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4 ANÁLISE DO DEBATE MODERNIDADE/PÓS-MODERNIDADE NO CORPUS

4.7 O reencantamento: alternativas dadas pelos trabalhos analisados para enfrentar as contradições

4.7.2 Fim do paradigma moderno?

Quatro trabalhos apostam na ruptura total ou contínua do paradigma moderno.

No trabalho T6199, a partir das considerações sobre os limites do paradigma moderno realizadas por Sergio Rouanet, aborda-se com certa convicção “de que estamos transitando para um novo paradigma. Esta convicção também está expressa nos trabalhos T2254 e T4142. O desejo de ruptura leva a convicção de que essa ruptura já ocorreu, ou está em vias de ocorrer” (T6199, p. 19).

Já, de acordo com Morin, no trabalho T83, a fratura entre paradigmas ainda não ocorreu, podemos nos aproximar desta visão a partir da citação:

O velho paradigma está desfeito em migalhas, o novo ainda não está constituído. Mas a noção de vida já se modificou: está, implícita e explicitamente, ligada às ideias de auto-organização e de complexidade. A nova teoria biológica, por mais embrionária que seja, altera a noção de vida. A nova teoria ecológica, por mais embrionária que seja, altera a noção de natureza (T83, p. 111, grifo nosso).

O desejo de romper com o paradigma hegemônico tem fundamento na condição insustentável do progresso e crescimento econômico e da qualidade de vida estarem, hoje, relacionados diretamente a acumulação, e esta ancorada em um sistema econômico que depende da exploração dos recursos naturais. Boaventura de Sousa Santos, citado no trabalho T4142, detalha este “círculo vicioso”, da seguinte forma:

[...] encontramo-nos hoje em uma fase de transição paradigmática no plano da sociedade global, pois o processo civilizatório instaurado pela conjunção da modernidade com o capitalismo mais uma vez dá sinais de esgotamento, que pode ser percebido a partir de dois sintomas: primeiro, a conversão do progresso em acumulação capitalista, que teve como consequência a apropriação da natureza como fonte de matéria-prima e por isso, condição de produção. Esta apropriação indébita da natureza começa a ser sentida à medida que aumentam os riscos de catástrofes ecológicas; o segundo refere-se às crises de acumulação do capitalismo que até hoje sempre foram respondidas com novos processos de expansão e ampliação que parecem ter chegado aos seus limites. O mercantilismo e a mercadorização de bens e serviços passam a confrontar-se com a nova biologia e com a necessidade de preservação da integridade do corpo humano. Em outras palavras, a busca de uma percepção integral da realidade sugere que o capitalismo tenha provocado a fragmentação na percepção, necessária à integração do planeta terra na economia capitalista mundial. Diante deste quadro, se quisermos buscar alternativas de superação do conflito instituído pela modernidade, a única utopia realista é a utopia ecológica e democrática (T4142, p. 24, grifo nosso).

Neste sentido, para o trabalho T4142, A “utopia realista”, “ecológica e democrática” mais difundida para que se supere o esgotamento dos recursos naturais, sem “abrir mão” do conforto e progresso modernos é o “Desenvolvimento Sustentável”.

4.7.2.1 Paradigma moderno, porém sustentável?

O “Desenvolvimento sustentável” é uma proposta de desenvolvimento econômico e político, ancorado na sustentabilidade e justiça ambientais, e como se vê, não deve ser considerada uma proposta de transição paradigmática, pois mantém suas bases na Modernidade. Este modelo desenvolvimentista foi amplamente difundido pelo Relatório de Bruntland, ou “Nosso Futuro Comum” (1987), texto este que foi inspiração para muitos dos trabalhos analisados, sobremaneira o T2254, no qual é esmiuçado o tema, como segue:

Demonstrado o esgotamento dos modelos reducionistas de desenvolvimento, engendrados na modernidade, urge o descortinamento de novas concepções que integrem as variadas dimensões do existir, para que, a partir dos desejos e das ações

individuais e coletivas, seja possível a construção de uma sociedade radicalmente democrática e solidária. Partindo desta compreensão, refletirá acerca do Desenvolvimento Sustentável, que se configura como uma utopia realista, capaz de potencializar consistentes críticas aos múltiplos problemas resultantes da modernidade ocidental. (T2254, p. 23)

Este olhar sobre o “desenvolvimento sustentável” que o entende como “capaz de potencializar consistentes críticas aos múltiplos problemas resultantes da modernidade ocidental”, ao tornar explicito o “esgotamento dos modelos reducionistas de desenvolvimento” é criticado pelo trabalho T2201, no qual se diz que as “soluções técnicas [como a sustentabilidade ambiental], seguindo esta lógica tecnicista, são de ordem técnica, enquanto o problema ambiental, é de ordem estrutural. Dessa forma, a noção de sustentabilidade ambiental é enveredada para a convergência no paradigma cartesiano vigente” (T2201, p. 32).

