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Capítulo II – A Emergência do Ambiente como Questão Social e Política

5. Conclusão

Neste capítulo procurámos analisar os diversos aspectos associados à emergência das questões ambientais como questões sociais, nas sociedades contemporâneas. Detivemo-nos na análise das razões, dos factores e dos valores sociais subjacentes a essa emergência, para procurarmos, seguidamente, entender o tipo de respostas que o poder político tem dado às crescentes preocupações sociais com o ambiente e a diversidade de modalidades em que este mesmo ambiente é procurado e consumido actualmente.

Numa primeira secção, vimos que o ambiente pode ser entendido como um problema, ou mais precisamente, como uma série de problemas que surgem como tal em contextos sociais específicos. Isto significa que os problemas ambientais não são entendidos como sociais apenas devido às suas condições objectivas, mas que o são sobretudo devido à forma como afectam as diferentes sociedades e ao modo como nelas são percepcionados. A análise dos problemas ambientais como problemas sociais conduziu-nos à constatação de que existe um elevado grau de interacção entre as representações e as práticas face ao meio natural, em contextos sociais específicos.

Na segunda secção deste capítulo, definimos o que se pode entender por preocupação da opinião pública relativamente às questões do ambiente, assim como os diferentes graus de atenção e de intensidade dessa opinião. Concluímos que existe uma grande diversidade de públicos e de opiniões face ao mesmo tipo de problemas ambientais. A análise da opinião pública e dos seus diversos níveis de atenção permitiu-nos fazer uma distinção fundamental entre consciência e sensibilidade ambiental. Assim, definimos ambos os conceitos como tendo na sua base níveis de preocupação que, no primeiro caso, são materializados em

Capítulo II. – A emergência do ambiente como questão social e política nas sociedades contemporâneas

comportamentos favoráveis ao ambiente e, no segundo caso, não têm correspondência em práticas ambientais. Na sequência disto, considerámos importante analisar os factores que se encontram subjacentes à formação da sensibilidade e da consciência ambiental. Considerámos relevante o papel desempenhado pelos mass media, pelas associações de defesa do ambiente, pela publicidade, pelo discurso e a prática política, pelas diversas catástrofes e acontecimentos na área do ambiente e ainda pelos processos formais e informais de educação. Após termos discutido cada um dos factores mencionados, concluímos que, na formação da consciência e da sensibilidade ambiental, não é possível determinar o peso de cada um deles, já que estamos perante um domínio de elevada interacção, quer entre os diversos factores, quer entre eles e a própria opinião pública neste domínio.

Ainda na segunda secção, debruçámo-nos sobre as grandes transformações, em termos de valores sociais, que conduziram às crescentes preocupações da opinião pública com o ambiente. Discutimos o significado dos valores ambientais como valores sociais, bem como as várias perspectivas analíticas nesta matéria. Advogámos que estas perspectivas não são contraditórias, mas antes possuem pontos de contacto. Assim, concluímos que tanto a abordagem à falência do paradigma social dominante, como a perspectiva sobre a sociedade de risco e a modernidade reflexiva, enfatizam, como causas para a adesão social aos valores ambientalistas a prolongada exploração dos recursos naturais pelo Homem; a incerteza e insegurança alargadas, que as catástrofes ambientais introduziram na sociedade moderna; a evidência do relativo fracasso da ciência e da tecnologia na resolução dos problemas ambientais e o carácter cada vez mais global e transfronteiriço destes últimos. Ambas as perspectivas têm pontos em comum com a abordagem pós-materialista. No entanto, enquanto que as primeiras análises referem o crescimento da insegurança, Inglehart (o principal teórico do pós-materialismo) argumenta que foram a relativa prosperidade e o aumento da segurança material e física, que se seguiram à II Guerra Mundial, as principais responsáveis pela difusão deste tipo de valores. No âmbito desta tese, consideramos importantes os contributos explicativos das três perspectivas.

