gênero profissional possa se sustentar.

Em adição a isso, Dejours (2011) afirma que “as investigações em psicodinâmica do trabalho dos últimos dez anos demonstram que a introdução e rápida generalização dos novos métodos de avaliação individual do desempenho levada a cabo pelas ciências da gestão tem um papel de primeiro plano na destruição das possibilidades de trabalho colectivo, de cooperação e de solidariedade”. Sendo assim, estes métodos de organização do trabalho estão implicados nos processos de servidão voluntária e de deterioração da saúde mental no trabalho. Então, ao invés da criação dos espaços de ajuda, diálogo, reflexão e compreensão, promovidos a partir da existência dos coletivos de trabalho, por exemplo, podem haver lugares vazios, preenchidos de solidão e medo. Nesses, há terreno propício aos abusos de poder, aos assédios morais, injustiças, ameaças e hostilidades.

Como assinala Clot (2014, p. 226), “são essas possibilidades não realizadas que estão na fonte do desenvolvimento possível da atividade”. Ou seja, a fonte do desenvolvimento está no que o sujeito não fez e que continua a poder fazer. Isso o torna agente da mudança, protagonista e analista de sua ação e trabalho, o que se configura como o seu poder de agir, outro conceito de grande relevância para a Clínica da Atividade. Sobre ele, Bendassoli e

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Soboll (2011, p. 63) discorrem, demonstrando o interesse pela ação no trabalho, na medida em que “busca-se criar condições psicossociais para que os sujeitos se apropriem de sua atividade, seja na forma de um retorno reflexivo sobre ela (pensar sobre), seja na forma de ações conjuntas elaboradas pelos coletivos de trabalho, as quais buscam enfrentar as questões ou dificuldades colocadas pelas atividades comuns”. Assim, o desenvolvimento do poder de agir está intimamente associado à capacidade que o sujeito tem de se reconhecer a partir gênero profissional do qual faz parte.

Desse modo, a partir do momento em que o trabalhador produz de maneira criativa em seu ambiente laboral, ultrapassando o limite imposto pelas prescrições da organização, desocupando o lugar do operador de tarefas para aquele que é capaz de elaborá-las de maneira inovadora, demonstrando-as em sua atividade, ele passa a atuar desenvolvendo o seu poder de agir. Porém, é relevante afirmar que as possibilidades de atuação nesse sentido ocorrem na medida em que o sujeito é capaz de afetar-se ou não pelo seu trabalho, conforme demonstra Clot (2010), quando expõe que o raio de ação do sujeito pode ser aumentado ou diminuído a partir do sentido que ele confere ao trabalho que realiza. Nesse sentido, a forma como o sujeito se afeta por sua atividade irá interferir diretamente no processo de esvaziamento ou não da mesma.

É interessante complementar que o conceito de poder de agir proposto pela Clínica da Atividade se relaciona também às ideias de Canguilhem (2009) sobre a diferenciação entre o normal e o patológico no mundo do trabalho. Dessa maneira, para o autor, o processo de adoecimento ocorre quando há uma diminuição dos meios que o organismo dispõe para o funcionamento normal, o que interfere na capacidade que ele possui para se adaptar às circunstâncias da vida. O desgaste foi tão profundo que o sujeito é pouco capaz de se afetar positivamente por sua atividade, e seu corpo sente isso, refletindo toda essa apatia.

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Outra questão que representa um indicador de doença versus saúde no trabalho é o enfraquecimento dos coletivos, conceito já apresentado anteriormente, tendo em vista o processo de individualização no trabalho dos vendedores que foi ilustrado como possibilidade a ser encontrada na presente pesquisa. Assim, como vimos, quando acontece esse enfraquecimento, o sujeito perde a capacidade de se sentir acolhido e parte dos espaços de debate e reflexão acerca do que é um trabalho bem-feito. Sem a possibilidade de participar dessas discussões, o trabalhador se sente sozinho, num verdadeiro dilema sobre como realizar o seu trabalho. Dessa maneira, privado do reconhecimento do outro – o que seria possível caso existisse um coletivo de trabalho atuante – o sujeito pode se perceber desapropriado de seu poder de agir.

Assim, é no desenvolvimento, análise e restauração do poder de agir dos trabalhadores em ação que a Clínica da Atividade se direciona. Para isso, é imprescindível considerar a importância do funcionamento efetivo de um coletivo de trabalho, além do espaço de cada trabalhador, como indivíduo que é em sua singularidade e potencial de criação. É na harmonia entre a capacidade de estilizar do trabalhador e o papel do coletivo, reforçado pelo gênero profissional, que emerge, então, o poder de agir.

Nesse sentido, considerando o objetivo central dessa pesquisa, que visa compreender a atividade do vendedor de varejo, investigando sua relação com a mesma e com o seu gênero profissional, é que iremos adotar os operadores teóricos da Clínica da Atividade como perspectiva. Em adição a isso, buscaremos criar condições para o desenvolvimento desses trabalhadores, com o olhar, direção dessa perspectiva teórico-metodológica, que se afasta dos modelos tradicionais de pesquisa, os quais consideram o lançamento de hipóteses como ponto de partida para a construção das ideias e posterior testagem das mesmas. Mais adiante, então, serão apresentados esses pressupostos que sustentam e referenciam a presente pesquisa, assim como seu objetivo central.

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4. Método

O objetivo da pesquisa foi compreender a atividade do vendedor, investigando sua relação com a mesma e com o seu gênero profissional. Esse estudo é orientado por operadores teórico-metodológicos da Clínica da Atividade, conforme já mencionado, considerando a visão ampliada que essa perspectiva possibilita a partir de sua concepção de sujeito. Espera-se, assim, ir além de uma simples demonstração ou explicação, buscando uma compreensão anterior para que se possa acessar o conhecimento buscado.

Assim, trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo, que possibilitou a construção dos dados de maneira interpretativa, em que o sujeito-participante é ativo e está em constante relacionamento com o pesquisador, sendo analista de seu próprio trabalho e facilitando a construção e elaboração do conhecimento a partir disso. Este estudo contou com a participação da configuração de um conjunto de oito vendedores de varejo – voluntários – que assumiram uma parceria junto ao pesquisador, tendo sido encorajados pelo mesmo a refletir acerca de sua atividade, unidade de análise desse trabalho. As intervenções desenvolvidas buscaram obter respostas para as questões do presente estudo, discorridas anteriormente.

Abaixo, segue um esquema que sintetiza a proposta de trabalho, da metodologia às estratégias de intervenção:

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