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4 REPRESENTAÇÕES SOBRE FORMA DA TERRA E ESTRUTURAS DO

4.1 UM ESTUDO DE REPRESENTAÇÕES DE ESTUDANTES DO ENSINO

4.1.3 Resultados e discussão

4.1.3.1 As Representações sobre a Forma da Terra

Na análise dos questionários aplicados antes da visita ao Planetário, observou- se que todos os alunos se expressaram por meio de palavras, frases e desenhos que remetiam a uma representação esférica ou circular para a forma da Terra. De fato, quando questionados diretamente sobre qual é o formato da Terra (questão um), apresentaram respostas com termos como “esfera/esférica”, “arredondado”, “geoide”, “redonda, e meio achatada” ou “formato globalizado”, além de todos desenharem círculos para representá-la. As respostas a essa primeira questão são apresentadas na Tabela 03.

Tabela 03 – Respostas dos alunos sobre qual o formato da Terra. Alunos Para você qual o formato da Terra?

A1 Nem muito redonda nem oval

A2 Redonda

A3 Uma esfera

A4 Para mim, o formato da Terra é esférica.

A5 Redonda

A6 Mais ou menos uma esfera pois os polos são achatados A7 A Terra tem a forma de uma esfera.

A8 Achatada nos polos

A9 Redonda, uma esfera imperfeita A10 A terra tem um formato de uma esfera A11 Para o formato da terra é circular

A12 Redonda

A13 Redonda, e meio achatada

A14 Geoide

A15 Para mim a terra tem forma de esfera A16 Para mim o formato da Terra é globalizado

A17 Arredondado

É importante ressaltar que esses dados, isoladamente, não seriam suficientes para se concluir que os alunos apresentavam de fato uma representação esférica para

nosso planeta, pois ao se expressarem, eles poderiam estar meramente reproduzindo informações recebidas em suas interações sociais, sem atribuir às mesmas um significado consistente.

Desse modo, analisamos conjuntamente as respostas que eles deram a outras questões, as quais exigiam algo mais complexo do que acessar informações já memorizadas sobre o formato da Terra, levando os alunos a fazer uso de sua representação ou modelo, para chegar a uma conclusão em sua resposta. Nesses casos, não foi possível identificar predominantemente respostas que reforçavam uma representação esférica para a Terra para todos os alunos, como foi constatado na primeira questão.

Na questão três, por exemplo, foi possível caracterizar como o entorno da Terra é representado pelos alunos, à medida em que foram solicitadas respostas sobre o que há acima, abaixo e nos lados da Terra. As respostas variaram bastante: desde universo, galáxias, nebulosas, Via Láctea e espaço até estrelas, planetas, cometas, nada, céu, atmosfera e nuvens. Logo abaixo, seguem três gráficos que ilustram as respostas a essas três questões.

Gráfico 01 – Caracterização das respostas sobre o que há acima da Terra a partir do questionário

aplicado anteriormente à visita.

Percebe-se no gráfico 01, um maior percentual de respostas com estrelas (29%), Universo (23%), planetas (18%) e Sol (18%) à questão sobre o que há acima da Terra, dado já esperado em virtude desses astros poderem ser observados diariamente a partir da perspectiva local dos sujeitos. Além disso, apesar da diversidade das respostas, todos remetem-se à um formato esférico da Terra, com

exceção da resposta polo norte correspondente a somente um aluno (A3) que acreditamos não ter claro, com a pergunta, qual referência tomar para interpretá-la, ou seja, se deveria partir de uma visão externa ao planeta para indicar eventuais corpos no espaço ao seu redor, ou se deveria partir de uma visão da superfície do planeta em si, indicando então o que usualmente se considera a parte “de cima” ou “de baixo” dele. Chegamos a essa conclusão, em virtude do aluno A3, responder a todas as outras perguntas de forma consistente com uma representação esférica da Terra, seja através de seus desenhos ou das frases escritas.

Gráfico 02 – Caracterização das respostas sobre o que há abaixo da Terra a partir do questionário

aplicado anteriormente à visita.

No que diz respeito ao que há abaixo da Terra (gráfico 02), o elemento que mais se destacou nas respostas foram as estrelas (42%), enquanto os outros elementos apareceram de forma mais atenuada. Dado interessante, uma vez que, quando se considera a Terra com um formato que não seja o esférico, as estrelas, assim como, os planetas, o Universo, nuvens, céu e demais respostas, costumam se apresentar predominantemente em cima ou nos lados da Terra e não abaixo como encontrado no grupo de sujeitos analisados, o que nos leva a confirmar o resultado de formato esférico encontrado no gráfico anterior. A resposta polo sul foi dada pelo mesmo aluno (A3) que respondeu polo norte para o que há acima da Terra e, da mesma forma, acreditamos que o sujeito não tinha ideia de qual referência tomar para sua interpretação, analisando ali a superfície do planeta, em si.

