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4 ANÁLISE DO DEBATE MODERNIDADE/PÓS-MODERNIDADE NO CORPUS

4.1. Mapeamento dos trabalhos analisados

Nesta seção, inicialmente descreveremos o corpus documental, caracterizando-o segundo a natureza dos trabalhos, a distribuição espaço-temporal (quanto ao ano e local de defesa) e a dispersão dos trabalhos pelas diferentes áreas do conhecimento de que fazem parte, a partir da identificação dos Programas de Pós-Graduação nos quais os trabalhos foram desenvolvidos e defendidos.

Sendo assim, iniciamos as análises dos textos completos pela caracterização do corpus documental. De um total de vinte e quatro documentos que constituem o corpus documental dezoito são dissertações de mestrado e seis teses de doutorado. Notamos que em trabalhos de “estado da arte” sobre produção acadêmica do Brasil a tendência é que seja maior a quantidade de dissertações em relação à de teses de doutoramento, visto que em geral são mais numerosos os programas de pós-graduação com matrículas de nível de mestrado no Brasil. Ainda, destacamos que por se tratar de temáticas sobre fundamentos em Educação proporcionalmente é maior do que em outras pesquisas realizadas dentro do projeto Earte (REIS, 2013, por exemplo).

Estes trabalhos foram defendidos entre 1992 e 2009, e apresenta concentração no período entre 2006-2009 (três trabalhos). 0 2 4 6 8 10 1992 - 1995 1996 - 2000 2001 - 2005 2006 - 2009

Gráfico 1: Gráfico de dispersão de teses e dissertações por ano de defesa

Teses Dissertações

Fonte: Elaborado pela autora (2014)

As teses e dissertações foram defendidas em dezenove instituições diferentes, com destaque para USP (foram quatro trabalhos defendidos), FURG (dois trabalhos) e URGS (dois

trabalhos). As outras instituições são: Unicamp, Ufscar, UFSM, Ufam, UNB, EST, Ufes, Unimep, UFPR, FURB, UFRRJ, UFRJ, Unicid, UCG, FGV-RJ, e Unijuí. Observa-se, então, que do total de trabalhos selecionados, 54,1 % estão localizados na região Sudeste (SP - oito; RJ - quatro; ES – um), 33 % na região Sul (RS – seis; PR – um; SC - um), 8% na região Centro-Oeste (GO – um; DF – um), e por fim, 4 % na região Norte (AM -um). Não há, dentre os trabalhos constituintes desse corpus documental, nenhum desenvolvido na região Nordeste do Brasil.

Fonte: Elaborado pela autora (2014)

A concentração de trabalhos defendidos nas regiões Sudeste e Sul não surpreende, pois mantém a proporção de produção científica concentrada nesta região do país, em consonância com a concentração de Universidades, Faculdades e Centros de Pesquisa, principalmente em instituições públicas, como já fora registrado como uma tendência nas pesquisas produzidas no âmbito do “Projeto Earte” (SOUZA, 2012; REIS, 2013).

Das pesquisas selecionadas dezenove foram produzidas por instituições públicas, três em instituições confessionais, e duas em instituição privada. Nota-se que a temática desta investigação chama a atenção de pesquisadores de instituições confessionais, possivelmente pela relação entre a filosofia judaico-cristã e a constituição da Modernidade, e a influência do cristianismo no aprofundamento da dicotomia entre corpo e espírito, natureza e cultura.

É interessante notar a diversidade de Programas de Pós-Graduação nos quais os trabalhos foram realizados. Será este um indício da proposta de interdisciplinaridade desejada pela pesquisa sobre Educação Ambiental? Quanto à distribuição de trabalhos por áreas, nitidamente há um destaque para o curso de pós- graduação em Educação (dez trabalhos),

seguido dos Programas de Pós-Graduação em Desenvolvimento (três trabalhos), em Educação Ambiental (três trabalhos), em Psicologia (dois trabalhos), em Ciência da Religião ou Teologia (dois trabalhos), em Ecologia (dois trabalhos), em Engenharia (um trabalho), e Geografia (um trabalho), como pode ser observado no Gráfico 3.

