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Será o pós-modernismo um estilo ou devemos vê-lo estritamente como ou conceito periodizador ?Terá ele um potencial revolucionário em virtude de sua oposição a todas as formas de metanarrativas e da sua extensão a outras vozes que há muito estavam silenciadas? Ou, não passa de comercialização e domestificação do modernismo e de uma redução das aspirações já prejudicadas deste a um ecletismo de mercado vale tudo? Portanto, ele solapa a política neoconservadora ou se integra a ela? (HARVEY, 2008, p.47).

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O processo de sublimação, na Física, é a transformação de um material do estado sólido para o estado gasoso. No texto é uma referência metafórica ao processo de desmanchar-se no ar da Modernidade sólida.

A Pós-Modernidade propõe uma mutação à Modernidade: ruptura, nova orientação ou extremismo. O prefixo pós sugere, em seu uso habitual, uma marca temporal de superação de um dado fenômeno, após de, depois de. Simples seria se houvesse consenso com o uso do prefixo pós neste contexto. “Quanto ao sentido do termo (pós-moderno) talvez só haja concordância em afirmar que o pós-modernismo representa alguma espécie de reação ao modernismo, ou de afastamento dele. (HARVEY, 2008, p.19).”

Fredric Jameson (2002) fez um estudo detalhado desta visão de sociedade e colabora explicando os termos pós-modernismo e sociedade pós-industrial. Pós-Modernismo é definido por este autor como “a lógica cultural articulada pelas determinações concretas do que se convencionou chamar eufemisticamente de nova ordem mundial” (Idem, p. 5). A citação visa complementar a definição exposta:

[...] parte das formulações de Ernest Mendel que, em O capitalismo tardio, expõe os rumos do atual terceiro estágio desse sistema [o Capitalismo], agora oficialmente batizado de globalização. Sucedendo os estágios de capitalismo de mercado, e do monopolista, ou imperialista, o capitalismo multinacional colonizando áreas tributárias de tal forma que não se pode falar de algum lugar “fora do sistema”, como a Natureza (dada a destruição de formas antigas de produção) ou o Inconsciente, constantemente bombardeado pela mídia e pela propaganda. Nesta nova versão expandida e atualizada o velho mundo do capital, não mais se trata de ver a cultura como expressão relativamente autônoma da organização social, mas [...] demonstrar que o pós-modernismo é a lógica cultural deste novo estágio. (Idem, p. 5, grifo nosso)

É importante frisar o destaque dado por Jameson ao contextualizar o pós-modernismo como uma teoria que não é independente, nova, original, pois

[...] replica, já no próprio título, uma mimésis do modo como são parasitárias de outro sistema (do próprio modernismo), cujos traços residuais, assim como valores e atitudes inconscientemente reproduzidos, tornam-se, então, indicações preciosas da impossibilidade de emergência de uma cultura totalmente nova [...] É apenas reflexo e aspecto concomitante de mais uma modificação sistêmica do próprio capitalismo (Idem, p. 16)

Sustentando-se nas bases da organização produtiva para delimitar temporal, econômico e culturalmente o pós-modernismo, o autor preocupa-se em justificar a escolha do termo Capitalismo tardio para nomear o terceiro estágio do modo de produção capitalista, de tal modo que qualificá-lo como tardio lhe confere a ideia de passagem de tempo, de diferença, de transformações daquilo mesmo e distancia-se dos significados de ruptura, colapso ou fim. Neste sentido, Jameson declara que a sua escolha pelo termo também é ideológica, pois baseia sua opção na origem frankfurtiana do termo, cujo viés crítico pretende sobrepor-se ao uso da expressão sociedade pós-industrial, pois, crê Jameson, este termo gera imprecisões a criar a possibilidade de uma nova realidade, distinta em essência da moderna sociedade industrial.

Mas, este uso do termo pós-moderno significando então outra Modernidade também não é consenso, pois quem faça uso do termo para caracterizar uma nova e diferente sociedade, assim como o fez Lyotard (1979).

O termo pós-moderno nasce nas Artes, especificamente na Arquitetura e na Literatura, movimento contrário do termo modernismo. No campo artístico, o termo pós-moderno debutou na América Hispânica, dos séculos XIX e XX na literatura de Federico de Onís, cujo emprego se deu como um refluxo conservador do modernismo (ANDERSON, 1999). Na Arquitetura, o pós-moderno dá sentido ao urbano como algo necessariamente fragmentado, eclético, efêmero, uma “colagem” de muitos outros movimentos artísticos de épocas distintas, que pretende ser uma crítica concreta aos projetos modernos de Le Corbusier, Mies van der Rohe, Haussmann, cujo foco estava na padronização, na retilinização, e funcionalidade dos espaços urbanos. Charles Jencks16 acredita que o fim simbólico da era Moderna aconteceu a exatos 15/07/1972 na implosão do prédio de habitação popular Pruitt- Igoe, na França, o qual representava a incapacidade de projetos arquitetônicos modernos de solucionar questões da era contemporânea (HARVEY, 2008).

Figura 4: Demolição do conjunto de prédios Pruit-Iggoe (St. Louis, EUA, 1972)

Fonte: Fotografia original utilizada no cartaz do longa-metragem “Pruitt-Igoe Myth”. Acesso em http://www.pruitt-igoe.com/press-materials/

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Jean François Lyotard (1979) tomou “emprestado” do campo artístico para os campos da Filosofia e das Ciências Humanas e empregou o termo pós-moderno como qualidade da cultura das sociedades pós-industriais, para este autor aquelas regidas sob o capitalismo avançado) para determinar um momento em que as metanarrativas17 não explicariam mais o mundo18.

