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JUVENTUDE JUVENTUDES

1.4 O Jovem no Contexto da Violência Urbana

A não-violência é o artigo número um de minha fé – e é também o último artigo de meu credo. (Mahatma Gandhi71)

[...] mais a gente sabe que o que a gente tá fazendo a partir do momento que a gente tá machucando o próximo, a gente sabe, por mais que a gente não queira ver, mais a gente sabe que tava fazendo aquilo ali, eu sei muito bem o que eu fiz, eu me arrependo também, mas eu tinha que fazer isso senão era eu, era eu no lugar dele. (L.S.)

[...] o crime não admite falha. Errou: independente de qual seja o erro, maior ou menor errou, vai ser corrigido, vai ser corrigido nas atitudes, vai ser a vida, perde a vida, já vi vários. (L.S.)

O Brasil contemporâneo vivencia uma situação paradoxal com relação à dimensão legal e real concernente à juventude, principalmente a parcelas de jovens autores de ato infracional, oriundos de segmentos sociais pauperizados.

Esses jovens se debatem, cotidianamente, nas malhas das violências social, psicológica e simbólica, as quais se acham enredadas nas estruturas e conjunturas sociais instituídas e que os destituem da condição de sujeito social e os remetem, incondicionalmente, para o lugar da apartação social.

Baierl e Almendra (2002, p. 59)72 colocam que,

A violência, em todas as suas manifestações é, hoje, sem dúvida alguma, o principal problema que estamos enfrentando. Deixou de ser um fato exclusivamente policial para ser um problema social que afeta a sociedade como um todo. [...] A sociedade está com medo, está aterrorizada frente à falta de perspectivas e soluções para o aumento desenfreado da violência. (BAIERL; ALMENDRA, 2002, p. 59)

Fraga (2002, p. 47-53)73 destaca, ao realizar uma reflexão sobre a questão da “violência”, que esta é uma “forma de dilaceramento social”, e que “Para se compreender

71 FISCHER, Louis. Gandhi: sua vida e mensagem para o mundo. (Tradução Raul de Polillo). São Paulo: Martin Claret, 1983.

72 BAIERL, Luzia de Fátima; ALMENDRA, Carlos Alberto da Cunha. A dinâmica perversa do medo e da violência urbana. Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, julho 2002. n. 70. ano XXIII. p. 59-74.

73 FRAGA, Paulo Denisar. Violência: forma de dilaceramento social. Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, jul. 2002. n. 70. ano XXIII. p. 44-58.

a razão da presença da violência no meio da juventude, é preciso primeiro compreender o modo de ser da própria juventude na sociedade moderno-contemporânea (ou do capitalismo tardio)” – (grifo do autor). Reitera, ainda, “[...] que a vinculação da juventude com a violência não é natural, nem escolha original da juventude. Ela é uma forma de sobrevivência psicossocial, de reconhecimento alternativo frente aos bloqueios do sistema”.

Passetti (2002)74, ao discutir a complexidade da questão, cujos conceitos ainda

não se apresentam claros, não obstante os esforços dos vários autores que estudam o tema, aponta um fator preocupante: os jovens, além de perpetradores, foram e são também as vítimas da questão da violência urbana. Esta preocupação cresce e se efetiva em escala, principalmente, para aqueles jovens que são moradores das periferias urbanas, onde os sujeitos da pesquisa nasceram e continuam se debatendo pela sobrevivência.

As periferias como campo de concentração são vistas pelo Estado como locais de acusações insuportáveis elevadas à condição de extermínio por meio de confrontos internos (entre cidadãos, jovens, policiais, seguranças, segundo celebração de acordos mútuos, rompimento de pactos, execuções sumárias) e recrutamento penal para o sistema prisional por meio da captura do infrator. (PASSETTI, 2002, p. 14)

A narrativa de um dos sujeitos da pesquisa demonstra esse lugar social, onde a vida está em constante ameaça e, às vezes, por questões banais, o sujeito é ceifado, sem ao menos poder defender-se dos seus algozes.

