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COMSUMIDOR RETALHISTA

5. Os Produtos Locais e a Qualidade

5.2. As Tendências do Consumo

As preocupações com a utilização ou não de pesticidas ao nível da produção, com a

introdução de determinados aditivos nos produtos transformados, ao nível da agro- -indústria, e com a noção de produto artesanal, são exemplos de conceitos cada vez mais

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importantes na definição de uma estratégia de desenvolvimento no sector, apesar de em termos globais o consumo massificado, baseado em produtos padronizados, continuar a ser predominante (Agromercados, 1992:4).

Desde há duas a três décadas atrás que as tendências da produção e do consumo seguem dois pólos opostos. Por um lado, a estratégia empresarial crescia e dominava, trazendo ao consumo os produtos “universais” prontos a comer, como os hambúrgueres, as pizas e tantos outros, por outro lado, crescem as preocupações com a utilização excessiva de pesticidas e aditivos, adoptando este segmento menor de população os produtos artesanais e naturais. Com estas duas categorias de bens alimentares, atendeu-se às exigências de consumo das massas populacionais e em paralelo aos pequenos nichos de mercado emergentes.

Foi na perspectiva globalizante do consumo padronizado que despertaram pela Europa movimentos de defesa do consumidor com uma preocupação crescente com a qualidade organoléptica e sanitária dos alimentos. Deste modo, vários movimentos naturalistas e ambientalistas preconizaram a presença de produtos naturais, biológicos, tradicionais, dietéticos e outros similares na dieta alimentar. Estes são exemplos de preocupações cada vez mais visíveis e importantes para a implementação de estratégias de desenvolvimento no sector, embora o consumo massificado persista ainda em esmagadora maioria na actualidade.

É no entanto um facto, que a procura de produtos locais de qualidade também tem vindo a aumentar nos países europeus. Como refere Marreiros (1999:52), o acto de compra converteu-se num acto cultural que reflecte a crescente procura da singularização e a imagem diferenciada que queremos dar de nós mesmos. O consumo de produtos alimentares passa a fazer parte de cada estilo de vida (...) Aprecia-se o novo e o diferente, mas procura-se também a familiaridade.

Com a evolução da procura e as metamorfoses ocorridas na agricultura, o consumidor tem vindo a mostrar uma preferência cada vez maior pelos produtos ligados a um determinado território, produtos de qualidade diferenciada, sãos, com sabor e que dêem prazer, mas que permitem também sonhar (Pujol, 2000:5). As novas tendências de consumo, que levam cada vez mais à procura de produtos sãos, naturais, com uma identidade ligada a um território (montanha, espaço protegido, etc.), oferecem novas oportunidades de mercado para os produtos das zonas rurais (François, 2000:13).

49 A marca de certificação é importante para o produtor, para o comerciante e para o consumidor. Mantas et al. (1997), revelam que, de acordo com um inquérito efectuado pelo Instituto Nacional de Investigação Agronómica francês em 1995 a pedido da CE a 16 000 “euroconsumidores”, existe uma forte preferência dos consumidores pelos produtos originários de uma determinada região. Segundo este estudo, o “euroconsumidor” valoriza o produto mediante um certo número de atributos: 76% das pessoas interrogadas declaram consumir produtos alimentares resultantes de “técnicas tradicionais” e para os identificar 43% apoiam-se na explicação que figura no rótulo. Note-se igualmente que 33% das pessoas interrogadas controlam a composição do produto, 29% verificam o local de produção, 27% procuram uma indicação relativa ao carácter “tradicional” e 25% baseiam-se na marca (Ricci et al., 2000:58).

Presentemente, além da acentuada preferência por produtos associados à tradição, existe também uma certa obsessão pela qualidade. Estes dois factores, além de serem partilhadas por produtores e consumidores, estendem-se às grandes superfícies. Neste sentido, presencia-se a tomada dos “produtos locais” pelas grandes cadeias de distribuição, transformando-os num “negócio”. Para o efeito, chegam mesmo a recrutar alguns produtores para lhes fornecerem os produtos especificados. Ao massificar os referidos produtos, que em princípio não são nem podem ser massificáveis, as cadeias de distribuição adulteram a filosofia do bom, do nicho e do local, retirando mercado à venda directa pelo produtor de produtos genuínos, estes sim, de qualidade garantida.

