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DOCUMENTAL

A pesquisa produzida pelo campo da Educação Ambiental procura conhecer os problemas ambientais resultantes do tipo de organização social que a sociedade ocidental moderna aprofundou, para que, a partir da educação, seja capaz de intervir, de maneira efetiva, na solução de tais problemas. No entanto, ao se referirem sobre este conjunto de situações problemáticas que envolvem a questão ambiental, a degradação do meio ambiente físico, a desigualdade social e a injustiça ambiental, os trabalhos analisados fazem uso de diversos termos, contextos e abrangências.

Os termos que foram utilizados para designar a crise variam entre “crise ecológica” (T3362; T928), “crise ambiental” (T77, T7643, T3396; T2252; T2254; T928) e “crise socioambiental” (T83). Nem sempre os trabalhos estabelecem clara distinção entre os termos, visto que observamos, em certas ocasiões, os termos serem utilizados como sinônimos, sem que se apoiassem em nenhum critério. Ao nosso entender o termo “crise socioambiental” parece mais representativo dessa crise à qual estamos submetidos, pois é capaz de expressar as desvantagens sociais e políticas das classes menos favorecidas diante da situação de degradação ambiental acelerada.

Enfim, os trabalhos analisados concordam que a humanidade atravessa atualmente um momento de crise. “Crise da cultura ocidental” (T928, T6071); “espiritual” (T2252; T3362); “da desmesura” (T2254; T3362); “de percepção” (T3362); “de identidade” (T3396); “de valores” (T3362; T83); “do paradigma civilizacional” (T3362; T2252; T77; T5240); “do pensamento” (T83; T2252); “do conhecimento” (T2577); “de visão de mundo” (T2252); “planetária” (T6071); “policrise” (T7643); ou, enfim, “da Modernidade” (T2252; T2254).

Para demonstrar as semelhanças entre as noções de “crise planetária”, do T6071, e de “policrise”, do T7643, como são expostos os trechos referentes:

David Orr (1992) refere-se às três grandes crises que a humanidade enfrenta atualmente. A primeira é a crise de alimentos “evidente na intersecção de duas

curvas num futuro não muito distante”. A segunda crise no horizonte é aquela

causada pelo fim da era da energia barata. Quanto à terceira crise, talvez ela possa ser melhor simbolizadas pelas crescentes transformações globais no clima e pela

aproximação de um possível “ponto de viragem” na capacidade de sustentação dos

recursos naturais. Estas três crises, argumenta Orr, estão em interação e produzem a primeira “crise planetária” da história humana. (T6071, p. 55, grifo nosso)

Ao comentar a crise por que passa a humanidade, Morin (1995:98) denomina esta de uma policrise que nos leva a Agonia Planetária, assim definindo-a: “A Agonia Planetária não é apenas a adição de conflitos tradicionais de todos contra todos, mais as crises de diferentes tipos, mais o surgimento de problemas novos sem solução, é um todo que se alimenta desses ingredientes conflitantes, críticos problemáticos, os engloba, os ultrapassa e torna a alimentá-los.”. (T7643p. 108).

É interessante observar que houve casos de trabalhos, como em T3362, T2252 e T2254, que se utilizaram de mais de uma faceta da crise para lhe caracterizar, indício de sua complexidade inerente. O que, de certa forma, confirma a posição de que “A crise ambiental, ela mesma, é um objeto hibrido (mistos de natureza e de cultura).” (T83, p. 32).

Mesmo que variando entre grandezas e enfoques, os trabalhos analisados parecem indicar que existe um consenso de que a crise ecológica, ambiental ou socioambiental é uma crise complexa, ampla, que já não pode ser reduzida a fatores da escassez ou finitude de recursos naturais caso se queira alcançar êxito em sua superação, visto que apontam para um ou mais fatores que tornam a crise complexa. Todos os trabalhos voltam-se para características ou formas de enxergar/atuar no mundo do projeto de civilização moderno, direta ou indiretamente.

Destaca-se, ainda, uma importante contribuição exposta no trabalho T2577, baseado em Habermas, sobre “ideologias de crise” e “experiências de crise”. Explica-se:

Ainda é Habermas (1980:15) que indica que se pode falar de crise apenas quando membros de uma sociedade experimentam alterações estruturais como sendo críticas para a existência contínua e sentem sua identidade social ameaçada. A existência contínua só é ameaçada quando os fundamentos consensuais das estruturas normativas são danificados, tornando a sociedade anacrônica e expondo o risco de desintegração social[...]. A crise de uma sociedade não depende da percepção que seus membros tenham da crise, se identificam ou não a situação. É possível

distinguir “ideologias de crises” de “experiências de crises”. Assim, as ocorrências

de crises devem sua objetividade ao fato de surgirem de problemas de condução irresolvidos. (T2577, p.18-19, grifo nosso).