Fonte: elaborado pela autora (2014)

Esta grande diversidade de programas de pós-graduação nos quais os trabalhos foram desenvolvidos pode demonstrar que a problemática ambiental, temática emergente na pesquisa brasileira, é abordada de forma dispersa nas áreas de conhecimento. Mas, que especificamente os trabalhos sobre pesquisa em educação ambiental provavelmente está concentrando-se em programas de Educação, ou em programas de Educação Ambiental. Neste corpus documental, pouco mais da metade dos trabalhos foram desenvolvidos nestes programas. Consideramos interessante este foco em programas de pós-graduação em Educação e em Educação Ambiental, pois assim as pesquisas devem preocupar-se mais com os fundamentos desta área do saber.

Além do mapeamento dos trabalhos selecionados apresentamos a seguir a discussão das análises dos vinte e três trabalhos completos que constituem o corpus documental, visto que um trabalho, depois de esgotados os caminhos de busca conhecidos, não foi localizado.

4.2 “O desencantantamento do mundo” no corpus documental

Parece haver um interesse comum expresso nos trabalhos analisados de Educação ambiental, confirmando a tendência neste campo de pesquisa, em criticar o paradigma da

Modernidade, quando se trata dos fundamentos da crise socioambiental, “[...] Paradigma este em que foram gestados os ingredientes para a fórmula analgésica com que o ocidente pretendeu se libertar do mal-estar da dúvida (T2577, p. 41)”. Entretanto, esta crítica se dá, neste conjunto de vinte e três trabalhos analisados, em proporções muito diversas entre si. Percebe-se que em poucos trabalhos a Modernidade é tida com um mal sem cura (2024, T920), e em cinco trabalhos são apontadas contribuições e oportunidades decorrentes desse paradigma(T928, T6071, T83, T515, T5240).

No trabalho T473 é exposta uma possível justificativa para a constante e presente crítica do campo da Pesquisa em Educação Ambiental em relação à Modernidade, segundo o trecho destacado a “fragmentação do conhecimento” que gera certa “confusão do conceito” de meio-ambiente. “Essa confusão conceitual tem suas origens nas raízes da modernidade, que fragmentou o conhecimento. A fragilidade conceitual que se verifica é resultado da instabilidade do conceito de natureza”. (T473, p. 46)

Esta tendência à fragmentação soma-se a “cisão” de elementos indissociáveis como, por exemplo, “entre o pensamento, a fala e o gesto” característicos da modernidade que devem ser combatidas, ou pelo menos melhor compreendidas, segundo o exposto pelo trabalho T920 ( p. 12):

Constituiam desdobramentos de uma tendencia básica do homem moderno: a cisão entre o pensamento, a fala e o gesto. Todo um conjunto de contradições parecia em ultima instancia estar relacionado a ela. Contradições entre o discurso multodisciplinar e o gesto disciplinar, contradições entre a recomendação institucional de promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a falta de informações, estrutura e espaço (físico e temporal) mínimos voltados a formação de educadores na área, entre o discurso interdisciplinar e a forma de organização e socialização das informações de modo compartimentado e sem grandes articulações diferentes áreas do conhecimento entre o conhecimento adquirido mediante a própria vida e áquele que é adquirido mediante a ciência, entre a racionalidade e a intuição, entre o mundo natural e o criado pelo homem. Estas e tantas outras contradições constituíam no fundo desdobramentos daquela tendência básica [de criticar a cisão moderna].