Ele morreu, ele tomou uma pá de tiro, ele não era do crime, era uma pessoa sossegada né mano, antes ele era também virgem (aquele sujeito que nunca participou do mundo do crime), ele não pensava nessa vida, ai ele tinha duas casas e alugou uma pra uma muié lá e ela levou o maluco (quando não lembra o nome de alguém) dela para morar lá e dizia pra o meu tio que era só visita, ai quando

foi ver o cara foi ficando. O cara usava uma droga e batia na mulher, ai a mulher dele foi embora e deixou ele lá, ai chegou no dia de pagar o aluguel meu tio foi lá pedir pra ele na maior humildade o cara catou (pegar) um pau pra bater no meu tio, meu tio correu, depois disso daí ficou o maior clima na rua foi margem de notícias uma pá de bagulho (alguma coisa ou pode ser também maconha), ai meu tio ficou com raiva ai foi revoltando, revoltando meu tio ia pegar ele ai não deu ai teve uma mão (uma vez) que meu tio foi fazer uns assaltos pra pegar umas armas pra acertar esse maluco ai ele foi preso pegou uma cadeia e depois saiu, ele tava até deixando quieto esse movimento não tava trocando idéia (ter um diálogo, ter uma conversa) com o cara, ai o cara foi... Ai meu tio passou a cantada (conversa) pra o parceiro (sujeito com o qual pratica os delitos) dele que foi lá e ameaçou o cara dizendo: olha cara, você tem 24 horas pra sair daqui. O cara ficou assim né mano, assustado, pensando que ele ia

74 PASSETTI, Edson. Cartografia das violências. Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, jul. 2002. n. 70. ano XXII. p. 5-43.

morrer ai eu acho que o cara pensou: antes ele do que eu. O cara já procurou um ferro e já foi atrás do meu tio e deu seis tiros nele e saiu correndo... (Neste momento, o jovem deixa transparecer muita mágoa do sujeito que ceifou a vida do seu tio, suas lágrimas corriam transparecendo vontade de vingança). Ai mano, quando eu falo do meu tio eu fico mal... (R.S.M.) – (grifo nosso)

Remetidos a um processo de estigmatização, muitos dos jovens das periferias urbanas pobres, assimilados ou rotulados como “delinqüentes perigosos”, estejam eles efetivamente ou não envolvidos em práticas de atos infracionais, vêm-se privados da escola e do emprego, acompanhados da limitação de meios para a participação efetiva no mercado de consumo, das formas de lazer, dos direitos de vivenciar a própria juventude e, o que é mais sério, vêm-se privados da esperança.

O que me levou mesmo pra vida do crime foi não querer depender de ninguém. Como estava passando por umas dificuldades né, não queria depender de ninguém. Tanto que eu ia procurar serviço, fazer tudo, ninguém... Só via gente subestimando a minha inteligência, achando que eu não podia conseguir o resultado do serviço de uma maneira bastante eficaz, eles nunca tentaram isso, sempre subestimaram minha pessoa. Poucas pessoas ai me deram oportunidade pra mim mostrar do que sou capaz, e as que deram não se arrependeram, independentemente do que já se passou ai pra trás da minha vida. Quando eu pego pra trabalhar eu sou muito trabalhador, esforçado no trampo (trabalho), no serviço. (T.J.S.C.)

Em função de aspectos culturais e da dinâmica social verificada no país, a família ainda é uma das poucas instituições do mundo adulto com a qual esses jovens podem contar, porém, nem sempre, pois a falta ou a ausência de uma adequada sustentação no projeto identificatório pode levar o jovem a viver no limite do niilismo.

Agora que saí da minha internação tô mais amadurecido, cabeça no lugar né? Pra sociedade me ver com outros olhos, que ela não me via antes, eu nem via a sociedade, eu nem queria saber da sociedade antes falava, Ah! (L.A.S.)

Agora o que está mais difícil senhora é arrumar um trampo mesmo. Se você for arrumar um trampo e constar que você já teve passagem você não arruma. Você é discriminado, o barato é discriminar, porque a discriminalidade é o que mais tem quando você vai pro mundão do crime, mas é difícil arrumar um emprego ai na rua, por isso que muitos jovens tá daquele jeito, metendo a peça (matar alguém), não está nem vendo senhora! Muitos casos acontecem ai causa que não tem um emprego, não tem um dinheiro, muitos é por causa de periferia mesmo ai oh! Nêgo, pobre, periferia, né senhora, né senhora, tá tudo ai juntinho... Tá tudo ai sofrendo mano! (expressões faciais e tom de voz de revolta, indignação). (R.F.N.) – (grifo nosso)

ocupando as manchetes dos jornais”, segundo Chesnais (1999, p. 53)75, que acrescenta,

ainda:

A violência oculta atrás dos muros das casas, a violência sexual, as rixas familiares e as crianças espancadas só são conhecidas muito parcialmente, mesmo em caso de falecimento das vítimas; as circunstâncias das mortes são, então, esmagadas sob uma capa de silêncio. [...] A sociedade brasileira é uma das mais desiguais, uma das mais estratificadas que existe. Aqui se encontra a mais extrema pobreza ao lado da mais fabulosa riqueza. Continua sendo o país dos privilégios, pois a recessão econômica diminui a mobilidade social. (CHESNAIS, 1999, p. 54-5)

Assim, vive-se numa conjuntura onde um dos temas mais presentes e aguçadores do debate público é a preocupação com o envolvimento de jovens com a violência. Conseqüentemente, está cada vez mais presente a discussão sobre as formas de controle e contenção para combater a delinqüência juvenil.

Notou-se nos anos de 1980 um aumento significativo de jovens com envolvimentos na forma de atos infracionais das mais diversas naturezas. Concomitante, na medida em que esta violência atingiu sujeitos de segmentos sociais mais favorecidos, acaloram-se as discussões travadas em torno do jovem que em algum momento da sua vida cometeu determinado ato infracional.

Fomenta-se, na atualidade, uma série de medidas polêmicas diante das repercussões, cuja maior aliada é a mídia, exemplificadas pela narrativa de um dos jovens pesquisados, e que vêm atraindo pessoas dos mais variados segmentos da sociedade para o debate deste fenômeno urbano, que adentra também as instituições incumbidas, por dever, de preservar os direitos humanos.

[...] a mídia não mostra, a mídia não mostra porque isso ai dá um buxixo pra as autoridades, mais teve uns três ou quatro que vi morto lá, (Refere-se à CASA), e não aparece na imprensa, não põe no jornal pra poupar as autoridades. Mas já aconteceu. Eu mesmo já presenciei caso de morte lá. Funcionário tanto bateu no moleque, bateu no moleque matou o moleque, e moleque se matando eu já vi, eu já vi... Na faca, na paulada, funcionário batendo em moleque na paulada, adolescente contra adolescente se destruindo na faca, mas a imprensa não mostra isso não (Demonstra revolta). Tem muita coisa, tem muita coisa mesmo que a imprensa não mostra. A imprensa só vai lá mesmo quando a gente sobe em cima do telhado. Ai fala que é isso, que nós é aquilo, mete o flash em nós, mas ninguém sabe o dia-a- dia nosso. Ninguém sabe, ninguém sabe. Essas coisas que mostram ai, eu falei só mostra que os meninos tá isso, tá aquilo, tá certo? (alterado). (L.S.) – (grifo nosso)

75 CHESNAIS, Jean Claude. A violência no Brasil: causas e recomendações políticas para sua prevenção. (Tradução Ida Maria Rebelo Pereira). In: MONTEIRO, Maria da Conceição N. (Org.). Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: 1999. n. 4. p.53-69.

Chesnais (1999) ressalta a seguinte questão:

Os meios de comunicação e, em especial, a televisão tornaram-se um quarto poder, a seguir ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário. Não se pode negar que a televisão, hoje onipresente, forma as consciências, sobretudo num país onde a escola é fraca e, onde as crianças passam, diante da telinha, a maior parte do tempo livre. [...] Ora, a televisão faz, a cada dia, a apologia do dinheiro e da violência: os assassinos são apresentados como heróis dos tempos modernos. Há um monopólio dos produtores e uma ausência de controle dos consumidores, submetidos a uma enxurrada de imagens sangrentas. O império da mídia banaliza a violência. (CHESNAIS, 1999, p. 59)

A banalização da violência na sociedade compromete o mundo de amanhã das crianças, sobretudo daquelas que moram nas periferias, onde o tráfico de drogas se instalou, criou novas leis e introduziu armas na população infantil, via de regra, utilizadas por “gente grande” que não se importa se morrerá hoje, ou amanhã.

Em complemento, Oliveira (1986, p.21)76 afirma: “O papel da imprensa numa

sociedade democrática não é o de instalar ódio e vingança na opinião pública, provocando sede de sangue em hordas incautas e cegas, aumentando mais a violência e o crime. A era medieval não pode retornar”.