Existem numerosas histórias de pequenas empresas alimentares associadas a fracassos e experiências negativas, devido à (...) “absorção” pela grande distribuição (processo através da qual, por meio de encomendas cada vez mais numerosas, a grande distribuição se torna praticamente o único cliente da empresa, que se vê assim forçada a celebrar contratos cada vez menos lucrativos até chegar a uma adulteração da sua produção) (Ricci et al., 2000:57). É nesta conformidade que produtores e intermediários vêem nestes clientes mais uma ameaça que uma oportunidade, recorrendo apenas a este canal quando não conseguem outras formas de colocar o produto no mercado.

As tendências “generalizadas” para a diversificação do consumo de produtos de qualidade são provocadas, em grande medida, por:

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- lazer, estética, consciência e responsabilidade social; - aumento dos rendimentos, exigência.

De acordo com Cardoso (1995), até há bem pouco tempo, as mais íntimas rotinas ficavam (e ficam ainda hoje) presas ao sistema industrial da segunda vaga. Concretamente, as famílias acordavam em simultâneo, comiam em simultâneo, utilizavam os mesmos transportes no regresso a casa, iam para a cama, dormiam, e até faziam amor mais ou menos em simultâneo. Assim como a clonagem produz actualmente produtos iguais, a massificação produzia consumidores iguais. Hoje, estamos perante um fenómeno de compensação do consumidor urbano em relação ao “stress” da vida moderna, à uniformização dos modos de vida e de consumo e aos problemas ambientais. A sucessão de acidentes, ligados em especial a derrapagens incontroladas da alimentação para animais, intensificou e acelerou um reflexo de segurança do consumidor, que exige mais do que nunca ser tranquilizado sobre a origem e a rastreabilidade daquilo que come (Pujol, 2000:5).

Contudo, existe uma outra fasquia de população que não se pode “dar ao luxo” de pensar sequer em produtos de qualidade devido aos baixos rendimentos auferidos. Neste contexto, como já referido, existe em paralelo com a tendência de consumo de produtos naturais, uma tendência europeia para a uniformização do consumo de produtos mais acessíveis, porém, de inferior qualidade. Como nos diz Marreiros (1999), uma das tendências do consumo observadas nos anos mais recentes envolve a polarização dos preços. Tal como acontece no resto da Europa, enquanto o mercado de alta qualidade e preços altos se tem desenvolvido num extremo, tem também havido um grande desenvolvimento na parte inferior do mercado.

Segundo Trail (1996), a dieta alimentar europeia encaminha-se para um padrão comum. Um dos factores que explica esta convergência alimentar apontado por Gil et al. (1995), é o acréscimo de empresas europeias que têm como estratégias a integração horizontal e vertical provocada pela deslocação de tecnologias, por estratégias de marketing multinacionais e pela globalização da distribuição alimentar. Outro factor relacionado com a convergência alimentar europeia, de acordo com Littler (1995), está associada às tendências demográficas e sociais na Europa, que sendo semelhantes, levam à globalização do consumo. Este autor refere ainda que a movimentação de pessoas e bens no seio da UE,

51 a queda de barreiras para protecção do comércio interno, os regulamentos da Comunidade Europeia e as comunicações electrónicas levam à padronização e à aceitação dos bens estrangeiros e à harmonização dos gostos dos consumidores. Para Marreiros (1999), a tendência que molda a sociedade para o consumo em massa é a falta de tempo, a rapidez na confecção dos alimentos e os baixos rendimentos das famílias.

A tendência generalizada do consumo português está a evoluir para um padrão muito próximo do comunitário, isto porque nas últimas décadas as propensões socio-económicas e psico-sociológicas possuem características semelhantes às das nações europeias, concretamente, o fenómeno do envelhecimento, a redução do número de filhos, o aumento do nível/qualidade/esperança de vida, a crescente preocupação com a saúde e com o ambiente, o aumento de indivíduos do sexo feminino em cursos superiores e o crescente papel da mulher nas sociedades rurais. Contudo, de acordo com Marreiros (1999), a população portuguesa é ainda caracterizada por um alto nível de iliteracia, o que produz consumidores menos exigentes e pouco aptos a usar os seus direitos como consumidores. É de notar contudo, que associada a uma taxa crescente de iliteracia está uma taxa crescente de população com educação universitária e superior que faz notar os seus direitos.