Com a finalidade de conhecer mais profundamente a visão das pesquisas analisadas, em relação a Modernidade toma-se o conceito esclarecido no trabalho T2252:

Ao conjunto de experiências de tempo e espaço, de percepção de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida, que é compartilhada por homens e mulheres em todo o mundo em uma determinada época, como a nossa, estamos aqui chamando de Modernidade. (T2252, p. 18-19)

A condição de “cisão” permanente entre o que não se separa, alinha-se a conceituação de Modernidade elaborada no trabalho T6071, cujo delineamento conceitual situa-se na

“tradição de ruptura” da sensação temporal, em uma “constante negação do passado” (p. 46), supervalorização do presente e descompasso do futuro, a partir de Hanna Arendt. Para este entendimento, o moderno é, segundo Adorno, “presente puro”. Sobre esta noção, entende-se que:

A modernidade é, sobretudo, uma tentativa de esquecer o nosso vínculo indissociável e permanente com o horizonte fornecido pela tradição histórica, a qual pertencemos. Segundo Adorno (1986) a modernidade alimenta a ilusão de um

“presente puro”, desenraizado historicamente. (T6071, p. 83)

A referência à Modernidade como aquela que abdica do passado para o desfrute de um “presente puro” também está contida no trecho retirado do trabalho T7169: “A este triunfo da "razão", onde nada parece fugir as leis e regras formuladas por esta mesma maneira de estruturar o pensamento, na euforia de enfim transporem-se as amarras de um passado dito irracional, chamou-se modernidade" (T7169, p. 47).

Mas, se “A modernidade caracteriza-se por um processo de abandono da tradição” (T6071, p. 46), podemos questionar o que a Modernidade silenciou? Segundo o que foi destacado neste trabalho as “áreas de silêncio” criadas pelo abandono da tradição são a ausência absoluta de referência aos fatos óbvios, por exemplo, que os fenômenos descritos pela economia e a química acontecem em um espaço físico, ou ainda o uso despreocupado da linguagem que mascara que o “novo” nem sempre é uma novidade. Nesta mesma direção, no trabalho T473 é proposto o uso do termo “geografia e educação ambiental (GEA)” que tem o sentido de “resgate das dimensões não - humanas esquecidas pela Modernidade” (T473, p. 55), ou das “áreas de silêncio”.

Para clarear este tipo de crítica que se faz à Modernidade nas pesquisas analisadas, destaca-se a rica discussão sobre a Modernidade realizada por Bruno Latour, na obra “Jamais fomos modernos” que está presente no trabalho T473 de modo a fundamentar o conceito de ‘híbrido”, o qual permeia todo o trabalho analisado. De acordo com o autor desse trabalho,

Latour traz para a palavra “moderno” a hipótese de dois conjuntos de práticas totalmente diferentes que, para permanecerem eficazes, devem permanecer distintas. O primeiro conjunto de práticas cria, por “tradução”, misturas entre gêneros de seres completamente novos, híbridos de natureza e cultura. Esse primeiro conjunto corresponde às redes e conexões. Por exemplo, conectaria em uma cadeia contínua a química da alta atmosfera, as estratégias científicas e industriais, as preocupações de chefes de Estado, as angústias dos ecologistas. O segundo, por seu

turno, cria por “purificação” duas zonas ontológicas inteiramente distintas, a dos

humanos de um lado e a dos não - humanos de outro. Esse segundo conjunto estabeleceria uma separação entre o mundo natural que sempre esteve aqui, uma sociedade de interesses e questões previsíveis e estáveis, além de discursos independentes. Para o autor, sem o primeiro conjunto, as práticas de purificação seriam vazias e supérfluas. Sem o segundo, o trabalho da tradução seria freado,

limitado. Segundo o autor, enquanto nós considerarmos separadamente estas práticas, seremos realmente modernos, ou seja, estaremos aderindo sinceramente ao projeto da purificação da crítica, ainda que este se desenvolva somente através da proliferação dos híbridos. Latour (1994) utiliza o conceito de híbrido para mostrar uma prática totalmente desconsiderada na modernidade - misturas entre seres completamente novos: híbridos de natureza e cultura (T473, p. 52 – 53).

