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JUVENTUDE JUVENTUDES

1.5 Da Doutrina da Situação Irregular para a Proteção Integral: Uma Breve Reflexão

Pelo exposto até agora, é possível afirmar que um estudo que vise à compreensão de jovens envolvidos com atos infracionais e que cumpriram a medida socioeducativa de internação, de forma a resgatar a sua trajetória, as representações que fazem de si, de seus semelhantes e do mundo em que vivem, bem como que possa expressar a síntese das suas trajetórias de vida no contexto de uma dada sociedade, justifica-se como objeto de estudos em nível de doutoramento.

Assim, para compreender quem é o jovem que foi submetido à medida socioeducativa de internação nesta Capital, e que atualmente cumpre a medida mais branda – Liberdade Assistida – é necessário começar por um breve resgate histórico da legislação, desde as primeiras iniciativas, até atingir-se a contemporaneidade.

A história da infância e da juventude no Brasil é balizada entre antes e depois do ECA – Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. O advento do ECA contrapõe-se historicamente a um passado de controle e de exclusão social, elevando todas as crianças e adolescentes à categoria de cidadãos, inclusive aqueles que, por circunstâncias, cometeram ato infracional. Com isso, a ruptura com o paradigma da situação irregular – Código de Menores, Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979 –, que deveria acontecer, sobretudo, nas práticas sociais, e não somente no âmbito da lei, abriria caminhos para uma nova realidade histórico-social.

Portanto, no contexto social e histórico da sociedade brasileira, o ECA veio a garantir a proteção integral à criança e ao adolescente. Transformou radicalmente o direcionamento do antigo Código de Menores – baseado na doutrina da situação

irregular – e passou a considerar criança e adolescente como pessoas de direito e em condições peculiares de desenvolvimento.

O próprio processo de elaboração da lei já estabeleceu algumas diferenças. O ECA foi elaborado pela sociedade, ouvindo inclusive as crianças e adolescentes, por intermédio do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Ruas. O processo foi Coordenado pelo Fórum do Departamento da Criança e do Adolescente (DCA), que na época era formado por representantes de órgãos governamentais e não-governamentais, cabendo aos Juristas participarem apenas da redação.

Outro aspecto importante é que o antigo Código de Menores era destinado às crianças pobres, carentes e abandonadas e o novo diploma legal é destinado a todas. A partir dele, a criança se torna sujeito de direitos e não mais objeto. Isto significa que ela adquire direitos de cidadania e pode, inclusive, acionar os órgãos competentes quando seus direitos forem violados. O Código de Menores tinha caráter jurídico e era centralizador, enquanto que o ECA tem caráter jurídico e social e estabelece a descentralização, a partir da criação do sistema de garantia de direitos, que prevê a criação de uma série de organismos como os conselhos paritários e tutelares, delegacias especializadas para cuidar de crimes que envolvam crianças e adolescentes, além de garantir direitos sociais, como saúde, educação e lazer.

Ressalta-se, ainda, que após a promulgação do ECA, foram elaborados e instituídos dois documentos da mais alta relevância, dada a especificidade do tema, que se referem às Regras Mínimas das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad)88 e às Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens

Privados de Liberdade89, ambos aprovados em novembro de 1990, que preconizam um novo olhar sobre os jovens: “[...] Dedicados a atividades lícitas e socialmente úteis, orientados rumo à sociedade e considerando a vida com critérios humanistas, os jovens podem desenvolver atitudes não criminais, como também, [...] em razão da grande vulnerabilidade, os jovens privados de liberdade requerem atenção e proteção especiais e

88 BRASIL. UNICEF. Diretrizes das Nações Unidas para a Infância e a Adolescência – Diretrizes de Riad. Princípio n. 1. (Tradução Betsáida Dias Capilé). Brasília, Distrito Federal: Ministério da Justiça; Ministério de Ação Social – Centro Brasileiro para a Infância e a Adolescência; UNICEF, s/d. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/sedh/dca/convriad.htm>. Acesso em: 05 jun. 2007.

