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Do ambiente natural ao ambiente socializado – o valor do ambiente e da

Capítulo II – A Emergência do Ambiente como Questão Social e Política

4. Do ambiente natural ao ambiente socializado – o valor do ambiente e da

Diferentes contextos sociais têm visões diferentes e por vezes contrastantes do que é o ambiente e a natureza e ainda do que significa o ‘natural’. Nas sociedades industrializadas e desenvolvidas a reificação da natureza tornou-se quase uma característica dominante, como observam, entre outros Redclift e Woodgate (1994: 55): “a natureza tornou-se imbuída de tantas virtudes que o termo ‘natural’ já não possui um sentido inequívoco. Remodelámos a natureza, nas nossas mentes como nos tubos de ensaio e campos de estudo, transformando os processos ecológicos em axiomas políticos”. A vontade que os seres humanos parecem ainda possuir de controlar e gerir a natureza e o ambiente e as implicações que tal facto tem na sustentabilidade, reflecte uma mudança significativa nas atitudes face à natureza. Nash (1973, cit. in Redclift e Woodgate, 1994: 59) por exemplo, argumenta que, justamente no contexto da mudança das atitudes das sociedades contemporâneas face à natureza e ao ambiente, quanto mais as sociedades se desenvolvem economicamente, maior será a sua

apreciação da natureza. Nash refere assim que as sociedades passaram por estádios diversos na sua relação com o meio natural, estádios que podem sintetizar-se do seguinte modo:

1. inicialmente o valor da civilização é maior do que o valor atribuído à natureza, porque esta é abundante. Este facto favorece a exploração da natureza, que é encarada como uma ameaça à própria organização social. Este tipo de sociedades são, de acordo com Nash (1973), “exportadoras de natureza” e na actualidade poderíamos incluir aqui as sociedades dos países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento;

2. com o aumento dos níveis de desenvolvimento económico, a civilização enraíza-se e a natureza torna-se escassa e os seus recursos são percepcionados como limitados. Consequentemente o valor de cada um destes aspectos (civilização/natureza) transforma-se e as sociedades começam a considerar a conservação da natureza como forma de salvaguardar os recursos escassos e, simultaneamente, a atribuir-lhe valor;

3. finalmente, à medida que a natureza e os recursos se tornam escassos, há uma tendência para a sua maior valorização social. A apreciação estética da natureza aumenta igualmente e Nash refere-se a este tipo de sociedades como “importadoras de natureza”. Estariam neste caso as modernas sociedades ocidentais.

É evidente que esta perspectiva que podemos rotular como evolucionista é bastante simplista e tende a considerar o desenvolvimento como um processo linear e etnocêntrico que, a seu tempo, chegará a todos os lugares do globo. Como já referimos inicialmente nem todas as formas de organização social avaliam e apreciam o ambiente e a natureza da mesma forma e, mais ainda, seguramente que os termos natureza e civilização também não querem significar o mesmo em todas as formações culturais. De qualquer forma, esta perspectiva de Nash, fornece-nos alguns pontos de partida para as relações que podemos sugerir entre níveis e tipos de desenvolvimento socioeconómico e representações e práticas face ao ambiente. Por outro lado, a abordagem anterior, ainda que apenas o sugira, chama- nos a atenção para o facto inequívoco de que existem diferentes concepções de natureza e de ambiente (bem como de desenvolvimento) que se encontram associadas à diversidade de contextos sociais e ao modo como estes se desenvolveram em conjunto com os meios e os recursos naturais56. Esta abordagem esquemática alerta-nos igualmente para a escassez da natureza nas sociedades contemporâneas e desenvolvidas.

Retomando o trabalho de Beck (1992) sobre a sociedade de risco, podemos referir que a clássica e tradicional oposição (sociológica e social) entre sociedade e natureza perdeu os

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Um exemplo das concepções diversas da natureza foi dado já anteriormente, quando nos referimos ao trabalho de Godelier (1974) sobre os Pigmeus Mbuti e os Bantu e as suas diferentes concepções de natureza. Se bem que no caso do exemplo dado, o autor se referisse às percepções face ao mesmo meio natural, consideramos que o mesmo ilustra igualmente o assunto de que tratamos neste ponto.