Interessante também é a síntese sobre a Modernidade que está exposta nos textos T3396 e T77, a partir das ideias de Marshall Berman (1986): “a modernidade é perpétua desintegração e renovação, agitação e angústia, ambiguidade e contradição.” (T3396, p. 66). “Desintegração e renovação” são duas das principais características sobre a Modernidade que Berman (1986) exaltou para criar poeticamente a atmosfera de contradições que constitui a vida moderna, na qual “tudo que é sólido se desmancha no ar”, “fazendo do paradoxo e da contradição as condições de existência da modernidade” (T3396).

Sua “capacidade inesgotável de mudança” (T77, p. 63), argumento das obras do poeta Baudelaire e do filósofo Habermas, também foi objeto de destaque nos trabalhos. Este movimento contraditório e paradoxal da Modernidade também foi explorado em outros dois trabalhos analisados (T2252 e T3362), que focaram este movimento contínuo moderno sob a ótica de Boaventura S. Santos (2007) com a mesma passagem: “Como diz Boaventura, a emancipação foi sempre um dos polos na construção da modernidade. O outro polo é o da regulação”. (T2252, p 54; T3362, p 15, grifo nosso).

Apesar de ciente da urgência de superar algumas das características da Modernidade, as quais foram apontadas pelos trabalhos analisados como possíveis causas da crise socioambiental, é interessante notar a partir da afirmação que “Com a Modernidade o homem passou a ter a maior liberdade religiosa que já pode ter” (T2252, p. 95), o trabalho T2252 preocupa-se em frisar as contribuições dadas pela Modernidade, as quais possibilitaram a Humanidade atingir liberdades e de conhecimento jamais antes imaginado.

“A luta da modernidade centra-se, então, em desnaturalizar o ser - humano para fazê- lo livre” (p. T77, 40). Esta “luta” moderna em civilizar o homem, afastando-o de suas condições naturais é detalhada no trecho do trabalho T83:

Cabe, portanto, ao projeto moderno de sociedade, resgatar os homens da subjugação da natureza e da condição de selvageria para inseri-los no mundo da razão. Assim, as ideias de civilidade e de modernidade remetem à noção de uma vida futura baseada no progresso e na prosperidade das cidades e “na crença de que a ciência pode com o tempo desvendar todos os segredos da natureza (durante o iluminismo); na ideia de uma economia humana em expansão contínua (Era Industrial); na crença contemporânea de que as futuras inovações tecnológicas e de que a engenhosidade humana irão por si só resolver todos os problemas humanos e ambientais” (HUTCHISON, 2000, p. 30, apud por T83, p. 71)

Neste trecho do trabalho T83 ficam explícitos os sonhos modernos nos quais se esperava que a “civilidade” opusesse a “condição de selvageria”, a barbárie, à medida que a razão vencesse a ignorância, e com esta, o temor do desconhecido. Sem medos, a humanidade desenvolver-se-ia sem limites. A Modernidade representa um sonho do progresso material aliado ao desenvolvimento humano, a partir da liberdade espiritual e da aprendizagem sobre “as engrenagens” da natureza. Assim, se os segredos do Universo fossem aprendidos toda crise natural, ou problemas decorrentes a escassez de recursos, poderiam ser solucionadas a partir das técnicas corretamente aplicadas pela ciência.

No trabalho T2252 são levantadas as contribuições à liberdade que o homem passou a ter a partir da Reforma Protestante, cujo legado principal foi “o novo espírito do capitalismo moderno” que a partir da valorização do individualismo (encontrar a salvação diretamente com o criador) “desmistifica por completo a relação mística entre ser humano e a natureza” (p. 99), e cristaliza um processo de constituição de um “novo ethos espiritual”.