Gráfico 03 – Caracterização das respostas sobre o que há nos lados da Terra a partir do questionário

aplicado anteriormente à visita.

E nas respostas sobre o que há nos lados da Terra (gráfico 03), é dado maior destaque aos planetas (35%) e às estrelas (35%), seguido do Universo (18%), e de maneira equilibrada das demais respostas que apontam, assim como nas perguntas anteriores, um caráter esférico para a Terra. Vale um destaque para a resposta países e oceanos que foi dada pelo mesmo aluno (A3), sobre o qual continuamos com a mesma conclusão dos gráficos anteriores a respeito de sua referência para interpretação da questão.

Na questão cinco, perguntava-se onde os alunos achavam que alguém iria parar, se andasse por muitos dias em linha reta. Para esta pergunta, 41% (07 alunos) dos alunos apresentaram respostas que condiziam diretamente com o formato esférico da Terra, tais como ilustradas na Tabela 04.

Tabela 04 – Respostas à questão cinco associadas ao formato esférico da Terra.

Alunos Se você andasse por muitos dias em uma linha reta, onde você iria parar?

A1 Eu iria arrudiar a Terra A2 Na Terra

A7 Em outro país, no oceano ou no mesmo local onde estava.

A9 Iria parar no oceano, e se conseguisse nadar, giraria o mundo inteiro.

A13 No mesmo lugar, se andasse muuuuuito em linha reta, andaria até chegar no mesmo lugar A15 Chegaria no mesmo canto, não sairia da Terra

Um dado a destacar é o fato de um desses sete alunos sentir a necessidade de esclarecer sua resposta, que antes era “Na Terra” e passou a explicar “Se eu andasse em linha reta eu ficaria dando voltas na Terra”, posteriormente, no momento da entrevista, quando foi dada a oportunidade de analisar seus questionários.

Outros 29% (05 alunos) responderam que chegariam a continentes, países ou outros lugares, e 18% (03 alunos) responderam que chegariam aos mares ou oceanos, como descrito na tabela 03 abaixo, de modo que, para esses dois grupos de respostas, não se poderia afirmar com certeza que os alunos estão usando um modelo esférico da Terra como base para sua conclusão, mas considerando o questionário como um todo, há uma grande possibilidade de que tenham respondido numa perspectiva semelhante a outros sujeitos que disseram que chegariam a oceanos ou mares, mas também que se continuassem o percurso terminariam no mesmo lugar que iniciaram, como foi observado nas respostas dos alunos A7 e A9.

Tabela 05 – Respostas à questão cinco que podem estar associadas ao formato esférico da Terra. Alunos Se você andasse por muitos dias em uma linha reta, onde você iria parar?

A3 No oceano

A4 Dependendo da direção, eu pararia em outros lugares. A5 No oceano

A6 Em outro continente A8 Amazonas

A11 Você chegaria em outros países A12 Nos Estados Unidos

A14 Nos mares

Além destes, 12% (02 alunos) apresentaram respostas que consideramos inconsistentes ou inviáveis para compor a análise: “Em um lugar que eu pudesse descansar” e “Não”.

Na questão seis, quando são questionados se a Terra teria um fim ou uma borda, 53% (09 alunos) deram respostas justificadas que reforçam o formato esférico da Terra (tabela 04), e os outros 47% (08 alunos) também afirmaram que não existe borda ou fim, mas não deram nenhuma justificativa (tabela 05).

Tabela 06 – Respostas justificadas à questão seis que reforçam o formato esférico da Terra Alunos Será que você chegaria ao fim ou à borda da Terra? Existe um final ou borda para a

Terra?

A1 Não. Não, pois a Terra é circular.

A4 Não, eu não chegaria na borda da Terra porque não existe borda da Terra A7 Não. Não há final na Terra, uma esfera é contínua.

A9 Não, pois a terra é redonda e não tem bordas para pular da Terra, e a gravidade não deixaria. A10 Não, porque como é uma esfera, nunca vai chegar a bora, vai gira em circulo.

A12 Não porque não existe o fim ou borda da Terra. Não. A13 Não. A Terra não tem bordas, pois a terra é arredondada

A15 Não, pois não existe uma borda para a Terra, ela é uma esfera e só tem como sair por cima. A17 Não. Pois a Terra não tem borda por ser um corpo arredondado.