89 BRASIL. UNICEF. Regras mínimas das Nações Unidas para a proteção dos jovens privados de liberdade. Princípio n. 2. (Tradução Betsáida Dias Capilé). Brasília, Distrito Federal: Ministério da Justiça; Ministério de Ação Social – Centro Brasileiro para a Infância e a Adolescência; UNICEF, s/d.

que deverão ser garantidos os seus direitos de bem-estar durante o período em que estejam privados de sua liberdade e também após este”.

O ECA é considerado internacionalmente avançado em termos de direitos humanos, porque se coaduna com as premissas de organizações mundiais de proteção à infância e adolescência. Todavia, nota-se uma imensa lacuna entre a sua proposta e a realidade concreta de crianças e jovens brasileiros. Percebe-se que, na maioria das vezes, as proposições da lei não passam de formulações, apresentando um grande vazio entre estas formulações e suas operacionalizações.

Essa lacuna pode ser realmente concebida quando um dos jovens que cumpriu a medida socioeducativa de internação passa a narrar formas de desumanização dentro das Unidades da Fundação CASA. Eis a narrativa:

Tem funcionário que espera qualquer coisa pra pegar o moleque... Arrasta lá pra uma salinha e quebra o moleque... Ai quebra o moleque na pancada e deixa o moleque lá, trancado (mudança de humor). Então ali onde eu tava, querendo ou não... [...] Eles (refere-se aos funcionários) bate nos moleque e depois põe debaixo da água gelada, no banho gelado pra sair as marcas e não tá nem vendo, não sobra... (T.J.S.C.) – (grifo nosso)

No que se refere especificamente ao jovem em conflito com a lei90, a situação é ainda mais caótica. A atribuição da autoria de prática de delitos gera, freqüentemente, a desqualificação dos mesmos como se estes deixassem de ser sujeitos de direitos e perdessem o estatuto de cidadania.

Enquanto uma doutrina de Proteção Integral, o ECA apresenta um claro conjunto conceitual, metodológico, gerencial e jurídico, que possibilita a diferentes atores produzir novas práticas sociais e, sobretudo, possibilita que os adolescentes em conflito com a lei sejam tratados como sujeitos e cidadãos. Desta forma, ao contrário do que se difunde equivocadamente, o ECA não significa uma porta aberta para a impunidade e nem contempla qualquer regra que se traduza em garantir que as crianças e adolescentes

90 Para Isa Guará, em seu trabalho “A delinqüência e os conflitos da juventude”, a referência a “jovem em conflito com a lei” caracteriza um grupo específico de adolescentes e jovens infratores. Em geral, aqueles que chegaram ao sistema de justiça. E às instituições públicas de atendimento social e que estariam inseridos no “mundo da delinqüência juvenil”. Ressalta que esta qualificação, no entanto, pode se ajustar ao extrato juvenil mais amplo, se for considerado que, de certo modo, todo jovem está em conflito com a lei. Este conflito que muitas vezes conta com a tolerância social, se evidencia de modo mais tênue por meio de condutas irreverentes frente às normas sociais, de atos de incivilidade nos gestos e nas palavras cotidianas e de pequenas infrações às leis vigentes, compondo o chamado “comportamento rebelde dos jovens”.

GUARÁ, Isa Maria. A delinqüência e os conflitos da juventude. São Paulo: FEUSP, 1997. (Mimeografado).

possam praticar os atos ilícitos que quiserem sem nada lhes acontecer, ou que importe em rompimento das relações de autoridade no âmbito da família ou da escola.

A clara definição da lei é no sentido de que nenhum jovem ao qual se atribua a prática de conduta estabelecida como crime ou contravenção possa deixar de ser julgado pela Justiça da Infância e Juventude ou, em se tratando de criança, pelo Conselho Tutelar, e sujeito às chamadas medidas protetivas, elencadas no Art. 101 desta legislação. Caso comprovada a conduta ilegal, será o jovem responsabilizado pelos seus atos e, como resposta social, receberá a imposição das chamadas medidas socioeducativas conforme o Art. 112, que vão desde a advertência, passando pela obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida, a inserção em regime de semiliberdade, até a internação, para os casos mais graves, a qual significa privação de liberdade.