É importante destacar a respeito, conforme informações da CBMM/ABRINQ (s/d)77, no Brasil, os adolescentes autores de ato infracional constituem um dos grupos

mais expostos a todo tipo de violência e, portanto, extermínio, tortura, ameaça de morte, segregação em instituições fechadas são formas comuns e persistentes de lidar com este problema no país. A situação chega a tal ponto que o total de infrações e irregularidades de que são vítimas os adolescentes supera o total de infrações graves cometidas por eles:

O ato infracional não pode ser entendido, exclusivamente, como resultado de uma ação individual, de uma patologia ou um problema de adolescente. A intensidade e a forma como a criminalidade se expressa depende do modo como a sociedade está estruturada e, inclusive, do modo como se organiza para controlar ou reprimir as infrações. Quanto mais ela se organiza de forma violenta e repressiva, mais provável será a produção de respostas sociais e individuais de caráter violento. Quanto mais se criam espaços de diálogo para a resolução dos conflitos, menos chance haverá de eclosão de situações violentas.(CBMM/ABRINQ, s/d, p.145)

Abramo (1997) analisa um importante aspecto dessa questão, que se evidencia muito presente na sociedade brasileira:

76 OLIVEIRA, Agostinho Duarte de. Democracia x violência. São Paulo: Paz e Terra, 1986.

Mesmo que não estejam envolvidos em acontecimentos “delinqüentes”, a sociedade age como se assim fosse, levando os jovens a reagirem com respostas que os acabam conduzindo ao que se imagina a respeito deles. É uma lógica inescusável. Assim, crianças, mais ou menos inocentes (umas mais, outras menos), todas acabam envolvidas na execução de atos que não queriam, não previam, de que quase não têm consciência, sem ao menos entender como chegaram àquilo. (Abramo, 1997, p. 37)

Para Waiselfisz (2002)78:

Pode-se considerar que as mortes dos jovens originadas de causas violentas representam só a ponta do iceberg da violência geral [...] Nem todas, nem sequer a grande maioria das violências cotidianas termina em morte; mas a morte representa o grau de violência extremo. Da mesma forma que as taxas de mortalidade infantil não falam só do volume de óbitos de crianças, indicam também a existência (ou a ausência) de infra-estrutura de atendimento, epidemias, condições de higiene, mecanismos culturais, políticos, sociais de tratamento das crianças, etc., as taxas de mortalidade juvenil, e especificamente as atribuíveis a causas violentas, portanto, nos falam também de modos de sociabilidade, de circunstâncias políticas e econômicas, de mecanismos de negação da cidadania. (WAISELFISZ, 2002, p. 13-14)

Na opinião de Cassab (2000, p. 9)79 existe uma estreita relação entre a

violência sofrida pelos jovens e o “cotidiano de desproteção” que perpassa a vida do segmento representativo da juventude, visto que nesta fase da vida ocorre “uma passagem da condição de crianças pobres, vistas como vitimas inocentes e objeto de uma certa comiseração social, para a de personagens agressivos, potencialmente perigosos, que devem estar sob constante vigilância”. Tal passagem é agravada com “o desmantelamento das redes de proteção social que, já débeis na infância, se desfazem nesse período da vida para os jovens das classes subalternas”.

O desafio posto é compreender as manifestações da violência para além do patamar explicativo que a relaciona diretamente à pobreza, mas sem desconsiderar que a violência constitui também uma das manifestações da questão social, ou seja, as desigualdades e o não-acesso à riqueza e cidadania. Portanto, o enfrentamento da questão requer a implementação de políticas públicas capaz de superar a condição vulnerável

78 WAISELFISZ, Julio Jacob. Mapa da violência III: os jovens no Brasil. Juventude, violência e cidadania. Brasília: UNESCO; Instituto Ayrton Senna; Ministério da Justiça/SEDH, 2002. Disponível em: < www.unesco.org.>. Acesso: nov. 2007.

Trata-se da explicação do sociólogo Júlio Jacob Waiselfisz em relação aos dados encontrados no Mapa da Violência III, cuja pesquisa foi coordenada por ele.

79 CASSAB, Maria Aparecida Tardim. Jovens pobres e o futuro: a construção da subjetividade na instabilidade e incerteza. Niterói: Intercontexto, 2001.

desses sujeitos (ABRAMOVAY, 2002).