Na terceira secção deste segundo capítulo, procurámos debater o modo como o poder político tem respondido às crescentes inquietações sociais com os problemas relativos ao ambiente. A primeira constatação é a de que as respostas políticas não podem ser apenas interpretadas com uma reacção linear à crescente sensibilidade social. No mesmo sentido, não podem ser encaradas como apenas uma reacção política aos problemas ambientais objectivos. As respostas do poder político às preocupações sociais com o ambiente e à própria degradação ambiental decorrem de múltiplos factores. Isto significa que existe uma miríade de causas subjacentes ao interesse político pelas questões ambientais, sendo impossível determinar com exactidão qual o papel dos vários factores que intervêm nesse

processo. Salienta-se o papel dos grupos ambientalistas e das catástrofes ambientais, tal como o da própria opinião pública, na pressão ao poder político neste domínio.

Analisando as políticas ambientais, em termos genéricos, constatamos que, num contexto de crescente globalização dos problemas, elas têm sido elaboradas a um nível cada vez mais internacional. Constata-se igualmente, o alargamento do âmbito e o aumento do número das políticas, programas e medidas ambientais, a nível nacional e internacional. Uma conclusão importante desta secção é a de que se trata de um domínio controverso e dotado de grande complexidade. Isto acontece, devido ao elevado número de actores sociais, de entidades e modalidades de actuação envolvidos na definição e implementação das políticas ambientais. Neste sentido, identificámos alguns dos principais problemas e dificuldades associadas à elaboração e implementação das políticas ambientais, salientando-se aqui a questão da sua legitimidade. Vimos como alguns autores advogam um deficit de legitimidade nas políticas ambientais, decorrente essencialmente da falta de clareza do significado da própria noção de ambiente, por um lado e de um deficit de representação, nessas políticas, dos vários interesses e necessidades, por outro lado. Salientámos o facto de existirem várias modalidades de elaboração simbólica da natureza e do ambiente, que são informadas por valores, representações e práticas diversas e que correspondem, igualmente, a diferentes legitimidades que é necessário incorporar nas políticas do ambiente e na sua gestão. Ainda nesta secção analisámos vários exemplos de tratados e acordos internacionais para fazer face aos problemas ambientais. Debatemos também as principais dificuldades e problemas de que padecem, com especial destaque para a questão da soberania dos vários estados- nação envolvidos. Estes problemas e dificuldades são comuns à maior parte das convenções e acordos, como também à própria UE, ainda que este organismo se revista de uma forma diferente dos analisados. Finalmente, nesta secção salientámos a crescente componente ética associada às políticas para o ambiente. Advogámos que essa componente foi perfeitamente posta em evidência pelo Relatório Brundtland, através da introdução do conceito de desenvolvimento sustentável. Salientamos a extraordinária difusão na utilização política e social deste conceito e, simultaneamente, as suas dificuldades de operacionalização.

Na última secção, observámos os vários significados sociais de natureza e de ambiente, assim como a crescente procura e consumo de bens ambientais e de bens naturais. Começámos por anunciar o fim da natureza natural, i.e., o fim de uma natureza vista como selvagem e sem intervenção humana, e a emergência de uma natureza cada vez mais socializada. Este fim da natureza natural faz com que a sociedade a redescubra, ainda que sob outras formas. A escassez e o esgotamento dos recursos naturais estão na base da crescente valorização social do ambiente e, igualmente das crescentes procuras e consumos de espaços e bens naturais. Constatámos, ainda que não se negue a sua existência

Capítulo II. – A emergência do ambiente como questão social e política nas sociedades contemporâneas

objectiva, que o ambiente e a natureza são fundamentalmente construções sociais, o que decorre da sua apropriação simbólica e material pelos vários actores sociais. Consoante estes modos de apropriação, apresentámos várias definições de natureza e de ambiente, que não considerámos opostas, mas antes coexistentes, quer nos mesmos contextos sociais, quer nas próprias representações e práticas individuais. Estas representações e práticas determinam as modalidades de procura e consumo dos bens naturais e ambientais, devendo, por isso, ser integradas nas políticas e na gestão do ambiente.

Tendo por base os contornos principais da emergência do ambiente como uma questão social e política, nas sociedades contemporâneas, procuraremos, no capítulo seguinte, observar como se processa aquela emergência em Portugal.

Capítulo III - A Emergência do Ambiente como Questão