Tabela 07 – Respostas à questão seis sem justificativas

ALUNOS Será que você chegaria ao fim ou à borda da Terra? Existe um final ou borda para a Terra?

A2 Não. Não

A3 Não. Não (pelo menos na minha opinião) A5 Não. Para mim não tem como.

A6 Não. A8 Não A11 Não. Não. A14 Não. Não. A16 Não. Não.

Um fato curioso para esta questão é que após a visita, os sujeitos A3 e A6 alteraram suas respostas quanto à existência de uma borda para a Terra. O primeiro, desconsiderou o que havia escrito entre parênteses e acrescentou: Pois a Terra não há lados. O segundo, reformulou sua resposta afirmando: Não, existe sim uma borda da Terra, mas para “ultrapassala” precisaria de um foguete e ir indo para cima. Analisando o complemento da frase do aluno A6, sobre a necessidade de utilizar um foguete indo para “cima” para ultrapassá-la, acreditamos que essa borda a qual se refere seja a própria atmosfera terrestre, não comprometendo assim uma possível representação esférica da Terra.

Considerando o conjunto das respostas escritas ao questionário, concluímos que todos os alunos (100%) apresentaram considerações consistentes com uma visão

esférica para a forma da Terra. Contudo, particularmente na análise dos desenhos, consideramos que ainda haviam alguns aspectos adicionais a serem esclarecidos.

Nussbaum e Novak (1976) investigaram as noções de crianças sobre o conceito de Terra e destacaram que para se ter uma noção satisfatória desse conceito é preciso haver uma consistência entre três aspectos específicos: (1) o planeta ser esférico, (2) rodeado por espaço, e (3) com as coisas caindo ao seu centro.

Levando em consideração esses destaques, investigamos esses outros dois aspectos verificando onde os alunos localizam e como posicionam as pessoas que habitam diferentes locais do planeta. Assim, no primeiro questionário foi pedido que eles indicassem onde as pessoas vivem na Terra através de setas, nomes e desenhos, e no segundo questionário que eles desenhassem pessoas nos polos Norte e Sul da Terra.

Anteriormente à visita, 76% (treze alunos) do total de sujeitos da pesquisa adotavam um sentido único para a disposição das pessoas na Terra, sugerindo a concepção de uma direção absoluta para o que consideramos como “em cima” e “embaixo”. Posteriormente à visita, observou-se um índice significativo de mudanças nos desenhos dos alunos no que se refere a este aspecto: do total, 65% (onze alunos) não apresentaram mais um sentido preferencial para a disposição das pessoas, característica que passou a ser observada em apenas 18% (três alunos) deles, sendo que um dos alunos desse último grupo não havia apresentado resposta no primeiro questionário. Além disso, 65% (onze) dos alunos passaram a desenhar as pessoas na parte convexa do círculo que ilustrava a Terra e outros 18% (três alunos), os mesmos que ainda representaram as pessoas dispostas em um sentido preferencial, desenharam pessoas contidas no círculo, mas também na parte convexa, ou seja, na superfície da Terra. Os outros 18% (três alunos) não fizeram desenhos de pessoas na Terra e por essa razão não foi possível inferir sobre suas representações.

Fazendo a análise de forma mais detalhada, evidenciamos que somente um dos sujeitos (6%) desenhava as pessoas na parte convexa do círculo que representa a Terra e não indicava uma visão absoluta de embaixo e em cima para a disposição das mesmas, já no primeiro questionário, e como esperado, permaneceu com sua concepção após a visita (Figura 19).

Figura 19: Desenhos do aluno A16 nos questionários antes (a) e depois (b) da visita, ilustrando o

caso de permanência da concepção correta da disposição das pessoas no globo terrestre.

(a) (b)

Sete alunos (42%) desenharam inicialmente as pessoas contidas no círculo e dispostas no sentido preferencial de cima para baixo e posteriormente alteraram seus desenhos, apresentando-os de forma coerente com a visão científica aceita (Figura 20).

Figura 20: Desenhos do aluno A14 ilustrando pessoas nos pólos da Terra, nos questionários antes

(a) e depois (b) da visita, ilustrando a mudança na disposição das pessoas na Terra.

(a) (b)

Dois (12%) não apresentaram desenhos de pessoas no primeiro questionário, mas posteriormente à visita também desenharam as pessoas corretamente do ponto de vista científico. Outros dois (12%) inicialmente dispuseram as pessoas em um sentido preferencial, contidas no círculo e em sua parte convexa, e após a visita, uma delas passou a desenhar corretamente enquanto a outra não fez desenhos de pessoas.