Identifica-se na tradução da obra de Lyotard, A condição pós-moderna (de 1979), que a sua primeira tradução para o português, O Pós-Moderno (1986), gerou uma confusão de sentidos, pois para este autor o termo é um adjetivo que qualifica a cultura de uma dada sociedade, ou seja, não pretendeu cunhar um conceito (o substantivo pós-moderno), mas qualificar a condição contemporânea (a locução adjetiva pós-moderna). (GALLO, 2008)

Penso não ser por acaso que os autores optaram pelo adjetivo; nas traduções, ao se optar pelo substantivo, subverte-se o sentido original dos textos [...] Mas o que dizem efetivamente expressões como pós-modernidade? Elas designam, simplesmente, uma temporalidade: viveríamos hoje em um tempo posterior à Modernidade. Mas o que seria este tempo? Isso tais expressões não são capazes de dizer por si mesmas, e por isso afirmo que elas não têm potência de conceito, sendo filosoficamente vazias. (GALLO, 2008, p. 37)

Por ser um conjunto de ideias que não se sustentam por si, permeado por ambiguidades e contradições, a Pós-Modernidade abriu espaço para que críticas fundamentadas em distintos juízos de valor se direcionassem a ela. Lipovetsky (2004, p. 52), nesta direção, complementa:

O neologismo pós-moderno tinha um mérito: salientar uma mudança de direção, uma reorganização em profundidade do modo de funcionamento social e cultural das sociedades democráticas avançadas. Rápida expansão do consumo e da comunicação de massa; enfraquecimento das normas autoritárias e disciplinares; surto de individualização; consagração do hedonismo e do psicologismo; perda da fé no futuro revolucionário; descontentamento com as paixões políticas e as militâncias

– era mesmo preciso dar um nome à enorme tranformação que se desenrolava no

palco das sociedades abastadas, livres do peso das grandes utopias futuristas da primeira modernidade. Ao mesmo tempo, porém, a expressão pós-moderno era ambígua, desajeitada, para não dizer vaga. Isso porque era evidentemente uma modernidade de novo gênero a que tomava corpo, e não uma simples superação daquela anterior.

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“Para Lyotard, o pós-moderno está marcado por uma incredulidade perante o metadiscurso filosófico metafísico, que possui pretensões atemporais e universalizantes.” (KARAZEK, 2010)

18 Interessa observar que a assimilação do fim das grandes narrativas ou até do fim da História com a Pós- Modernidade não se dá na forma de consenso, pois pensadores, como é o caso de Fredric Jameson, desfazem tal relação, e apontam para a defesa da consideração da História e das grandes narrativas, mesmo pela corrente pós- moderna.

Contudo, o Pós-Modernismo não deve ser considerado somente um erro de interpretação sobre rompimentos ou evoluções paradigmáticas, sendo assim, Terry Eagleton reconhece seus méritos:

O Pós-Modernismo não é, por certo, apenas uma espécie de equívoco teórico. Ele é, entre outras coisas, a Ideologia de uma época histórica específica no Ocidente, em que alguns grupos vituperados e humilhados estão começando a recuperar um pouco de sua história e individualidade. Isso, como argumentei, se constitui sua conquista mais preciosa. (EAGLETON, 1988, p. 118)

Harvey (2008) explicita a possibilidade de atuação crítica do pensamento pós- moderno, em relação ao pensamento estritamente moderno, e demonstra interesse na capacidade nata dos pós-modernos de partir da pluralidade e da heterogeneidade de sujeitos, fatos e valores.

Geralmente percebido como positivista, tecnocêntrico, racionalista, o modernismo universal tem sido identificado na crença no progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional, de ordens sociais ideias, e com a padronização do conhecimento e da produção. O pós moderno em contraste , privilegia a heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras na redefinição reveladoras do discurso cultural. A fragmentação, a indeterminação, e a intensa desconfiança de todos os discursos universais ou totalizantes são o marco do pensamento pós- moderno. (HARVEY, 2008, p.19, grifo nosso).

Ou ainda:

O Pós-Modernismo tem especial valor por reconhecer as múltiplas formas de alteridade que emergem das diferenças de subjetividade, de gênero, e de sexualidade, de raça, de classe, de (configurações de sensibilidade) temporal e de localizações e deslocamentos geográficos temporais e espaciais. (HARVEY, 2008, p. 109)

Ainda que o Pós-Modernismo tenha méritos ao apontar para possibilidades de reinvenção da sociedade, Trein (2008) alerta que esta teoria pode ser pouco crítica, e pode vir a desconsiderar importantes explanações sobre o mundo moderno que não poderia estar superado, visto que o projeto moderno não o teria sido. Em concordância, no que tange à irrealização da Modernidade, Latour (1994), autor que polemizou ao afirmar enfaticamente que jamais fomos modernos, ao evidenciar que o pós-moderno perde-se em vaguidão e indefinições, e desta forma, convive entre a dúvida e a crença, na medida em que é incapaz de acreditar em utopias, mas também tem cautela para duvidar delas.

Gallo (2008) vai além e pondera se a Modernidade seria uma condição infinita, e eternamente articulada às sociedades capitalistas.