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As respostas políticas em Portugal – da instabilidade à transversalidade da

Capítulo III A Emergência do Ambiente como Questão Social e Política

3. As respostas políticas em Portugal – da instabilidade à transversalidade da

Neste ponto procuramos traçar a evolução e o lugar das preocupações com o ambiente no discurso e na prática políticos em Portugal. Num contexto político que, a seguir ao 25 de Abril de 1974 se caracteriza por uma prolongada instabilidade86, não é surpreendente observar a ausência relativa de preocupações ambientais. Como veremos, só depois de meados da década de oitenta se observou um aumento do interesse do poder político português para as questões do ambiente. Como refere Soromenho Marques (1993: 138) “a integração das preocupações ambientais no elenco ministerial dos governos só se tornou possível depois de 25 de Abril de 1974. Contudo, o percurso ziguezagueante indicia com veemência a falta de clarividência e continuidade estratégica nesta área, assim como a

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Reis (1994) ilustra bem esta instabilidade governativa do país, entre 1974 e meados dos anos 80. Entre as primeiras eleições democráticas de 1976 e 1987, existiram em Portugal dez Governos Constitucionais, cuja duração oscilou entre os 17 dias do III Governo e os 25 meses do IX. Entre as eleições legislativas de 1987 e a actualidade existiram cinco Governos Constitucionais.

Capítulo III – A emergência do ambiente como questão social e política em Portugal

ausência de vontade e seriedade políticas para um investimento verdadeiramente estruturante na área do ambiente”. Melo e Pimenta (1993), Mansinho e Schmidt (1994) e Eloy (1994) traçam uma breve história, que nos parece de grande utilidade, da integração das preocupações ambientais e da sua materialização em legislação. Como refere Eloy (1994: 332) “as políticas do ambiente só começaram a ser pensadas a nível institucional nos finais dos anos sessenta e só com a Conferência de Estocolmo de Junho de 1972, este passa a ser referência obrigatória a nível internacional e a motivar empenhos nacionais”. Esta preocupação foi, segundo o mesmo autor, manifesta de modo inequívoco no dia 30 de Abril de 1971, data em que a ex-Assembleia Nacional considera o ambiente um assunto da maior importância nacional87. Nesta data, em texto oficial, é estabelecida a necessidade de adoptar

urgentemente medidas de defesa do ambiente e de protecção da natureza. Na sequência desta deliberação, é criada a Comissão Nacional do Ambiente. Esta comissão foi criada no âmbito da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, essencialmente com vista à produção de um relatório nacional sobre o estado do ambiente em Portugal, para ser apresentado em Junho de 1972 na já referida Conferência de Estocolmo. Como diz Eloy (1994: 333) este relatório, que foi “recebido com fartos protestos em Estocolmo por dele constarem as então chamadas províncias ultramarinas” fazia o ponto da situação relativamente aos principais problemas ambientais nacionais, através da identificação de três áreas especialmente críticas, a saber:

ƒ Agricultura e Florestas – os problemas identificados residiam essencialmente na erosão hídrica, na destruição de terras férteis, no abandono de terras agrícolas, na poluição por pesticidas e fertilizantes e ainda nos incêndios;

ƒ Desenvolvimento industrial – os problemas identificados nesta área tinham essencialmente a ver com as zonas críticas para o ambiente. Assim, o relatório identificava a siderurgia no Seixal, as indústrias químicas em Lisboa e Matosinhos, as indústrias de ácidos e metalúrgicas do Barreiro e, mais genericamente as celuloses, as cimenteiras e as fábricas têxteis, de curtumes e de produtos alimentares como as ambientalmente mais nocivas

ƒ Áreas-Problema – o relatório identificava as áreas de Lisboa e do Porto, as áreas industriais do Barreiro e Seixal, o rio Leça e a região do Algarve como as áreas mais problemáticas em termos de agressão ambiental. As duas primeiras e o Algarve devido à pressão urbanística e as restantes devido à poluição diversificada.