Três (18%) dispuseram as pessoas na Terra de forma equivocada, nos questionários aplicados antes e após a visita, permanecendo com um sentido preferencial e absoluto para o que consideramos em cima e embaixo, mas vale ressaltar que mesmo não apresentando uma representação consistente, os três apresentaram alterações em seus desenhos, ilustrando pessoas contidas no círculo, mas também na sua parte convexa, posteriormente à visita.

Ainda, um aluno (6%) desenhou as pessoas contidas no círculo em um sentido preferencial e não apresentou desenhos de pessoas posteriormente, e outro, (6%) não apresentou desenhos de pessoas em nenhum dos questionários.

Um dado interessante foi encontrado no questionário do aluno A9, após a visita ao planetário, quando o mesmo apresentou um desenho da Terra com os polos colocados na direção horizontal, tal como havia sido discutido com eles na atividade do globo paralelo local (Figura 21).

Figura 21: Desenhos do aluno A9 nos questionários antes (a) e depois (b) da visita, ilustrando uma

mudança na forma de representar a orientação do planeta no espaço, representando o globo paralelo local.

(a) (b)

Nas entrevistas também foram levantados dados sobre o formato da Terra a partir da interpretação de uma situação particular abordada na sessão da visita. Na sessão, haviam sido simuladas algumas viagens para diferentes cidades do globo terrestre, e em cada localidade era possível perceber mudanças nas posições das constelações, ou mesmo surgimento e desaparecimento de algumas. Em particular, era dado destaque à alteração na posição do polo Sul celeste, fazendo-se uso de sua localização por meio do Cruzeiro do Sul. Procuramos verificar se os alunos associavam tal mudança com o formato esférico da Terra, o que de fato ocorreu com

apenas dois dos entrevistados, ou seja, 12% do total de alunos, um número relativamente baixo considerando os outros dados já analisados.

O aluno A1 lembrava da visualização das estrelas e de mudanças nas constelações de acordo com os horários e locais que visitaram na simulação das viagens e explicou essa diferença como resultado da influência do movimento de rotação da Terra e da localização no globo terrestre, remetendo à esfericidade da Terra enquanto fazia gestos em torno de uma esfera imaginária, ao afirmar que, por exemplo, “nos EUA” será diferente do Brasil por “está mais acima”. O aluno A5 relatou que lembrava de ter percebido uma mudança no céu a partir das viagens e a explicou afirmando haver uma diferenciação na visão do céu a partir de cada polo do planeta. Os alunos A3 e A4 afirmaram lembrar das viagens simuladas na sessão e relatam diferenças na percepção do céu de cada lugar, relacionadas às constelações observadas, mas não souberam explicar a razão dessas mudanças. O aluno A6 lembra das viagens simuladas na sessão, mas as mudanças no céu que relata dizem respeito a ocorrência de dia e noite (claro e escuro). E o aluno A2 justifica que não lembra muito bem da sessão, em razão dela ter ocorrido já há algum tempo.

A partir da análise dos dados em conjunto, foi possível perceber a existência de um grupo significativo de sujeitos (100%) que apresentaram representações com características condizentes a um formato esférico para a Terra inicialmente, mas que não levavam em consideração essa esfericidade na disposição das pessoas sobre o planeta, uma vez que as desenhavam contidas (59% dos alunos), ou seja, dentro do contorno externo da Terra, e adotavam também, nessa disposição, uma visão absoluta de embaixo e em cima (76% dos alunos). Após a visita ao planetário, evidenciamos que as características esféricas da Terra foram complementadas com uma noção mais ampla de espacialidade, à medida em que passaram a desenhar as pessoas na parte convexa do círculo representante da Terra e não adotaram mais um sentido preferencial para sua distribuição.

Acreditamos que essa mudança tenha se dado a partir das intervenções realizadas na atividade do Globo Paralelo Local, a qual avaliamos que permite uma transição mais sólida da perspectiva local/topocêntrica do sujeito para uma perspectiva espacial em torno do planeta Terra como um todo.

Também foi possível evidenciar que ainda há uma dificuldade em compreender as consequências que o formato esférico da Terra pode provocar nas situações vivenciadas pelos sujeitos, como por exemplo, na percepção do céu de diferentes

locais do planeta – apenas dois entre os seis sujeitos entrevistados associaram as mudanças nas posições das constelações, no mesmo instante, quando vistas a partir de diferentes localidades do planeta, com a esfericidade da Terra. Desse modo, destacamos a necessidade de uma maior discussão sobre esse aspecto junto a todos os mediadores do conhecimento astronômico/científico, sejam eles professores ou planetaristas. Em particular, consideramos relevante que, especialmente na escola, seja estimulado o uso do globo para analisar as implicações, na visualização do céu, de viagens entre diferentes localidades.