Capítulo II. – A emergência do ambiente como questão social e política nas sociedades contemporâneas

fundamentos que ainda poderia possuir através das revelações que os desastres ambientais trouxeram consigo. Deste modo, dizem Spaargaren e Mol (1993: 445), os actores sociais foram confrontados “com o fim da natureza como exterior à reprodução social”, ou seja, a natureza foi internalizada pelas sociedades modernas e contribuiu para a sua necessidade de auto-confrontação. Este foi o culminar daquilo a que Giddens (1991: 135) chama o “processo de socialização da natureza”, ou por outras palavras, o processo de dominação dessa mesma natureza pelo Homem. Como nos diz ainda Giddens (1991) o controlo da natureza foi um aspecto básico na pré-modernidade e este processo de intervenção humana na natureza natural não fez mais do que intensificar-se durante o período da modernidade. Como já vimos, a natureza “no seu sentido primordial” (Giddens, 1991: 137) era muito imprevisível e as actividades humanas estavam então dependentes dessa imprevisibilidade sobretudo em termos económicos. Tratava-se de uma natureza natural no sentido em que o Homem não intervinha nos processos naturais e não sabia como controlar, monitorizar e minimizar os seus efeitos. No entanto, como demonstrou a análise precedente quanto ao paradigma social dominante e quanto à modernidade, a maior independência em relação às forças naturais da natureza não significou uma maior sensação de segurança, pelo contrário, agravou (pelos motivos expostos) a vulnerabilidade social. Aquilo a que Giddens chama a natureza socializada, fornece-nos um bom exemplo do que acabou de ser dito. Segundo este autor pode ser argumentado, de modo bastante plausível, que a intervenção humana ao longo dos tempos (essencialmente a observada nos últimos cinquenta anos, no mundo desenvolvido) na natureza foi de tal modo profunda e ampla que actualmente podemos falar no “fim da natureza natural” (idem: 137) ou no “mundo que perdemos” (Cudworth, 2003: 111) ou ainda “no fim do mundo tal como o conhecemos” (Irwin, 2001: 50). Aquilo que emerge é, então, uma natureza amplamente socializada57, o que não só chama a atenção para a dominação humana, como para o facto de que actualmente não podemos continuar a entender a natureza (e ainda mais o ambiente, tendo em conta a forma como o definimos) como algo separado dos aspectos humanos e sociais. Como refere Irwin (2001: 59) “na sociedade de risco, as nossas ideias da natureza não podem ser mantidas à parte das preocupações sociais do nosso tempo” porque, tal como nos diz Beck (1992: 81) “os problemas ambientais não são problemas da nossa envolvente, mas – nas suas origens e através das suas consequências – são problemas sociais, problemas das pessoas (…). No fim do século XX a natureza é a sociedade e a sociedade é também a natureza. Quem continue a falar da

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Esta noção de natureza socializada não é de todo nova, já que vários trabalhos do geógrafo Georges Bertrand (1975, 1978) nos tinham alertado para a inexistência de uma natureza natural. Particularmente em 1978, Bertrand adverte-nos para a inexistência de nenhum lugar que possamos designar como natural, dada a amplitude da intervenção humana no ambiente. A colonização da natureza (e.g. Fischer-Kowalski e Habert (1993) tem sido feita de forma mais ou menos consciente por todos os grupos humanos. Na mesma linha, Cudworth (2003: 113) diz-nos que “no século XXI existe muito

pouca natureza natural (‘wilderness’) e mesmo aqueles lugares que são vistos como naturais, como a Antártica, estão sujeitos a construção social. Eles são transformados em imagens para o consumo de massas nos documentários

natureza como não social, fala em termos de um século diferente, que não condiz mais com a nossa realidade” 58. De certo modo, é este fim anunciado ou concretizado da natureza que faz com que (e aqui o esquema de Nash adquire mais algum sentido) actualmente a sociedade globalmente considerada lhe atribua um valor crescente. Não se trata apenas da escassez da natureza, mas do receio justificado do seu esgotamento. Spaargaren e Mol (1993) referem que a relação, em processo de transformação, entre a sociedade e a natureza, sob as emergentes condições da modernidade reflexiva, pertence a pelo menos dois conjuntos de alterações que conduzem , cada uma de modo específico, a diferentes significados do termo fim da natureza. Em primeiro lugar, o fim da natureza, sendo esta entendida como todos os sistemas naturais intocados pela acção do Homem. Na sequência disto, o conceito de natureza socializada deixa de se aplicar apenas às zonas urbanas ou aos habitats humanos como formas de organização opostas à natureza. Em segundo lugar, o fim da natureza como o conjunto dos processos naturais. Neste sentido, como vimos já, quase todos os aspectos relevantes da natureza têm sido sujeitos à intervenção e ao controlo humano. A substituição destes processos naturais por aquilo a que Beck (1992) chama a natureza programada pelo Homem tem um papel central no entendimento das condições de vulnerabilidade e incerteza que as sociedades desenvolvidas experimentam actualmente. O fim da natureza e a sua emergência como socializada, impõe a análise das formas como ela se encontra incorporada na constituição dos interesses humanos e das várias formas de organização social (e.g. Godard, 1989).