Essas medidas estão respaldadas no 4º Princípio Fundamental das Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil, Diretrizes de Riad, ao estabelecer a necessidade de medidas progressistas de prevenção à delinqüência que evitem criminalizar crianças e adolescentes por uma conduta que não cause prejuízo ao seu desenvolvimento e que não prejudiquem os demais, “[...] criando meios que permitam satisfazer às diversas necessidades dos jovens e que sirvam de apoio para zelar pelo desenvolvimento pessoal de todos os jovens, particularmente daqueles que estejam patentemente em perigo ou em situação de insegurança social e que necessitam um cuidado e uma proteção especiais”.

Então, quando se trata de adolescente autor de ato infracional, a proposta é de que, no contexto da proteção integral, ele receba medidas socioeducativas – portanto, não punitivas, mas restritivas –, tendentes a interferir no seu processo de desenvolvimento, objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração social – o educar para a vida social visa, em essência, o alcance de realização pessoal e de participação comunitária, predicados inerentes à cidadania.

Com efeito, a partir da segregação e da inexistência de projeto de vida, os jovens internados acabam ainda mais distanciados da possibilidade de um desenvolvimento sadio. Privados de liberdade, eles convivem em ambientes, em geral, promíscuos e aprendem as normas próprias dos grupos marginais, especialmente no que tange a responder com violência aos conflitos do cotidiano. Com isso, a probabilidade quase absoluta é de que os jovens acabem por absorver a chamada "identidade do infrator"

e passem a se reconhecerem, sim, como de “má índole, natureza perversa, alta periculosidade”, enfim, como pessoas cuja história de vida, passado e futuro, estão indestrutivelmente ligados à delinqüência – os "irrecuperáveis", com são chamados.

As narrativas a seguir ilustram bem a análise acima:

[...] Desde os 12 anos que é a idade que eu fiquei ruim! Mau! Eu era muito maldoso, eu segui os caminhos errados. (L.A.S.)

[...] quando eu tava com eles a gente tinha que demonstrar aquilo que a gente não é, ou seja, se a gente é um anjinho a gente tem que mostrar que é um monstro, entendeu? Na linguagem do crime você ser o monstro é você ser o cara. Aquele moleque é um moleque da hora! Aquele moleque é um moleque atentado! Eu tinha que mostrar isso daí também. Moleque atentado, moleque terrível, moleque que não brinca na ação, ou seja, que não tem medo da ação, se for pra matar ele mata, se for pra trocar tiro com a policia ele troca, moleque atentado, moleque monstro. (L.S.)

Para esses jovens que estão em conflito com a lei e que compõem a categoria chamada “delinqüência juvenil”, há reações e sentimentos hostis de grupos sociais que não analisam o contexto sócio-econômico político e cultural em que vive a juventude brasileira.

Na maioria das vezes, tais reações e sentimentos são imediatistas, com base na comoção e no clamor público, dependendo do delito cometido pelo jovem, e nestas ocasiões ou em fatos hediondos, como os acontecimentos registrados nos últimos anos na cidade de São Paulo, a exemplo, a do jovem conhecido por “Champinha”91, contribuíram

para que o Senado vote a lei da maioridade aos 16 anos, expressando um forte desejo pela sociedade, de simplesmente excluir ainda mais este segmento social da população, sem que, no entanto, exista alguma mobilização para a transformação da realidade.

Nota-se, também, um processo de culpabilização direcionado não só ao jovem e a sua família, mas também, ao ECA, como se este fosse o principal alvo dos problemas sociais em nosso país. Porém, há de se refletir e considerar, esta sociedade é pouco continente e acolhedora nas suas relações sociais, bem como extremamente frágil no

91 Em novembro de 2003, a estudante Liana Friedenbach, 16 anos de idade, foi morta com o namorado Felipe Silva Caffé, de 19 anos de idade, em Embu-Guaçu, na Grande São Paulo. Felipe morreu com um tiro na nuca e Liana foi violentada, torturada e morta a facadas. O adolescente R.A.C, 16 anos de idade, conhecido por Champinha foi apontado como o líder do grupo e idealizador do abuso, oferecendo-a aos outros comparsas acusados de envolvimento na morte do casal.

ESTUDANTE FOI VIOLENTADA E TORTURADA POR ACUSADOS, DIZ POLÍCIA. Folha on- line. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u85580.shtml>. Acesso em: 5 jun. 2007.

cumprimento de seus papéis e, portanto, distante de responder aos aspectos de falta de amparo, de proteção e de perspectivas, pois suas leis estão desvirtuadas pelos poderes paralelos que agem muitas vezes a partir das próprias instituições.

