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3 DIFICULDADES NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE TEMAS DA ASTRONOMIA

3.1 CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS, MODELOS E REPRESENTAÇÕES MENTAIS

Como destacado anteriormente, grande parte das dificuldades conceituais encontradas no ensino de Astronomia vem sendo identificadas e estudadas sob nomenclaturas e entendimentos diversos, tais como concepções alternativas, modelos mentais, representações mentais ou simplesmente representações.

No que diz respeito à ideia de concepções alternativas, bem como à pesquisa associada a ela, podemos dizer que, entre as terminologias que destacamos mais acima, foi a primeira a ganhar atenção no ensino de ciências, tendo seu auge nas décadas de 70 e 80. Conforme Bastos e Germano (2010), o movimento de pesquisas em torno das concepções alternativas se desenvolveu em um contexto de mudança sobre as ideias acerca do conhecimento. Se anteriormente considerava-se que para se atingir uma melhor aprendizagem era preciso apenas uma lógica de apresentação dos conteúdos, muitas vezes semelhante à científica, com os estudos sobre essa temática passou-se a considerar o funcionamento cognitivo dos alunos como uma informação relevante na elaboração e desenvolvimento de qualquer proposta com enfoque no ensino e aprendizagem.

Carrascosa (2005) define as concepções alternativas como ideias que estão por trás de “erros conceituais” que, comumente, os alunos cometem ao tentarem responder a questões de interpretação acerca de conceitos científicos. De um modo geral, o autor destaca que esses erros são associados frequentemente a interpretações contraditórias aos conhecimentos científicos vigentes, que seriam as concepções alternativas, as quais estão presentes em um grande número de alunos e professores e se repetindo insistentemente ao longo de vários níveis educativos.

Apesar da literatura da área já possuir uma ampla bibliografia de investigação acerca da temática, ainda não há um consenso sobre a natureza das concepções alternativas. De acordo com Bastos e Germano (2010), há questões em aberto, como a discussão anterior, na literatura, sobre se essas concepções “devem ser vistas como estruturas de conhecimentos, consistentemente aplicadas a diferentes situações [...], ou se seriam menos estáveis, e extremamente dependentes do contexto em que se pede para o estudante pensar” (BASTOS; GERMANO, 2010, p. 10).

No Brasil, o estudo das concepções alternativas se desenvolveu na forma de levantamento de concepções de alunos e professores de ciências, em diversos tipos de fenômenos ou áreas. Uma interpretação específica – numa perspectiva cognitiva – para as concepções alternativas e para o que as gera, ou mesmo para a forma como elas interferem com o ensino dos conceitos científicos, é um aspecto que não vem

sendo investigado sistematicamente em nosso país. Porém, o fato de que tais concepções interferem fortemente na aprendizagem as torna um tema necessário e relevante para ser tratado na formação de professores; por isso, continua-se defendendo – e em alguns casos, efetivando – a necessidade da realização de pesquisas que analisem o efeito de metodologias específicas no enfrentamento destas concepções.

Em diversos estudos sobre as ideias de crianças de modo geral, de estudantes e/ou professores acerca de fenômenos da Astronomia, alguns autores as descrevem como modelos mentais, noções, representações mentais, ou representações, simplesmente. Faremos aqui, algumas considerações a esse respeito.

Como exemplos de trabalhos que adotam essas terminologias nas temáticas associadas ao foco da nossa dissertação, citamos Stella Vosniadou, que em seus estudos das ideias de crianças acerca da forma da Terra (VOSNIADOU; BREWER, 1992), faz uso do referencial de modelos mentais; Nussbaum e Novak (1976) se referem às noções das crianças, quando estudam as ideias que estas apresentam sobre a forma da Terra, o espaço ao seu redor e a gravidade terrestre; e Rodriguez e Sahelices, (2005), no trabalho sobre ideias de professores de ciências acerca de estruturas do Universo (RODRIGUEZ; SAHELICES, 2005) fazem uso da terminologia “representações mentais” para caracterizá-las.

Segundo Thagard (1996, apud MOREIRA, 1996), a Ciência Cognitiva considera que o funcionamento da mente ocorre por meio de representações do mundo exterior elaboradas internamente na mente das pessoas, chamadas de representações mentais. Essas representações podem apresentar diversas definições e características de acordo com a base teórica adotada, sendo que dentre as teorias a esse respeito, destaca-se, na literatura em ensino de ciências, a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird.