O Relatório mencionado fazia ainda um levantamento da legislação existente no país na área do ambiente. Eloy (1994) refere que dele constava a legislação sobre o consumo e

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No entanto, a primeira legislação nacional que manifesta uma preocupação política e institucional com as questões da conservação da natureza, data de 1970. A Lei nº 9/70 de 19 de Junho define um regime de protecção à natureza, através da instituição das figuras de Parques Nacionais e de Reservas. Nesta lei é já também manifesta uma preocupação com a preservação do mundo natural para a “sua fruição pelas gerações futuras”.

utilização de água pelo público, datada de 1892, que perduraria até ao início dos anos noventa. De salientar ainda que no Relatório não constava legislação sobre qualquer área protegida organizada, ainda que o Parque Natural da Peneda-Gerês (PNPG) tenha sido criado em 1971 (mas só em 1979 viria a ter uma estrutura orgânica e mais recentemente um regulamento de gestão). A criação do PNPG em (Decreto-Lei nº 187/71 de 8 de Maio), no âmbito do Ministério da Agricultura, foi a materialização das preocupações expressas na Lei nº 9/70 de 19 Junho e a primeira Área Protegida (AP) do nosso país. Com excepção das preocupações políticas e das iniciativas legislativas que acabámos de referir, em conjunto com uma reduzida legislação relativa à protecção marítima e da costa, só a partir de 1974 “com a criação de uma estrutura governamental – a Secretaria de Estado do Ambiente – surge um conjunto de regulamentos e decretos mais consistentes” (Mansinho e Schmidt, 1994: 454) que revelam um crescimento das preocupações político-institucionais com o ambiente. Sob a responsabilidade do Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, esta Secretaria de Estado tomou as primeiras medidas legislativas no âmbito de uma política de preservação da natureza e em estreita articulação com as questões do ordenamento do território. Como diz Lutas-Craveiro (1993: 7) “as primeiras medidas de carácter ambiental correspondiam a uma preocupação essencialmente conservacionista” que se traduziu por um movimento crescente de instituição de AP em Portugal, como já quase um século antes tinha acontecido em outros países ocidentais88. Nesta linha é criado em 1975 o Serviço Nacional de Parques e Reservas (actualmente Instituto de Conservação da Natureza – ICN) que inicia um movimento de criação de AP, que teve o seu apogeu em finais dos anos setenta, início dos anos oitenta, com a criação de diversos Parques e Reservas Naturais89. De acordo com Mansinho e

Schmidt (1994: 455) “podemos dizer que o primeiro grande momento legislativo sobre o ambiente nasceu com a Constituição da República Portuguesa (CRP), em 1976”. Efectivamente, os artigos 9º e 66º consagram o ambiente como um direito fundamental dos cidadãos portugueses e como um dever do Estado90. Em 1976 é publicada o Decreto Lei nº 613/76 de 27 de Julho que alarga o regime de conservação da natureza e vem revogar a Lei nº 9/70. Para além da política de conservação da natureza, a legislação nacional na década de setenta quase não aborda ou regula outros aspectos o que na opinião de Mansinho e Schmidt (1994) revela os limitados poderes que eram atribuídos ao então organismo de tutela

88 O melhor exemplo são os EUA, país que em 1872 (ou seja precisamente um século antes de Portugal) instituiu AP, mais

exactamente, 1872 foi a data de instituição do primeiro Parque Nacional do mundo – O Yellowstone National Park no estado de Wyoming.

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Até 1982 foram criados mais de 20 Parques e Reservas Naturais, Paisagens Protegidas e Sítios Classificados, em Portugal. Actualmente existem no nosso país: um Parque Nacional; 12 Parques Naturais; 12 Reservas Naturais; 3 Áreas de Paisagem Protegida e cerca de 17 monumentos naturais, sítios classificados ou paisagens protegidas.

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Mais especificamente, no artigo 9º da CRP define-se como tarefa fundamental do Estado “proteger o património cultural

do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território”. O artigo 66º reconhece a todos os cidadãos “o direito a um ambiente humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”.

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do ambiente. No início da década de oitenta há uma clara preocupação legislativa com as questões do ordenamento do território e com os aspectos associados ao uso dos recursos segundo a sua vocação específica. Assim, em 1982 é aprovada a legislação sobre os Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT) e os Planos Directores Municipais (PDM) e criada a Reserva Agrícola Nacional (RAN). Em 1983 é criada a Reserva Ecológica Nacional (REN). Como diz Eloy (1994) só no início dos anos noventa estes textos legislativos são regulamentados. Este autor vai mais longe, ao advogar que “em 1989 e 1990 (…) os textos legislativos sobre o ordenamento do território (PDM, RAN e REN) são modificados e substituídos por legislação mais permissiva que abrange gravosas excepções ao melhor ordenamento espacial e uso do solo” (idem: 338). Simultaneamente a tutela da Secretaria de Estado do Ambiente vai passando por diversos ministérios desde o da Habitação e Obras Públicas até ao da Qualidade de Vida. Em 1985, a partir do X Governo Constitucional, integra-se no Ministério do Planeamento e Administração do Território e vê os seus poderes e o seu orçamento alargados (e.g. Figueiredo e Martins, 1992, 1994 e 1996c; Mansinho e Schmidt, 1994).