Por sua vez, as instituições têm o dever de reverter esse quadro, principalmente quanto à questão da violência que deprecia a imagem do país, mas, no entanto, sempre vincula a questão da violência às desigualdades sociais e a projeta, sobremaneira, nas classes sociais empobrecidas. Com isso, verifica-se que nenhuma proteção, amparo ou perspectivas são oferecidos, especialmente para os jovens pobres. Pelo contrário, o que predomina na vida destes jovens é o abandono, o descaso, a incerteza e a desilusão para construir o amanhã.

Outro fator a ser observado é a ausência das políticas fundamentais (educação, saúde, trabalho e lazer), que atinge sobremaneira os jovens e suas famílias, que, pertencentes à classe pobre, não conseguem se manter economicamente, nem satisfazer as mínimas necessidades básicas pertinentes à condição humana e de socialização. A massificação da mídia pela busca do consumo desenfreado de bens conclama os jovens a consumir mais e mais.

Guará (2000)92 afirma a respeito:

São, sobretudo jovens e, assim como qualquer outro jovem, querem viver as mesmas emoções, e usufruir os bens produzidos pela sociedade de consumo. Querem construir um futuro, sem abrir mão do presente e assumem todos os riscos nesse mister. Porém, as sensações radicais que outros jovens podem realizar por meio de atividades simbólicas são assumidas por estes no jogo violento da vida cotidiana no qual riscos e medos se introduzem como estratégias de vida. (GUARÁ, 2000, p. 226)

Pertinente ao que sustenta Sarlo (2004)93, existe uma grande pressão para

estimular o consumismo, pela televisão e demais vias “midiáticas”. Observa-se dentro da cultura do consumo que a televisão supera os demais veículos de comunicação enquanto constituída de realidade, ao difundir mercadorias consideradas objeto de desejo e produzir um padrão referencial de consumo, independente do grupo social do qual o sujeito faz parte:

O mercado promete uma forma ideal de liberdade e, na sua contra face, uma

92 GUARÁ, Isa Maria. O crime não compensa, mas não admite falhas – Padrões morais de jovens autores de ato infracional. 2000. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2000.

93 SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na Argentina. (Tradução Sérgio Alcides). 3 ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.

garantia de exclusão. Assim como o racismo se desnuda na entrada de algumas discotecas, cujos porteiros são especialistas em listas de diferenciações sociais, o mercado escolhe aqueles que estão em boas condições de, no seu interior, fazer suas escolhas. [...] Os meios de comunicação reforçam essa idéia de igualdade na liberdade, que é parte central das ideologias juvenis bem pensantes, as quais desprezam as desigualdades reais. (SARLO, 2004, p. 41)

A lógica do consumo altera a inserção social das pessoas: elas só são o que possuem e não o que simplesmente são. Nesta perspectiva, a facilidade com que esses jovens galgam poder e prestigio, por meio dos objetos e vestuário de valor, aliado ao uso de arma de fogo ao tráfico e ao uso das drogas, provoca a sensação de poder do ponto de vista simbólico. De fato, a conjugação de todos estes elementos confere poder real contra os pretensos inimigos e às suas vítimas.

Acrescente-se a isso, a fragilidade das relações familiares e das instituições sociais. Tudo isso remete o jovem à criação de novos vínculos e, em conseqüência, motiva-o ao cometimento dos atos infracionais. Para que se possa enfrentar este fenômeno da violência que se abate sobre o Brasil, independente da classe social que cada um ocupa na sociedade brasileira, segundo Zaluar (1994b, p. 235)94, será necessária “[...] a reforma

das instituições seja para torná-las mais eficientes, seja para torná-las mais justas”.

O reconhecimento legal de crianças e adolescentes como cidadãos de direitos, com prioridade absoluta a ser levada em conta pela família, pela sociedade e pelo Estado, significou avanço inegável no Brasil, a partir de 1988. Avanço marcado por uma mudança de ótica, pois, anteriormente, predominava a visão da infração, expressa através do antigo Código de Menores.