Dissemos já que existem diversas representações e práticas relativamente aos elementos naturais e relativamente ao ambiente. Torna-se, contudo, difícil clarificar os conteúdos precisos desta diversidade, não apenas porque são fundamentados em preocupações e interesses diferentes, como dentro dessa diversidade as interacções entre os vários sistemas de representações e práticas podem ser múltiplas (e.g. Bozonnet e Fischesser, 1985). No limite, poderíamos dizer que há tantas definições de natureza e, igualmente, de ambiente, quantos os actores sociais que intervém nestes domínios. Afirmar isto seria, no entanto, negar o carácter social dos sistemas de representações e práticas, a impossibilidade de os conhecer e medir e seria, igualmente, afirmar um certo primado de relativismo cultural, que embora caro à ciência pós-moderna, recusamos. Todavia, não abdicamos do enunciado de que o ambiente e a natureza são socialmente construídos, sem negar a sua existência objectiva59. Diremos que ambas as noções, embora se confundam quer do ponto de vista dos actores sociais, quer do ponto de vista dos experts das ciências sociais, têm um conteúdo televisivos, frequentemente como espectáculos para consumo estético ou ‘científico’ – tratados como objectos para a conservação e a pesquisa científica”.

58Sublinhado no original.

59Sobre o debate entre as perspectivas construtivistas e realistas na sociologia do ambiente ver o recente trabalho de

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polissémico, não apenas semanticamente, mas também simbolicamente60. No mesmo sentido, Tester (1994: 1) diz-nos que “the environment is made, not found”61 o que não significa que se negue a sua existência objectiva e, sobretudo, a existência objectiva dos elementos e recursos que constituem a natureza. Na mesma linha, Macnaghten e Urry (1998), ao demonstrarem que todas as noções de natureza se encontram profundamente ligadas a diferentes formas de organização social, demonstram igualmente as diversas formas através das quais o “mundo aparentemente natural foi sendo produzido a partir de práticas sociais específicas”, reforçando assim a nossa perspectiva de que a natureza e o ambiente são socializados, ou seja, socialmente construídos e, consequentemente possuem diferentes significados, quer em diferentes épocas, quer em diferentes espaços. Defendendo a sua perspectiva culturalista, também Eder (1996: 10) nos chama atenção para o facto de a “construção social da natureza ser decorrente da sua apropriação social (…). A história da construção social da natureza é sempre a história de uma interacção cognitiva, moral e estética, com a natureza” e acrescenta que “a transição da natureza para a cultura não se esgota na história da subjugação da natureza. Não pode ser reduzida à dominação”62. A

interacção com a natureza é, assim culturalmente determinada (e.g. Mormont, 1993a; Eder, 1996; Macnaghten e Urry, 1998) sendo que, como explicou Moscovici (1968), é a especialização das actividades humanas que determina a inter-relação com a natureza. Neste sentido não podemos reduzir a apropriação material e cultural da natureza à sua exploração, perspectiva na qual assentou todo o erigir das sociedades modernas. Nestas, a natureza tende a ser vista a partir de uma perspectiva racional – a natureza como um relógio mecânico (ou como uma máquina, como referia Descartes) que pode ser manipulado e alterado de acordo com a vontade humana.

Como diz Eder (1996: 26) “no industrialismo ocidental, a metáfora da luta (contra ou com a natureza) tornou-se o ponto central para reproduzir a moderna relação com a natureza”, mas foi agora ultrapassada pela interpretação da mesma natureza “como ‘alter ego’ da humanidade”. Isto reenvia-nos para a dimensão ética dos problemas (e respectivas soluções) ambientais, na medida em que “a apropriação material (económica) da natureza está presa a uma economia moral” (idem, ibidem)63.

Qualquer contexto social possui, então, a sua interpretação do que é a natureza e do que é o ambiente, que determina também os seus usos (e.g. Godelier, 1978a e 1978b). No campo

60Godard (1992) alerta-nos para esta polissemia, simbólica e semântica e para as dificuldades em termos de investigação,

no domínio das ciências sociais, em dar um conteúdo verdadeiramente operacional às noções de natureza e ambiente. O autor citado, refere ainda que para muitos cientistas, o ambiente não é senão um nome novo para um objecto de estudo tão antigo como as ciências (naturais) – a natureza.