Pode-se dizer que no corpus selecionado existe certo consenso de que a Humanidade passa agora por uma “experiência de crise” fundamentada nos problemas criados e mal ou não resolvidos pela Modernidade. Destaca-se também que para alguns trabalhos o foco dado aproxima-se da “ideologia de crise” quando se relevam a questão da mídia alarmista sobre os problemas ambientais.

Dessa forma, é possível afirmar que, para os trabalhos analisados, o campo de pesquisa em Educação Ambiental relaciona a crise socioambiental com o debate da Modernidade/ Pós-Modernidade, chegando até mesmo a estabelecer uma direta relação entre estes dois elementos quando afirma enfaticamente que “[...] a crise ambiental é a crise da Modernidade” (T2252, p. 18).

Por ser esta uma afirmação muito generalista, é importante justificá-la, como foi realizado no trabalho T2252, mesmo que para tanto seja necessária uma longa citação:

Pode parecer um contrassenso, mas é justamente a forma de pensar na modernidade, com seu modelo analítico radical da realidade, que permite ao ser humano perceber a crise ambiental como uma crise específica que pode ser tomada à parte. Podemos dizer que o racionalismo científico deu visibilidade ao que costumamos chamar de crise ambiental. No entanto, o que estamos propondo é talvez a possibilidade de perceber a crise ambiental de uma matriz epistemológica distinta: a partir de um ponto de vista mais totalizante, poderíamos perceber a problemática ambiental como uma crise mais ampla, uma crise de visão de mundo. Uma crise de modernidade. Aí então se explica a sentença: A crise ambiental é a crise da Modernidade. Deste ponto de partida, não poderíamos tratar a crise ambiental de uma forma isolada. Temos que vê-la como parte do todo. Não podemos tratá-la sem que toda a forma de pensar moderna seja colocada em exame ou mesmo em xeque. A crise ambiental é também, crise espiritual, social, política, econômica e pessoal. [...] podemos chegar a duas conclusões básicas sobre a forma moderna de encarar o mundo: primeiro, é a separação entre natureza e cultura que nos faz incapazes de entender nossa origem biológica histórica, e, portanto, nos desenraiza de nossas origens ocasionando um estranhamento com todo o mistério e tudo aquilo que não pode ser explicado pela tecnociência. Esta separação foi determinada pela possibilidade de conhecimento construído e alcançado pela modernidade. Em segundo lugar, é só a partir do fracionamento do conhecimento e da nossa visão de mundo que podemos perceber a crise ambiental. Só um ser humano moderno poderá encarar a problemática ambiental dissociada de outros aspectos constituintes do ser humano, como sua espiritualidade, sua arte, ou seu modo de produção. (T2252, p. 18, grifo nosso).

Em síntese, pode-se compreender a Modernidade como constituinte preciso da crise socioambiental, e a crise socioambiental como parte indissociável das condições da Modernidade. Tal movimento pode ser considerado aporte das construções de pensamento das pesquisas em Educação Ambiental analisadas, pois 60% dos trabalhos do corpus documental (T2252/ T6071/ T77/ T8476/ T515/ T920/ T7169/ T2201/ T2254/ T2577/ T5240/ T83/ T6199/ T3396) estabeleceram este nexo teórico de forma explícita; e em todos, foi possível observar que, de forma latente, a crise ambiental e a crise da Modernidade estão relacionadas a partir da crítica a quatro dos principais elementos do paradigma moderno: o racionalismo, o antropocentrismo, a dicotomia sujeito/objeto e a fragmentação da realidade.

A seguir descreveremos em quais contextos e situações essa relação é estabelecida nos trabalhos analisados. Embora possa tornar a leitura desse texto menos fluida, a longa sequência de citações faz-se necessária para que o leitor tenha contato com as formas e conteúdos, com a linguagem, com os pormenores textuais de cada trabalho.