Esse novo marco legal, inaugurado pela Constituição Federal de 1988 e pelo ECA, deu origem a uma série de outras leis e normas que detalharam os direitos de crianças e adolescentes, a exemplo das leis referentes à violência sexual que garantem de forma clara e explícita a proteção, bem como de outras que redefinem o lugar e as condições da presença de menores no mundo do trabalho.

Por outro lado, os direitos conquistados e assegurados legalmente não têm sido suficientes para garantir efetivamente a sua materialização. O país historicamente tem vivido uma situação de descaso e descontinuísmo nas formulações de políticas e ações em relação à atenção à criança e ao adolescente, “[...] bem como o desmonte das políticas

sociais e a crise de legitimidade das instituições de atendimento a esse segmento da população têm contribuído para o agravamento da disparidade entre incluídos e excluídos sociais” (CARVALHO, D.B.B., 2001, p. 166)95.

Segundo Fortes (2003)96, o ECA trouxe, ainda, no seu interior,

[...] uma concepção de política pública integral, no sentido de pensar a defesa de direitos de crianças e adolescentes a partir do conjunto de suas necessidades e sem qualquer discriminação de qualquer ordem. Ela é também participativa, ao conceber a criação de uma estrutura co-gestionada, envolvendo a participação paritária do governo e da sociedade civil como condição para sua viabilização. Nesse sentido, este novo diploma legal, é provavelmente o caso mais expressivo de uma política setorial específica que busca explorar o potencial das brechas conquistadas pela Constituição de 1988 para a introdução de mecanismos de participação popular no funcionamento institucional do país. (FORTES, 2003, p. 20)

Além disso, redefiniu o papel do judiciário, tendo nos Conselhos Tutelares a expressão do fim do poder ilimitado do Juizado de Menores, e instituiu Conselhos de Direitos, cujo papel é o de elaborar, integrar e controlar a execução das políticas públicas. Ou, como analisa Costa (1999, p. 28)97, “[...] agora já não é mais possível trabalhar essas

crianças e adolescentes, ignorando a sua situação jurídica e atuando de costas para as políticas públicas”.

A partir do ECA, a todo adolescente, ao qual se imputa um ato infracional, garante-se o devido processo legal, conduzido por autoridade imparcial que ouve a acusação imputada pelo Promotor de Justiça e ouve também a defesa praticada por advogado, aplicando-se sentenças ou decisões judiciais compatíveis com a sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Há, então, um rompimento de ordem legal com os procedimentos anteriores, com a introdução no sistema dos conceitos jurídicos de criança e adolescente em prejuízo da antiga terminologia “menor”, conforme Saraiva e

95 CARVALHO, Denise Bomtempo Birche. Política Social e direitos humanos: trajetórias de violação dos direitos de crianças e adolescentes. Revista Ser Social. Universidade de Brasília. Instituto de Ciências Humanas. Departamento de Serviço Social. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. p. 145- 147.

96 FORTES, Alexandre. Os conselhos de direitos da criança e do adolescente. Disponível em <http://www.rebidia.org.br/abong4.html>. Acesso em: 12 fev. 2008.

97 COSTA, Antonio Carlos Gomes da. O Novo direito da infância e da juventude do Brasil – 10 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente – avaliando conquistas e projetando metas. Brasília: UNICEF, 1999.

Volpi (1998)98.

Todo esse complexo reordenamento institucional voltado para garantir direitos de crianças e adolescentes e o reconhecimento destes grupos enfrenta, no entanto, o desafio de sua concretização, o que significa de um lado, a produção de entraves efetivos de viabilização no interior do aparato do Estado, tal como enfrentar as questões de financiamento e de articulações de políticas intersetoriais; de outro, levar em conta a dinâmica vivida por estes sujeitos, pois a definição dos limites etários expressos na lei, de crianças como “[...] a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre 12 e 18 anos” (ECA), não dá conta das condições nas quais eles vivem e de como estes mesmos limites etários são reconstituídos.

Para esse segmento, políticas públicas de educação, ensino profissional, cultura esporte, lazer, saúde, assistência social e trabalho, tendem a ignorar a diversidade existente e, por isso, estabelecem Programas lineares que não dão conta da diversidade.