Com a adesão de Portugal à UE, em 1986, como já referimos anteriormente, o quadro legislativo e de preocupação política com o ambiente altera-se substancialmente. Mansinho e Schmidt (1994: 457) situam nesta data, em conjunto com o Ano Internacional do Ambiente (1987), “o segundo grande momento de produção legislativa sobre o ambiente em Portugal, com normas fundamentais”. Este segundo momento é marcado ainda pela publicação da Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87 de 7 de Abril) e da Lei das Associações de Defesa do Ambiente (Lei nº 10/87 de 7 de Abril). Nesta altura é também criado o Instituto Nacional do Ambiente (posteriormente Instituto da Promoção Ambiental), cuja função principal é apoiar as actividades desenvolvidas pelas associações de defesa do ambiente e igualmente promover iniciativas de educação ambiental, de informação, documentação e divulgação, para além do estímulo à participação dos cidadãos nos processos de tomada de decisão. Apesar de todas estas iniciativas, a Lei de Bases do Ambiente não se encontra, ainda hoje, totalmente regulamentada. A partir de 1990 as autoras que temos vindo a mencionar, reconhecem o “terceiro grande momento legislativo, com a proliferação de decretos e a adaptação das directivas europeias”.91 Para além destes aspectos, salientamos a criação, em 1990, de um ministério especificamente tutelar do ambiente92, o Decreto Lei nº 19/93 de 23 de Janeiro que estabelece novas regulamentações para a criação das AP e a reclassificação das já existentes, assim como a obrigatoriedade de consulta às populações residentes durante o

91De facto, na década de noventa foram aprovados quase duas centenas de Decretos-Lei relativos à gestão dos recursos

naturais e à protecção do ambiente.

92Este Ministério começou por se chamar do Ambiente e Recursos Naturais (XI e XII Governos Constitucionais), para

depois se designar apenas por Ministério do Ambiente (XIII e XIV Governos Constitucionais), sendo actualmente a sua designação (XV Governo Constitucional) Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.

processo relativo aos Planos de Ordenamento das mesmas (POAT). Ainda na década de noventa são de salientar a elaboração do Plano Nacional de Política do Ambiente (PNPA), em 1995, a implementação do princípio do poluidor-pagador, a publicação da Lei de Bases do Ordenamento do Território e a possibilidade de conversão em crime, dos atentados contra a natureza, previstos no Código Penal93.

Esta brevíssima cronologia das preocupações políticas com as questões ambientais (e respectiva materialização, através da publicação e adaptação de legislação) permite-nos dizer, com Lutas-Craveiro (1993), Eloy (1994), Mansinho e Schmidt (1994) e Soromenho Marques (1994) que estão criadas em Portugal as condições formais necessárias à existência de uma efectiva política ambiental. Mas, em simultâneo, observamos que não tem existido uma prática coerente e consistente entre os aspectos formais da chamada política do ambiente e a aplicação prática em termos do seu conteúdo. Para usar a expressão de Eloy (1994: 337) a legislação relativa ao ambiente é como o provérbio popular “muita parra e pouca uva”. Este autor diz ainda que “desde 1976 que a legislação sobre o ordenamento do território (e o ambiente) tem sido um ‘verbo de encher’ face aos interesses especulativos da urbanização, do turismo ou da rentabilização dos solos e uso dos recursos” (Eloy, 1994: 337) e que o problema da legislação ambiental portuguesa é o da sua regulamentação e implementação. Ao nível das condições formais, como dissemos, Portugal reúne:

ƒ a consagração constitucional do direito do ambiente;

ƒ uma lei específica (desde 1987 a Lei nº 11/87 de 7 de Abril);

ƒ a circunstância de se produzirem, desde 1987, relatórios regulares sobre o estado do ambiente “por autoridades técnica e cientificamente competentes” (Soromenho Marques, 1994: 110);

ƒ um ministério que tutela o ambiente de forma específica, reconhecendo assim a importância deste assunto;

ƒ a interface entre o governo e a sociedade civil, estabelecida pelo Instituto de Promoção Ambiental (e.g. Soromenho Marques, 1994).

