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OS JOVENS E SUAS TRAJETÓRIAS DE VIDA

2.3 A Caracterização da Instituição – Lócus da Pesquisa

2.3.4 As Unidades de Internação: Uma reflexão necessária

Deus fez todo ser humano pra não tá preso... pra ficar livre e não ficar preso. Por isso que o ser humano tem que usar a inteligência que Deus lhe deu pra ele, pra ele tá dando valor a muitas coisas aqui fora, porque quando tá lá dentro você dá valor nas mínimas coisas, você não dá valor aqui fora, por mais simples que for, mais você vai dar valor. [...] o objetivo ali é todo dia você sonhando com a sua liberdade. Você não fica um minuto sem pensar como que tá, como que você vai retornar aqui fora. Ali dentro é o que você tem que conquistar é a sua liberdade. (T.J.S.C.)

Semelhantes às prisões de adultos, as Unidades de Internação têm sido uma constante e pertinente preocupação da sociedade brasileira, a exemplo da situação dos “Complexos” da Fundação CASA, antiga FEBEM, como pode demonstrar, o noticiário amiúde na mídia.

Nesse caso, ver, estar lá, sentir o clima e conhecer as pessoas foi determinante para refletir sobre o problema da internação como tentativa de “recuperar” jovens autores de ato infracional, perceber os sentimentos que isso envolve de maneira mais próxima à realidade escondida atrás dos muros.

[...] o que vai te recuperar é a tua consciência, é você lembrando das pessoas que gostam de você realmente, e ter fé em Deus que é só isso daí que muda a tua vida de rumo e ter perseverança. Tem que ter pulso firme pra tá pulando aí, tá saindo dos obstáculos. O único problema naquela medida é que eu sempre fui leviano, sempre fui muito cabeça dura, fazendo muitas coisas sem pensar. Lá dentro eu amadureci. Eu amadureci, felizmente. (T.J.S.C.)

O contato com a instituição desmascara algumas mazelas da estrutura do aparelhamento punitivo, revelado pela confusão que a burocracia da coisa pública cria e permite ver mais de perto a realidade sem lentes alheias.

Muitos funcionários lá dentro e muitas pessoas acha que a FEBEM é uma coisa e quando vai ver é totalmente outra. (tristeza, revolta). (T.J.S.C.) – (grifo nosso)

Na situação limite de estar “preso” num lugar tenso, onde se tem que pensar bem antes de falar qualquer coisa, pois o “colega” que ainda não é inimigo pode vir a ser, um passo em falso no que o outro entende por “respeito” pode resultar em conflitos fatais. A expressão máxima de violência é direcionada ao “cagüeta”, ao “arrogante” ou ao “estuprador”. Na Unidade, o ódio àqueles que desrespeitam o “código de conduta” – não

escrito, não declarado, mas existente, sabido décor – chega ao requinte de crueldade, onde o mal se torna uma banalidade que impressiona.

As instituições punitivas prevêem certa estrutura arquitetônica que define a função de vigia constante sobre os internos – a estrutura do “Panóptico de Bentham” estudada por Foucault (1987, p. 166)132 é o modelo que inspirou a arquitetura de instituições totais.

A reprodução da estrutura de vigia proposta por Bentham serviu de inspiração para a criação das várias edificações que pressupunham vigilância, remodelando as necessidades de cada caso. Esta tendência foi chamada por Foucault de “panoptismo”. Assim, o panóptico pode cumprir com a sua mais importante função: “induzir no detento um estado de consciência permanente de visibilidade, que assegure o funcionamento automático do poder”. Um exemplo de panóptico improvisado, onde a vigilância se dá menos pelo olhar, e mais pelas relações de poder que se estabelecem entre a polícia, funcionários e internos, é dado por T.J.S.C., sujeito da pesquisa:

Mais apanhei, mais mesmo quando fui preso dos polícia ali foi que eu apanhei mais. Mas eu não apanhava mais na FEBEM, porque eu sou um menino inteligente, não vou dar motivo, sei que tô preso, não vou faltar com o respeito com nenhum funcionário, não vou fazer nada porque eu sei que ali a tendência é me atrasar que o objetivo ali é todo dia você sonhando com a sua liberdade. Você não fica um minuto sem pensar como que tá, como que você vai retornar aqui fora. Ali dentro é o que você tem que conquistar é a sua liberdade. (T.J.S.C.)