61 Isto é, o “ambiente é feito, não é encontrado”, no sentido em que não é apenas um cenário, mas uma construção social. 62 O autor recusa assim, as perspectivas naturalistas, seguindo de perto o que era proposto em 1968 por Moscovici quanto

das representações e práticas sociais, poderemos dizer com Greider e Garkovitch (1994) que é a acção humana que confere sentido à natureza e ao ambiente e que esta acção é, por sua vez comandada pelos significados atribuídos. Neste sentido, reforça-se o carácter de socialmente e diversamente construído do ambiente e impõe-se referir a reciprocidade desta relação, ou seja, “se a cultura dá sentido ao ambiente, o ambiente dá sentido à cultura” (Parkin e Croll, 1995: 368). Isto significa que a natureza e, também, o ambiente, são simultaneamente sujeitos e objectos (e.g. Godard, 1989), ou seja, que são simultaneamente um produto da interpretação social, mas realidades que existem independentemente do observador e da observação.

No domínio das diferentes percepções da natureza e do ambiente, muitos são os autores e as interpretações das definições sociais destas duas noções (e.g. Bozonnet e Fischesser, 1985; Godard, 1989; Feldmann, 1993; Mormont, 1993a e 1994a; Kliskey, 1994; Sauve, 1994; Zube e Sheenan, 1995; Macnaghten e Urry, 1998 e ainda Mela, Belloni e Davico, 2001). Talvez os trabalhos mais exaustivos, no que se refere às concepções de natureza, sejam os desenvolvidos por Godard (1989) e por Feldmann (1994)64. Tentando integrar o que nos

dizem ambos os autores, podemos identificar pelos menos sete tipos de definições (ou qualificações ou representações) sociais da natureza. É importante referir que não se tratam de representações completamente antagónicas, mas antes que podem coexistir, tanto em termos sociais, como em termos individuais:

1. A ‘natureza inspiradora’ (segundo Godard, 1989) ou a ‘natureza bela’ (segundo Feldmann, 1994) ou ainda a ‘natureza regeneradora’ (de acordo com Bozonnet e Fischesser, 1985) – este tipo de representação da natureza encara-a como inspiradora e inspirada, como ganhando o seu significado em resultado da dialéctica entre a experiência sensível e a experiência metafísica. Por um lado, é uma natureza que surge como estando para além do Homem, por outro possui corporalmente uma certa inacessibilidade. Nesta representação, a integridade da natureza é uma noção decisiva. Há igualmente uma espécie de visão religiosa através da qual os seres da natureza são habitados ainda pelo criador. Esta concepção aproxima-se muito da concepção romântica (literária e artística) de natureza e o seu valor assenta essencialmente na sua singularidade, na sua integridade. Esta abordagem tende a sacralizar a natureza.

2. A ‘natureza de renome ou afamada’ – “aqui reina a opinião dos outros. É grande e bom o que é conhecido, i.e., célebre” (Godard, 1989: 320). A natureza não ocupa um lugar

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Mas Eder diz também que não existe nada mais senão uma economia moral da natureza. Para este autor não existe

economia natural já que a ideia da natureza como valor de troca é quase ficcional. Diz Eder que “a natureza não pode sujeitar-se às regras do mercado” sem que isso coloque problemas éticos.

64Muito embora outros autores, como Macnaghten e Urry (1998), também apresentem diferentes formas de concepção

social da natureza, referimo-nos aos trabalhos de Godard e de Feldmann como mais exaustivos dado que atribuem a cada uma das concepções que apresentam um conteúdo relativamente mais objectivo e perceptível.

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específico e é qualificada apenas através de figuras de monumentalidade ou de paisagem (é a que se encontra com frequência na base do chamado turismo cultural). O valor associado a estas representações é também o de grandiosidade e de singularidade – o lugar que é necessário conhecer devido à sua celebridade. É a natureza enquanto “catedral” (e.g. Redclift e Woodgate, 1994), ou seja, enquanto herança. Estes objectos são actualmente amplamente mediatizados, que se divulgam, que se transformam em imagens visíveis e acessíveis a um número cada vez maior de pessoas. No fundo, o valor principal associado a esta concepção é a notoriedade e a frequência..