No entanto, apesar destas condições formais estarem reunidas, a sua análise mais atenta revela que existem contradições ou, pelo menos, uma fraca aplicação prática destes aspectos. Esta descontinuidade entre a forma e a prática poderá ser parcialmente explicada pelo facto de Portugal poder ser considerado em muitos aspectos, uma sociedade semi- periférica, tal como referimos no primeiro ponto deste capítulo. Uma das características das sociedades semi-periféricas e indubitavelmente uma característica de Portugal, é a existência de algumas das fragilidades que temos vindo a sugerir a propósito da preocupação política

93 Acerca da política ambiental em Portugal, dos seus principais aspectos e áreas de incidência, pode ser visto o trabalho

de Rosa Pires, Pinho e Conceição (1995). Este trabalho apresenta ainda uma muito útil visão da orgânica da gestão ambiental em Portugal.

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com o ambiente. Por um lado, aquilo a que Soromenho Marques (1994: 139) chama “a falta de comunicação e o autismo voluntário” não apenas entre as várias instituições que compõe o Estado, como entre este e os cidadãos. Depois, a inconsistência entre o discurso e a prática política. Santos (1990a e 1990b) chama a este Estado o Estado Paralelo, i.e., “um Estado que se compromete formalmente com um certo padrão de legalidade e de regulação social, mas descompromete-se dele por omissão ou por vias informais” (Santos, 1990a: 21). Este autor argumenta que ao longo dos anos se foi cavando um fosso entre o quadro jurídico- institucional e as práticas sociais. Assim, pode dizer-se que nos últimos anos as relações de produção e de reprodução social se aproximaram mais das vigentes nos países centrais a nível jurídico-institucional, mas mantiveram-se longe destes ao nível da sua tradução em práticas sociais. “O Estado foi atravessado por esta discrepância de tal modo que ela passou a ser constitutiva da sua actuação” (Santos, 1990b: 135). Voltamos assim, de novo à questão de um Estado internamente forte (que se fortaleceu em termos jurídicos e institucionais, que multiplicou os seus meios de acção e ampliou o seu aparelho) e externamente fraco (ao nível da prática estatal o estado diminuiu o seu raio de acção e não parece ter força para a mobilização dos meios que formalmente possui). Na sequência disto, o próprio estado age “à revelia das políticas (…) que se propõe e subverte o seu próprio quadro jurídico (…) por acção ou por omissão, com comportamentos que o violam, quando não chega a fomentá-los” (Santos, 1990b: 136). Observamos uma descontinuidade social que se estende ao próprio Estado, entre o quadro legal relativo ao ambiente94 (‘law in books’) e as práticas institucionais e sociais face a esse quadro (‘law in action’). Esta descontinuidade indicia uma auto-negação e uma demissão do Estado português no domínio do ambiente, o que leva Santos (1990b: 137) a argumentar que “o Estado oficial coexiste com um Estado subterrâneo”. Esta característica do Estado português redunda em comportamentos institucionais complexos, que vão desde a tolerância face ao desrespeito, até à violação das leis (tanto não fazendo accionar os mecanismos de punição de que dispõe, como não dotando as instituições deles encarregues dos meios adequados) e à sua aplicação discricionária e selectiva ou mesmo até à sua não aplicação. O Estado subterrâneo ou paralelo emerge ainda da sua enorme complexidade em termos de funções e aparelho. Dado que é cada vez mais burocrático, o Estado tende a desenvolver organismos em domínios cada vez mais específicos e que se vão autonomizando. Desta circunstância surgem conflitos entre as várias agências do Estado e as várias decisões que as mesmas tomam. O Estado é, nas sociedades desenvolvidas principalmente, uma instituição cada vez mais complexa, encerrando múltiplas contradições. Estas agravam-se quando se trata de aspectos que exigem uma maior discussão e um maior consenso entre partes diversas, como é o caso do ambiente e das políticas ambientais.