Por outro lado, a certeza de saber que aqueles que poderiam ouvir, e com isso fazer algo, parecem estar surdos, constitui-se na maior angústia durante a construção do presente estudo. Levanta-se a questão: realmente são surdos ou não querem ouvir? Ou ouvem e não atribuem sentidos? Não podemos saber... Contudo, foram e são encontrados muitos estudos de peso já realizados sobre os jovens em conflito com a lei, os quais trazem reflexões e propostas para procedimentos mais éticos e mais humanos, mas que, infelizmente, figuram ou permanecem apenas na condição de registros e base para novos estudos que problematizam a questão.

No centro dessa polêmica encontra-se o ECA, que para muitos, constitui-se como um extraordinário avanço no reconhecimento de direitos da criança e dos jovens, em flagrante contraste com a abordagem apenas repressiva e de internação. Entretanto, para alguns segmentos sociais, o ECA não oferece instrumentos adequados para lidar com a violência juvenil que assola os grandes, médios e até os pequenos centros urbanos, conforme os noticiários que são divulgados diariamente pela mídia.

Inclusive, em relação ao aspecto penal dos atos infracionais praticados por adolescentes e jovens, a lei e normativas do ECA dispõem que somente após os 18 anos um adolescente pode ser processado pela Justiça comum. Especialistas e leigos, porém, acreditam que a redução da maioridade penal poderia ajudar a combater a questão da violência. Assim, é muito comum, ainda, adesões por parte de alguns setores da sociedade brasileira em torno de mudanças na legislação em vigor, que se fortalecem na proporção do crescente grau da violência protagonizada pelos jovens nos grandes centros urbanos.

Dentre as inúmeras análises realizadas pelos debatedores da questão do aumento da violência entre os jovens e, em especial, entre os jovens pertencentes às camadas mais populares, destaca-se a tendência de vincular o crime à pobreza, como se a falta de condições ideais de subsistência gerasse a necessidade de se praticar delito penal para sobreviver, ou seja, associa-se o crime às condições econômicas do sujeito. Esta vertente de análise parece legitimar a atuação do infrator ao considerá-lo na condição de um pobre e desprovido dos bens da vida que são acessíveis às demais pessoas, um oprimido e injustiçado.

Em sua maioria, os analistas da questão da violência não consideram a influência do ambiente, as condições socioeconômicas e outros fatores externos como predisponentes à violência. Insistem na tese reducionista de que a violência tem um

componente de ingenuidade, ou seja, não consideram que o envolvimento de jovens com o crime violento obedece ao mesmo padrão observado para a população em geral, ou seja, os jovens não são mais nem menos violentos do que o comportamento violento da população como um todo.

Ainda, os debatedores não levam em consideração que a violência que assola a sociedade não é um fenômeno novo, tampouco ocorre de forma isolada. Há uma violência estrutural que desconsidera a criança, o pobre, o jovem, o idoso, os moradores de rua e as minorias, agravada pelas injustiças sociais, inexistindo, portanto, uma tomada de consciência por parte da sociedade de que ela é também uma grande responsável, pois, como referido anteriormente, o problema da violência tem raízes econômicas, sociais, políticas e culturais.

Não raramente, parte dos debatedores apresentam algumas “fórmulas” ou “receitas” para minimizar a violência no Estado, com base em análises que, entretanto, não apreendem ou refletem o contexto vivido pelos jovens, mas sim, a comoção que resultou da ação cometida. Por conseguinte, não observam a complexidade da questão, ou mesmo que a repercussão dos atos infracionais protagonizados pelos jovens impõem uma ordem e lógica de reflexão que deve incluir as questões sociais, econômicas, culturais e políticas. Atêm-se, portanto, ao ato infracional em si, como se ocorrido isoladamente.

Por oportuno, Hobsbawm (1998, p. 555) chama a atenção para um dado significativo, ao tecer a análise sobre as questões sociais, econômicas e políticas na América Latina: o Brasil “[...] tinha um PNB per capta quase duas vezes maior que o Sri Lanka em 1939, e mais de seis vezes maior no fim da década de 1980” e, com isso, destaca o Brasil como um “monumento à negligência social”.

Apesar do significativo aumento do PNB brasileiro na década de 1980, constata-se, conforme Chesnais (1999), uma perda de prioridades em relação aos jovens e à educação:

A educação não deve limitar-se apenas à transmissão de conhecimentos fundamentais: leitura, escrita, aptidão e abstração matemática, conhecimento de línguas estrangeiras, etc. Ela inclui também, o aprendizado de regras, de comportamento em sociedade, do civismo, do respeito pelo outro, pelas