É possível observar nos trechos destacados dos trabalhos T515, T920, T7169, T2254, T5240, T83, T3396 que a relação entre Modernidade e crise socioambiental é de inerência, de indissociabilidade, não sendo explicada pela relação simplificada de causa-efeito:

Com efeito, parece cada vez mais difícil dissociar “modernidade” de ”crise”. Crise

do mercado do trabalho, crise econômica, crise ecológica, crise social entre outras apontam para um futuro sombrio e nada promissor. (T515, p. 1) O agravamento

dos problemas ambientais está ligado a escolhas feitas no que diz respeito à forma como o conhecimento técnico-científico vem sendo aplicado no processo produtivo. Portanto, as catástrofes e danos ao meio ambiente não são surpresas ou acontecimentos inesperados, e sim uma característica inerente à modernidade, que mostra, acima de tudo, a incapacidade do conhecimento construído neste século de controlar os efeitos gerados exatamente pelo desenvolvimento industrial (Idem, p. 22, grifo nosso).

Mais tarde percebi relacionada a esta tendência humana à cisão, de criar polaridades a incompreensível dificuldade do homem em integrar as diferenças e similaridades, em compor o par de opostos. Na realidade, parecia que nossas constatações residiam a origem e a essência dos problemas fundamentais do homem moderno, e, portanto, a civilização e do ambiente atual. (T920, p. 25, grifo nosso)

Não há como negarmos o sentido de ambiente admitido pela sociedade moderna. Os resultados desta mesma representação mostram-se extremamente claros na crise generalizada que todos enfrentamos. (T7169, p. 142) A crise ambiental que hoje vemos deflagrar-se nos diferentes desastres sociais, bem como, na destruição da própria natureza, emanam das estruturas da modernidade e não das carências de dados informativos, visto que, os grandes responsáveis pela destruição do meio natural e social são eminentemente conscientes e bem informados do que fazem (Idem, p. 159, grifo nosso).

indicam a existência de uma crise multidimensional engendrada no interior da modernidade ocidental que, ao cumprir várias de suas promessas, ao mesmo tempo em que não cumpriu tantas outras, terminou moldando um mundo preenchido pela insustentabilidade nas suas múltiplas e inter-relacionadas dimensões (T2254, p.16, grifo nosso).

A degradação ambiental é nada menos do que um demonstrativo da crise de uma civilização contextualizada na modernidade com base no predomínio da razão tecnológica sobre a organização da Natureza (T5140, p. 34).

Em síntese, a compreensão de que os problemas ambientais implicam e são implicados pelos valores e pelas concepções recorrentes na sociedade disseminou o entendimento de que é o próprio pensamento, quer dizer, o modo moderno de organização das ideias, da produção e dos estilos de vida que está em crise. É a crise do projeto moderno de civilidade (T83, p. 15, grifo nosso).

O homem moderno carrega o estigma de ter se afastado da natureza a ponto de não mais se reconhecer nela. Sua atitude é de alienação do mundo e de si mesmo, sentindo-se como que deslocado, descompasso com o mundo que o rodeia; ou, ao contrário, sentindo que o mundo circundante é que está descompassado em relação ao seu ritmo. Há nesta relação um desconforto que gera a crise. Crise que leva ao caos. O caos amplia a ruptura, que aumenta a crise, que adensa o caos (T3396, p.32- 3).

A relação entre crise ambiental e crise do paradigma moderno também está expressa nos trabalhos analisados através dos exames aos elementos que compõem este paradigma. Observa-se, na crítica direcionada à racionalidade moderna, componentes envolvidos com a constituição e o aprofundamento da crise, como se pode notar nos trechos destacados de T77 e T473:

A racionalidade moderna transforma profundamente as relações entre esta cultura racional e os ecossistemas propiciando desequilíbrios ambientais nunca antes imaginados e possivelmente irreversíveis. (p. 6) A desilusão da razão ocidental, que ocorre junto com o desvanecimento no ar dos paradigmas mais sólidos da modernidade, a crise cultural dos valores e normas, a crise ambiental

que pede um novo tipo de eticidade nas formas de relação da espécie humana consigo mesma, e com os outros seres, são inegáveis chamados de atenção para sair da subjetividade ególotra que historicamente tem sido fundamento da cultura moderna (T77, p. 91, grifo nosso).

A visão de racionalidade científica que acabou colocando homem e natureza um contra o outro, parece começar a dar sinais de esgotamento, em muitos de seus pressupostos. São estes pontos de esgotamento, como forma de explicação última e verdadeira dos fenômenos, que realçam a crise desta Racionalidade Científica, que segundo Santos (1987:23): “Geram uma crise que não só é profunda, como irreversível” (T473, p. 94, grifo nosso).