Conforme Moreira (1996), Johnson-Laird sugere que as pessoas raciocinam com modelos mentais, os quais são definidos como representações internas de informações análogas ao que representam, seja um estado de coisas, um sistema físico ou o próprio conhecimento, podendo ser combinados e recombinados conforme necessário. Além disso, destaca que o essencial do raciocínio através de modelos não está apenas em sua construção, mas na habilidade de testá-los em quaisquer conclusões que se possa chegar acerca de um estado de coisas.

De forma semelhante, Barrio (2002) também utiliza o referencial de Johnson- Laird para apontar que, como os modelos são representações únicas de cada pessoa, são modificados e desenvolvidos através da interação com um sistema determinado e, uma vez construídos, os utilizamos para interpretar a realidade de tal modo que desenvolvemos novos conteúdos a partir de modelos já existentes em nossa memória. Considera assim que a elaboração de um modelo, aliada à sua verbalização, são aspectos necessários para a compreensão de um fenômeno ou das coisas, bem como na forma de interagir com elas:

O sea, los modelos mentales se formulan para representar un determinado sistema físico y su uso implica un modo de tratar con la información, limitado a la estructura de procesamiento de la información y al conocimiento previo del sujeto. Llegar a comprender un fenómeno es ser capaz de elaborar un modelo mental, que es lo que realmente tiene la persona en su cabeza y le guía en el uso que hace de las cosas y, además, verbalizarlo (BARRIO, 2002, p. 181).

Nessa mesma linha, um estudo de Greca e Moreira (2002) baseado em Johnson Laird, levou-os a concluir que os estudantes utilizam modelos mentais para explicar e predizer situações físicas concretas e para compreender conceitos físicos dentro do âmbito escolar. Esses modelos são determinados tanto pelo conhecimento geral dos estudantes como por certos conceitos ou pressupostos mais fundamentais que funcionariam como seus núcleos; e assim, os autores ressaltam que:

O processo de aquisição do conhecimento estaria dado por sucessivas reformulações dos modelos mentais dentro de uma mesma família de modelos (que teriam o mesmo núcleo) ou pela geração de novas famílias de modelos que permitiriam o estabelecimento ou aceitação de novos núcleos. Segundo esta perspectiva, se a informação à qual o estudante deve dar significado não lhe permite a elaboração de modelos mentais adequados para sua compreensão (que não sejam contraditórios com aquilo que sabe, seja via a reformulação dos seus modelos ou através da geração de novos), ele não construirá modelos mentais e a informação passará a ser memorizada na forma de representações proposicionais isoladas não significativas (GRECA e MOREIRA, 2002, p. 34).

A construção de modelos mentais de fenômenos físicos é considerada uma estratégia de grande importância para se alcançar uma aprendizagem mais efetiva – pode-se dizer, significativa; da mesma forma que o rápido esquecimento dos alunos a respeito das ideias ensinadas em aula poderia ser explicado pela não formação de modelos mentais, segundo esses autores.

Tomando como base essas perspectivas discutidas, e observando o que foi assumido nos trabalhos que tomamos como base para nosso estudo, consideramos

que, independentemente das diferentes interpretações sobre o fenômeno “ideias previas”, o conhecimento em si das concepções, modelos e/ou representações é fundamental para o ensino-aprendizagem de várias explicações relativas ao eixo temático Terra e Universo; da mesma forma, para o estudo desenvolvido sobre como essas ideias são interferidas, afetadas ou reforçadas pelas sessões e atividades promovidas pelo Planetário Barca dos Céus. Também defendemos que devem ser planejadas ações nos diferentes contextos educacionais que favoreçam a construção e/ou reelaboração dessas representações e/ou concepções de modo a proporcionar um entendimento satisfatório, do ponto de vista didático-pedagógico, acerca dos fenômenos astronômicos presentes nas diversas situações vivenciadas pelos alunos e público em geral, em especial aqueles que tratam de aspectos relacionados à forma da Terra e às estruturas do Universo.

Sentindo a necessidade de adotar uma dessas terminologias, preferimos tratar a presente dissertação como um estudo que visa contribuições em torno das representações dos sujeitos sobre a forma da Terra e as estruturas do Universo, por nos parecer a terminologia mais abrangente.