A Fundação CASA sempre se inseriu e se insere no contexto contemporâneo do sistema punitivo. Uma rápida caracterização da instituição demonstra o modelo referido, pois se encontra instalada em prédios com muros altos, guaritas no alto de cada canto, cujos compartimentos são separados por salas, dormitórios (celas), setor administrativo, pátios, banheiros, quadra de futebol, refeitório, dentre outros. Conta com a Polícia Militar permanentemente nos plantões, além de Agentes de Segurança, Diretor, Encarregados Técnicos e Administrativos, Assistentes Sociais, Psicólogos, Professores e funcionários terceirizados.

A Polícia Militar ou os Agentes de Segurança realizam operações nas unidades denominadas de “revistas” que podem ser freqüentes ou esporádicas, com um esquema especial montado para quando os internos necessitam de saídas externas para audiência no

132 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. (Tradução Raquel Ramalhete). Petrópolis: Vozes, 1987.

Ministério Público, Fóruns, Delegacias, ou para tratamentos de saúde, entre outros. Os deslocamentos sempre são realizados pela Polícia e na presença de funcionários da Unidade da Fundação CASA.

A essa condição soma-se o problema de Segurança Pública em São Paulo, Capital, que apresenta a realidade cotidiana e questões semelhantes a contextos análogos na instituição, a qual cumpre a mesma função nas cidades de pequeno, médio e grande porte de outros Estados, entre as quais, a Fundação CASA é a maior, mais complexa e mais conhecida.

Tais semelhanças se dão principalmente porque as instituições que aplicam a medida de internação a jovens em conflito com a lei enfrentam sozinhas as responsabilidades acarretadas pela falência de um sistema que vai da detecção da infração, catalogação, encaminhamento jurídico e “perdão” ou punição – esta última travestida de medida socioeducativa. Como o espaço ocupado no momento último da sentença é a prisão, é lá que se desenvolvem e se apresentam os maiores problemas do sistema punitivo. Há sempre uma “cela” onde a instituição separa os ameaçados de morte, vulgarmente chamados de “seguro”, para serem “protegidos” da fúria dos outros e que, portanto, ficam ainda mais reclusos.

A lei brasileira aponta que a adoção de medidas punitivas chamadas de “socioeducativas” reintegra à sociedade jovens de 12 a 18 anos que se envolveram em atos de natureza delituosa. Dentro do rol das medidas socioeducativas elencadas pela referida lei, explicitadas mais adiante, um dos jovens se antecipa ao fazer um comentário, que parece não querer deixar escapar os mínimos detalhes sobre a sua trajetória institucional:

Vixi! Vixi! Senhora, teve ainda a semi (referindo-se à medida socioeducativa de semiliberdade) que eu passei e esqueci de te contar. Aquilo lá é outro inferno. Os moleques tudo drogado, eles falam que é semi, mas os moleques fica tudo trancado e o couro comendo, ai os moleques subiam na laje, vinha a polícia, os moleques que escondia roubo nos mocós lá na Avenida do Estado, era o inferno! Era o inferno! Eu também baguncei lá pra caramba! Na primeira oportunidade eu dei linha, fugi de lá, ninguém merece também aquilo que eles chamam de semiliberdade (irônico). Balela! Balela! Senhora. Aquilo ali também não reintegra ninguém na sociedade. É mentira! É mentira! (L.S.) – (grifo nosso)

Por outro lado, para crimes mais graves e contínuas reincidências, a medida determinada é a de internação, medida que todos os jovens sujeitos da pesquisa neste trabalho cumpriram.