As inter-relações entre a crise ambiental e o antropocentrismo, valor base do paradigma moderno, pudemos identificar nos excertos evidenciados dos trabalhos T473 e T7169:

Grün (2005) identifica o antropocentrismo como um dos elementos responsáveis pela devastação ambiental, como o pivô da crise ecológica (T473, p. 56). A crise ambiental a que assistimos tem sua origem na concepção de mundo que tem por base a ideia de que o homem é o centro da natureza. Portanto, se quisermos assegurar a compreensão dos fenômenos ambientais e a complexidade da natureza precisamos dispor de uma abordagem sistêmica, que permita ao cidadão educar-se para a sensibilidade e para a responsabilidade diante da questão ambiental (T7169, p.62, grifo nosso).

No trecho seguinte, em destaque no fragmento do trabalho T2201, a crítica direciona- se à “crise cultural”, que desvaloriza comunidades que se relacionam de forma diversa às culturas ocidentais:

Dessa forma ocorre a crise não só ambiental, mas também cultural, com julgamento e repressão de culturas que interagem harmoniosamente com a natureza e pelo preconceito e arrogância que o humanismo impõe, julgando-as primitivas, atrasadas e inferiores; minando qualquer diversidade biológica e cultural (LAYRARGUES, 2001, p. 17, citado por T 2201, p. 36, grifo nosso).

A característica moderna de exaltar as dualidades de forma dicotômica é apontada pelos trabalhos T6071 e T6199, como se observa a partir do trecho apresentado. (Os dois trabalhos apresentam o mesmo trecho, pois o trabalho T6199 baseou algumas de suas considerações no trabalho T6071).

É na base deste dualismo [sujeito e objeto] que se encontra a gênese filosófica da crise ecológica moderna, pois a partir desta cisão a natureza não é mais que um objeto passivo a espera de um corte analítico. Os seres humanos se retiram da natureza. [...] O processo de objetificação, implica simultaneamente domínio, posse, mas também perda, afastamento da natureza (T6071, p. 32/ T6199, p. 16).

A fragmentação da realidade e do conhecimento foi identificada pelos trabalhos T8476 e T6172 como elemento moderno que se relaciona com a crise ambiental, de modo a agravá- la. Veja-se:

E é neste sentido que chamo a atenção para a fragmentação presente na nossa sociedade como uma das grandes raízes da crise atual do planeta. Como se

justifica em: "Tal crise planetária, multidimensional em sua abrangência, pode ser traduzida como uma crise de fragmentação, atomização e desvinculação. Como nunca antes o homem encontra-se esfacelado no seu conhecimento, atomizado no seu coração, dividido no seu pensar e sentir, campartimentalizado no seu viver. Refletindo uma cultura racional e tecnológica encontramo-nos fragmentados e encerrados em compartimentos estanques. Interiormente divididos, em permanente estado de conflito, vivemos num mundo também fracionado em territ6rios e nacionalidades, em estado de guerra infindável." (T8476, p. 29, grifo nosso).

Muito mais que a fragmentação da ciência, a fragmentação do homem, a partir da sua separação da natureza, vem contribuindo para a destruição do mundo e do próprio homem. Para Weil (1994) existe um círculo vicioso, uma “Roda de

destruição”, onde os sentimentos negativos, acentuados pelo individualismo humano

exacerbado vem se acentuando, a cada dia que passa, contribuindo para o agravamento das questões sociais, que por sua vez, não estão dissociadas da degradação da natureza e de seus recursos naturais. Destruição esta, que ameaça a própria vida humana no planeta. (T6172, p.21, grifo nosso)

Outros trabalhos, como o T3362 e o T2254, reafirmam o papel da razão reducionista na fragmentação da realidade e do conhecimento. O trabalho T3362 baseia-se em Capra (1991) para tecer a relação sobre o anacronismo existente entre a crise complexa e os instrumentos reducionistas, como pode ser observado na passagem:

É uma crise complexa, multidimensional, cujas facetas afetam todos os aspectos de nossa vida - a saúde e o modo de vida, a qualidade do meio ambiente e das relações sociais, da economia, tecnologia e política. É uma crise de dimensões intelectuais, morais e espirituais; uma crise de escala e premência sem precedentes em toda a história da humanidade. Pela primeira vez, temos que nos defrontar com a real ameaça de extinção da raça humana e de toda a vida no planeta [...] são facetas diferentes de uma só crise, que é, essencialmente uma crise de percepção, ela deriva do fato de estarmos tentando aplicar os conceitos de uma visão de mundo obsoleta - a visão de mundo mecanicista da ciência cartesiana - newtoniana a uma realidade que já não pode ser entendida em função desses conceitos” (T3362, p. 16)

Apoiando-se na noção de que há incompatibilidades e incoerências da Modernidade que se projetam na crise socioambiental, concordamos com o trabalho T3362 quando aponta que a crise socioambiental não afeta igualmente a todos os homens modernos, aspecto/ideia observado nos dois próximos fragmentos coletados deste trabalho:

É evidente que toda essa crise ecológica é vivenciada de forma mais intensa pelos pobres. Os ricos têm dinheiro para comprar alimentos, que encarecem pela redução das plantações. Não correm o risco de contrair doenças pela ingestão de água contaminada, já que usufruem diariamente de água tratada. Têm acesso à vacinação contra malária e febre amarela. Os pobres, ao contrário, são mais agredidos, pois são mais vulneráveis, por todos os males que o aquecimento global ocasiona. Eles se veem desprotegidos e padecendo, assim como os ecossistemas que formam o planeta Terra. (T3362, p. 28-29, grifo nosso)

O trabalho T3362 fundamenta-se na relação explícita, realizada por Leonardo Boff (1995), entre a crise ecológica e a crise da civilização moderna, como segue:

A crise ecológica, que estamos vivenciando, segundo Boff, tem relação direta com

nossa atual crise do paradigma civilizacional. “Qual a suprema ironia atual? A

vontade de tudo dominar nos está fazendo dominados e assujeitados aos imperativos de uma Terra degradada (...). Ambos, terra e trabalhador, estão feridos e sangram perigosamente” (T3362, p. 29).

Cumpre destacar o fato de que no trabalho T3362 é afirmado de maneira categórica que o “aquecimento global” é um fenômeno comprovado, entretanto, não há consenso da comunidade científica em relação a este fenômeno, que pode ser entendido como um “tema controverso” (REIS, 2013). Em que pese esta observação, o excerto é interessante para demonstrar como a crise da Modernidade está sendo relacionada com a crise socioambiental nos trabalhos analisados.

A injustiça ambiental, aliada ao poder hegemônico (atuante nos polos econômico, político, social e cultural), mantém a desigualdade de condições materiais e aprofunda cada vez mais a degradação do ambiente, porque mesmo aqueles que não participam da Modernidade em sua plenitude, ou por pobreza ou por escolhas, não conseguem viver em liberdade seus parâmetros de organização social e até de espiritualidade. Isto porque, para o modo de produção capitalista funcionar de forma global e perene, é necessário que haja uma grande parcela da população sem acesso a bens naturais e culturais, nem mesmo para a sobrevivência, para criar a necessidade de vender seus bens maiores: a força de trabalho, a propriedade e os recursos naturais.

Este aspecto é discutido no trabalho T2252. Veja-se:

Ora, se a dessacralização da natureza atinge somente um pequeno número de

“modernos”, o problema está no poder que este pequeno número de indivíduos

exerce sobre outras formas de pensar a relação homem e natureza. O problema está no modo hegemônico que obriga indivíduos que, mesmo tendo a natureza sacralizada, não podem ter acesso a esta forma de religiosidade, ou não influenciam de modo concorrente a esta forma hegemônica, talvez por não tiverem um discurso que seja válido nos círculos de poder (T2252, p. 85).

No que concerne à injustiça ambiental como parte constituinte da crise ambiental, os trabalhos analisados revelam que existe, dentro do campo da pesquisa em Educação Ambiental, uma grande preocupação em tornar evidentes as questões da desigualdade social, e pensar como a desigualdade de acesso, posse e uso dos recursos naturais é tão importante quanto pensar em alternativas aos elementos modernos questionados. Para situar esta temática, os trabalhos T2024 e T5240 dialogam com Leonardo Boff nos trechos que seguem:

É por isto que é tão importante resolver a tríade de desafios que nos circunda neste momento: a exaustão dos recursos naturais não renováveis, a suportabilidade da terra e a injustiça social mundial e somente será possível resolver isto na medida em que mudemos nossa forma de pensar, de sentir, de avaliar e de agir frente ao mundo e frente ao outro nosso irmão (BOFF, 1998, p. 26, citado por T2024, p. 67)

Assim como,

[...] a crise ambiental está estreitamente relacionada com a questão social, sendo, neste sentido, corroborado por Leonardo Boff (2008), quando este refere que a crise da humanidade se revela pelo descuido demonstrado com relação à Natureza, ao trabalho infantil, aos aposentados, à saúde pública, etc. Boff (2008, p. 20) ainda refere que [...] há um descuido e um descaso na salvaguarda de nossa casa comum, o Planeta Terra. (T5240, p. 30-31)

Dessa maneira, destituídos do discurso válido nos círculos de poder, o discurso científico e ideológico, a força de intervenção dos grupos sociais excluídos da plenitude da Modernidade permanece enfraquecida, em consonância com a máxima de Francis Bacon, que