3. A ‘natureza doméstica’ (Godard, 1989) – nesta concepção a natureza é essencialmente organizada segundo a clivagem selvagem/domesticada. É o domínio do local, dos seus significados e histórias singulares. O valor associado a esta representação é definido por relação a uma memória e a uma capacidade de transmissão, ou seja, pela inserção numa tradição cultural. Nesta concepção a noção de património é uma noção-chave, dado que designa uma totalidade de bens apropriados e gerados, tendo como objectivo o seu uso e a sua transmissão. Funciona ao mesmo tempo, como “recurso identitário e como garantia material da perenidade do grupo social em questão” (idem: 322).

4. A ‘natureza cívica’ (Godard, 1989) ou a ‘natureza normativa’ (Feldmann, 1994) – esta representação associa-se à noção de património colectivo ou bem comum. Esta concepção valoriza fundamentalmente o que é colectivo e comum, em particular as organizações e instituições representativas de um interesse geral, como por exemplo o Estado (e.g. Mormont, 1993a). A natureza neste sentido tem apenas um significado de lugar de aplicação do princípio cívico ou de cidadania: a natureza deve ser acessível a todos. A natureza é aqui igualmente magnificada pela administração pública ou ainda pela ausência de todo e qualquer intervenção ou investimento singular.

5. A ‘natureza industrial’ (Godard, 1989) ou a ‘natureza instrumental’ (Feldmann, 1994) – a natureza é utilizada de forma selectiva de acordo com os princípios económicos e técnicos. “A natureza não é encarada como uma entidade separada da civilização, é entendida como parte de todas as coisas economicamente utilizáveis” (Feldmann, 1994: 394). O valor associado a esta representação é sobretudo o valor da exploração da natureza. É a natureza vista como matéria-prima, como capital.

6. A ‘natureza-mercado’ (Godard, 1989) – nesta representação a natureza é fundamentalmente encarada como bem de troca. A sua base é assegurada pela definição comum dos bens sobre os quais convergem os desejos de apropriação (ou as procuras e os consumos). Esta definição abre a possibilidade de concorrência e de constituição de mercados. É segundo Godard (1989: 323) “o domínio dos interesses

particulares, mas libertados de ligações domésticas e alimentando um princípio de oportunismo”. Neste quadro, existe uma transformação nas representações e das relações dos actores sociais com a natureza, que se traduz em comportamentos de aquisição de bens e serviços, tornados apropriáveis e desejáveis.

7. Finalmente a ‘natureza a proteger’ (Godard, 1989) ou a ‘natureza em perigo’ (Feldmann, 1994) – as concepções de natureza baseiam-se no pressuposto que o Homem destrói a natureza. Esta concepção pode ser encontrada em todas as civilizações65, embora não tenha sido dominante em nenhuma delas como o é hoje no contexto da modernidade reflexiva. Os valores associados a esta representação relacionam-se de perto com a necessidade de proteger e preservar a natureza das actividades humanas.

No que refere às representações de ambiente, embora a literatura disponível seja em menor número, é possível identificar, de acordo com Sauve (1994) pelo menos seis concepções que, tal como dissemos para a natureza, não são contraditórias, mas podem coexistir, quer em termos individuais, quer em termos das diversas formações sociais: 1. O ambiente como problema – esta representação encara o ambiente como uma área

de problemas que é necessário resolver, seja através da acção colectiva, seja através da transformação das atitudes e comportamentos individuais.

2. O ambiente como recurso – que é necessário gerir. Trata-se de uma representação que associa o ambiente essencialmente à esfera biofísica, mas também à noção de bem comum e colectivo.

3. O ambiente como natureza – a apreciar, a respeitar e a preservar. É uma representação de ambiente “como puro, original, aquele de que o Homem ainda não se dissociou e com o qual deve renovar os laços” (Sauve, 1994: 6). É o ambiente encarado como ‘natureza-catedral’, para usar a expressão anteriormente mencionada, que é necessário admirar. Sauve (1994: 6) refere que para alguns autores se trata também da “natureza-útero, com a qual é necessário existir uma unificação”.

4. O ambiente biosfera – esta concepção encara o ambiente como espaço inequívoco de sobrevivência à escala global.

5. O ambiente como meio de vida – esta representação relaciona-se mais com um valor de utilização do meio, cujos usos devem ser regulados e ordenados, no sentido de evitar conflitos sociais.

6. O ambiente comunitário – esta representação é em tudo semelhante à de ‘natureza cívica’, que apontámos antes. O ambiente como lugar de expressão da cidadania, dos

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