Percebe-se então, que a possibilidade do “desenvolvimento sustentável” não é aceita consensualmente como uma possibilidade ao modernismo, visto que é estruturada pelo mesma lógica moderna. Deste modo, em T5240, o discurso da sustentabilidade é enquadrado na racionalidade econômica neoliberal, explica-se “seu intuito não é internalizar as condições ecológicas da produção, mas proclamar o crescimento econômico como um processo sustentável, firmado nos mecanismos do livre mercado como meio eficaz de assegurar o equilíbrio ecológico e a igualdade social (T5240, p. 34).

Assim como não há consenso sobre a necessidade de superação dos limites do paradigma moderno, ou de algumas de suas características entre as pesquisas analisadas, o conceito de “paradigma” também não o partilha, uma vez que existem entre estas pesquisas diferentes compreensões sobre este termo. Com a intenção de clarificar sobre o quê estas pesquisas analisadas estão denominando de paradigma, a seguir detalharemos as suas mais diferentes conceituações encontradas no corpus documental.

4.7.2.2 A categoria Paradigma

Se o conceito mais comum para a ideia de transição paradigmática permanece sendo o de Thomas Kuhn a partir da obra “A Estrutura das Revoluções Científicas”, de 1962 (defendido por nove trabalhos), ele não é aceito de forma generalizada, como é o caso do trabalho T6172.

Thomas Khun utilizou o seu conceito de "paradigmas" cujo significado para o trabalho T8476 é as "realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo,

fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência." (KHUN, 1992, p. 13, apud T8476, p. 42). Nesta conceituação a noção de paradigma está imbricada ao fenômeno científico. Ressalvamos que o próprio conceito de paradigmas de Kuhn também é polissêmico uma vez que é possível percebê-lo com muitas significações27.

A seguinte definição encontrada no trabalho T2976 amplia a acepção de paradigma elaborado por Kuhn:

O autor define paradigma como uma constelação de feitos, conceitos, valores, técnicas, etc., compartilhados pelos membros de uma sociedade, formando um sistema disciplinar cujo qual esta sociedade se utiliza para definir problemas e soluções legítimas (T2976, p. 24-25).

Nos trabalhos T3362 e T2201 são apresentadas e discutidas as mudanças de paradigmas ou “revoluções científicas”, pois “[...] para Kuhn, as mudanças de paradigma ocorrem em rompimentos rápidos, descontínuos revolucionários.” (T3362, p. 14), e

quando não se pode mais esquivar de anomalias que subvertem a tradição da prática científica (complementos desintegradores da tradição à qual a atividade da ciência normal está ligada) ocorre a revolução científica, impondo um novo conjunto de compromissos decorrente da nova base para prática da ciência (KUHN, 2001, apud T2201, p.24 ).

Contudo, para Morin, nesta visão de mudança paradigmática há problemas, como traz o trabalho T2201:

Porém tal revolução paradigmática enfrenta censuras e interdições por atacar enormes evidências, lesar poderosos interesses e suscitar grandes resistências. Por

esse motivo “(...) todas as teorias, ideias ou opiniões incompatíveis com o paradigma aparecem, evidentemente, como contrárias à lógica, imbecis, delirantes, absurdas”

(MORIN, 1998, p. 293, Idem).

A concepção de revolução científica de Kuhn (1962) também é questionada pelo trabalho T6172, pois para este trabalho, a partir das ideias de Japiassu (1976), a revolução paradigmática de Kuhn não seria adequada para tratar das mudanças que quer a Educação Ambiental, pois neste campo de conhecimento o qual prevê a interdisciplinaridade não seria suficiente que a transição paradigmática acontecesse internamente em cada disciplina.

Assim, as ideias sobre “paradigma” inseridas neste trabalho baseiam-se em um artigo de Júlio de Santa Anna (1994)28 cuja orientação é dada por Chalmers.

27 A polissemia da noção de "paradigma" na obra de Khun foi rastreada em: MASTERSON, M. A natureza do paradigma. In: LAKATOS, I., MUSGRAVE A. (Eds.) A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. São Paulo' Cultrix, 1979.

28

In: SANTA ANA, Julio. Anomalias e paradigmas numa época de transição. Tempo e Presença, Rio de

Mesmo que não seja um consenso a escolha da conceituação de “paradigma” elaborada por Kuhn, é importante que se reconheça a sua contribuição para a discussão de questões epistemológicas para o campo do conhecimento da Educação.

Entendemos que este debate sobre as mudanças paradigmáticas pode ser uma valiosa contribuição para a pesquisa em Educação Ambiental que pretenda debater a crise socioambiental nos termos de “crise do conhecimento”.

No entanto, há de se destacar que não são todos os trabalhos analisados que visam à transição paradigmática, visto que todos os paradigmas, científicos ou tidos como mais amplos, traduzem os valores e propensões de uma dada sociedade e, portanto, contém contradições. Desta forma, é ressalvada no trabalho T5240 a necessidade de se ater ao fato de que nenhum “novo” paradigma é promessa de “cura” dos problemas do “velho”. Como se pode observar no excerto:

A ideia de paradigma dá lugar tanto à luz quanto à sombra. Se um discurso pode ser consagrado todo inteiro a vigiar e punir, um paradigma valoriza tanto a liberdade quanto a alienação, tanto os direitos humanos quanto a obsessão pelo dinheiro, pelo poder e pela identidade. (T5240, p. 69)