94 Santos (1990a, 1990b e 1993) advoga que esta descontinuidade é relativa a toda a acção do Estado, seja qual for a

Paradoxalmente, as contradições internas do Estado e a sua complexidade (desenvolvida para o tornar mais eficaz) reduzem a sua eficácia e comprometem a sua legitimidade, aspectos a que a acção política deve responder. Segundo Santos (1990b) e segundo o que dissemos no ponto 2.2 deste capítulo, o Estado português tem perdido credibilidade e legitimidade junto de alguns sectores da população, característica que de acordo com Lutas- Craveiro (1993) se estende um pouco a todo o mundo desenvolvido. Esta perda de legitimidade diminuindo o consenso potencia a conflitualidade social.

Para além deste problema que tem essencialmente a ver com as dificuldades de aplicação das políticas que o Estado cria, Nunes Correia (1994) aponta um outro, mais relacionado com o conteúdo das políticas em si mesmas. Para este autor “o problema que se coloca às políticas do ambiente em Portugal é abandonarem o paradigma das salvaguardas ambientais, evoluindo decisivamente para uma atitude de gestão dos recursos ambientais, e desta atitude para uma abordagem baseada no conceito de desenvolvimento sustentável” (idem: 156). Este conceito pressupõe, como vimos no capítulo II, que o ambiente seja considerado uma matéria transversal a todas as políticas sectoriais. Ora, no quadro que acabámos de descrever, em que é clara a dissociação (ou mesmo a contradição) entre as várias esferas do poder do Estado, essa tarefa tem-se revestido de algumas dificuldades.

De um modo geral podemos dizer que o discurso político, bem mais que a prática, tem respondido àquelas que são as principais preocupações sociais em Portugal, em matéria de ambiente. Tais respostas são visíveis no que acabámos de expor, ainda que reconheçamos que o interesse político em Portugal (e como argumentámos antes) foi bastante mais motivado por factores exógenos do que por factores e pressões internas. Figueiredo e Martins (1992, 1994, 1996a e 1996b)95 desenvolveram um trabalho especificamente sobre o discurso político ambiental em Portugal, após o 25 de Abril de 1974. Nesse trabalho, as autoras argumentam que o discurso político nacional tem sido bastante mais condicionado pelas que condicionador das práticas sociais. As autoras observaram uma grande variabilidade de inserção da temática ambiental nos discursos partidários e governativos e por essa razão não lhes parece possível afirmar que estes tenham uma influência determinante na formação de uma sensibilidade ambiental96. Tal facto é, no entanto mais visível até 1991, em que a tónica dominante no discurso político é a ausência de uma lógica ou de um fio condutor no que se refere à abordagem do ambiente. Esta ausência de fio condutor pode ser explicada, de

95As autoras analisaram o discurso político, através de uma análise de conteúdo aos Programas dos Governos

Constitucionais e também aos Programas dos Partidos Políticos que alguma vez formaram Governo, em Portugal, desde 1976 até 1995.

96 Por outro lado, se ao nível internacional podemos encontrar uma associação estreita entre o enverdecimento dos

partidos políticos e mesmo a formação de partidos políticos Verdes (e.g. Yearley, 1992), em Portugal do ponto de vista da organização partidária, não surgiu nenhuma estrutura sólida. A formação do Partido Ecologista ‘Os Verdes’ (em 1983) não condicionou o discurso dos outros partidos políticos nem o discurso governamental (muito possivelmente devido à sua associação com o Partido Comunista Português, de acordo com Mansinho e Schmidt, 1994). Maior influência terá tido o Partido Popular Monárquico que fez, até ao início da década de oitenta, do ambiente a sua imagem de marca e que integrou diversos governos desde 1976 até 1983.

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acordo com Figueiredo e Martins (1996b), principalmente no caso dos partidos políticos, pela existência em determinados momentos da história nacional de acontecimentos que se revelaram mais imediatos e urgentes. Isto fez com que estes acontecimentos se sobrepusessem ao tratamento da temática ambiental nos programas dos partidos políticos e “isto demonstra, de alguma forma, uma fase inicial de apropriação, mais do que uma efectiva 'consciência política', da temática ambiental como um problema sentido socialmente e que, por isso mesmo, deve ser incluído no discurso político” (Figueiredo e Martins, 1996b: 57). Em 1995, observa-se que o ambiente embora passe para plano secundário em termos da campanha política mediática, assume maior solidez nos discursos partidários e, posteriormente do governo, facto que é demonstrado pela maior interligação desta temática com os outros assuntos tratados nos Programas. Por outro lado, ao mesmo tempo que