Para tornar o homem um ser livre, como quer a Modernidade, a fé passou a não ser mais valorizada como forma de conhecimento, e separou-se do saber, tornando a sociedade confusa entre seus valores, como que “esquizofrênica”. Baseando suas ideias em Jung, no trabalho T920 explica-se que

A ciência entre fé e saber é um sintoma da cisão de consciência que caracteriza o estado de perturbação espiritual da época moderna. E como se duas pessoas diferentes professassem afirmações sobre um mesmo fato, cada um sob o seu próprio prisma, ou então como se uma mesma pessoa projetasse uma imagem de sua experiência em dois estados psíquicos diferentes. Se colocarmos em lugar de uma pessoa a sociedade moderna geral, ela sofrerá de dissociação psíquicas., isto é, de um distúrbio neurótico. (T920, p. 26)

Entretanto, os mesmos louros que a Modernidade alcançou trouxeram consigo a noção de que o homem liberto do pavor que a natureza lhe causava poderia sobrepor-se a ela. Como está exposto no trabalho T2252:

Podemos notar que, em sua essência, o pensamento moderno, com o intuito de libertar o homem de suas amarras da impossibilidade do saber, objetivou a natureza para que dela pudesse fazer uso, causando assim, uma separação ou um distanciamento entre o homem e a natureza. (T2252, p. 46)

Desta forma, como exposto neste mesmo trabalho, dialeticamente a Modernidade “[...] trouxe a noção de liberdade e de livre-arbítrio, mas trouxe também em seu seio um distanciamento do homem de seu meio natural.” (T2252, p. 10). Assim, nos trabalhos T2252 e T83 os elementos contraditórios e paradoxais modernos, constituintes da razão moderna estão delineados, como se pode observar na passagem:

A lógica moderna é corrosiva, assevera Serres, pois que “agindo em causa própria a tudo dilui”. A razão sugere o autor deve ser revisitada desde sua dimensão

paradoxal, ou seja, como fonte de criação e destruição, como princípio da emancipação humana e, ao mesmo tempo, como fonte de crises, incertezas e dependências insuperáveis. Nesse sentido, oferece elementos para desmistificar o processo de modernização, impulsionados pelo desenvolvimento da razão, e para entendê-la como fonte de possibilidades construtivas e destrutivas tanto do ambiente social, quanto do natural. Em resumo, Morin põe à prova a ideiade que a emergência da razão moderna tenha viabilizado a emancipação do homem e de que a suposta superação da subjugação da natureza tenha se consolidado efetivamente. (T83, p. 19, grifo nosso)

Quem também parece duvidar do alcance das promessas da Modernidade “igualdade, liberdade, paz perpétua e dominação da natureza” é Boaventura de Sousa Santos, que, a partir do trabalho T2254, aponta que “a única promessa que fora cumprida foi a de dominar a natureza”. Para exemplificar que a “promessa moderna do domínio do meio natural” está sendo cumprida, o autor português discute sobre a perda da biodiversidade e da questão do acesso restrito a água potável. Já as “promessas de igualdade, liberdade e paz perpétua” foram continuamente negadas pela História. Para apresentar este aspecto da Modernidade, soma-se no trabalho T2254 o pensamento de Cristovam Buarque:

[...] o século XX mostrou a força de seu conhecimento e a vergonha de seu comportamento. Mostrou que em nosso tempo o ser humano foi capaz de liberar a energia dentro dos átomos e incapaz de controlar a maldade dentro de seu coração; capaz de controlar a energia da matéria e incapaz de evitar o uso desta energia contra seus semelhantes (BUARQUE, 1999, p.15 apud T2254, p. 30).

Ainda sobre a incoerência entre o avanço técnico e o retrocesso ético do triste episódio que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial, o mesmo trabalho complementa com Horkheimer no trecho:

Nunca a pobreza dos homens se viu num contraste mais gritante com sua possível riqueza como nos dias de hoje, nunca todas as forças estiveram mais cruelmente algemadas como nessas gerações onde as crianças passam fome e as mãos do pai fabricam bombas (HORKHEIMER, 1990, p.77 apud T2254, p. 38).

Contradição que como deixa claro o trabalho T2254 não é exatamente uma surpresa quando se trata de sociedades modernas, visto que por todo o período de desenvolvimento e consolidação da Modernidade a violência e a desigualdade estiveram presentes. Pois,

Esse rico período da história, marcado por progressos no campo da técnica e da ciência, nas sociedades do ocidente europeu, conviveu com a expropriação de camponeses na própria Europa, a humilhação imposta aos negros africanos, o massacres de índios nas colônias e a crueldade da perseguição religiosa impulsionada pela Inquisição, que não se configurava como algo excepcional em meio a tantas outras formas de violência (T2254, p. 9).

Promessas que não podem se cumprir dentro das balizas da racionalidade modernas, segundo o que consta na apreciação contida no trabalho T7169 (p. 48-49): “A produção, o consumo de massas e os instrumentos da modernidade colocados a serviço de intenções

medíocres, demonstram claramente que o ser humano continua prisioneiro de estruturas racionais capazes de aceitar a exclusão, a dominação e a exploração do diferente”.

No mesmo sentido, o trabalho T2254 aponta a “situação paradoxal” dos seres- humanos gerada pela “evolução técnica e científica”, visto o excerto abaixo:

No entanto, paralelamente à ilimitada evolução técnica e científica, evidencia-se uma situação paradoxal manifesta no estado de mal-estar coletivo, gerador de múltiplos desconfortos para os seres humanos, independentemente de raça, gênero, convicção religiosa e classe social. (T2254, p. 7-8)

Este “mal-estar coletivo” pode ser compreendido como a sensação de insegurança e medo que a crise civilizacional nos traz. Uma grande contradição, portanto emerge, pois a Modernidade projetada para racionalizar o mundo e as relações pode abrir espaços para práticas inconsequentes e irracionais. Mas, no entanto, com espaços abertos para este tipo de práticas, por que não seriam também, dialeticamente, espaços de reflexão sobre este processo?

As pesquisas T83, T515, T5240 têm em comum a conceituação de certa forma otimista da Modernidade situada dentro da proposta de Giddens, Lash e Beck (1997), os quais formularam a ideia de “Modernidade Reflexiva”, o que significa a partir da passagem contida em T83 que:

A modernidade, ou a sociedade de alta complexidade é autocrítica e constituída por conhecimentos que são reflexivamente aplicados e, por isso, frequentemente revisados. Essa auto-reflexividade que possibilita à modernidade olhar para si mesma, confrontar-se com seus próprios limites, fornece um terreno fértil para a construção de novas bases éticas, educativas e valorativas para a prática humana e, portanto, para se repensar e redimensionar a relação entre a sociedade e a natureza. Isso porque a modernidade reflexiva é o novo que incorpora e desincorpora a

tradição num processo de destruição criativa “em que um tipo de modernização

destrói o outro e o modifica”. (T83, p. 142)

Reflexivamente, em seu processo de “destruição criativa” a Modernidade, segundo os autores citados, reinventa-se, modifica-se de “dentro para fora”, e a partir das condições contemporâneas, materiais, tecnocientíficas e informacionais, transforma toda a estrutura social e individual “[...] a modernização dissolve hoje os contornos da sociedade industrial e na continuidade da modernidade surge outra figura social. (T5240, p. 19). Hoje, como é sugerido no trabalho T5240 a “nova” promessa da Modernidade é o consumo como imagem de qualidade de vida, no processo criativo inverso ao seu anterior, por meio da ‘construção destrutiva”.

Figura 8: Performance corporal e instalação sobre a construção do conhecimento no contexto da “Modernidade Reflexiva”.

Fonte: Fotografia de Paula Caldas, performance corporal “Ariadne” apresentada no V INTEGRAP, Rio Claro/SP (2012).

Sobre a consolidação da sociedade globalizada, que pauta-se no consumo como valor principal, no trabalho T5240 é destacada a forma com que o consumo inseriu-se na vida das pessoas, na contemporaneidade, ainda que, neste caso, esteja referindo-se à sociedade pós- moderna. Veja-se:

A vida do consumidor não tem normas, é regida pela sedução, pelos desejos