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OS JOVENS E SUAS TRAJETÓRIAS DE VIDA

2.4 A Medida Socioeducativa de Internação

[...] ficar preso é ruim, privado de liberdade! Pode ver: se um cachorro ficar trancado num lugar vai querer sair de todo jeito. Vixi! É ruim demais, faço votos de não voltar mais para aquele lugar. Tô de boa! (R.F.N.)

Na década de 1980 a sociedade civil mobilizada chamou para si a responsabilidade da Doutrina de Proteção Integral às Crianças e aos Adolescentes e, em 13 de julho de 1990, o ECA era promulgado.

A Assembléia Nacional Constituinte referendou duas Emendas Populares com mais de 1,5 milhões de assinaturas de adultos, crianças e adolescentes e inscreveu na Constituição Federal de 1988 o seuartigo 227, posteriormente regulamentado com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, em 13 de julho de 1990, influindo radicalmente no destino da infância e adolescência no Brasil. A partir do Estatuto, crianças e adolescentes brasileiros, sem distinção de raça, cor, classe social, passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos, considerados em sua condição de pessoas em desenvolvimento e a quem se deve prioridade absoluta, seja na formulação das políticas públicas e destinação privilegiada de recursos das diversas instâncias político-administrativas do país. (BRASIL. ESTATUTO...ECA, 2005, p. 7)

A euforia que acompanhou a promulgação do ECA era justificada, pois expressava a quebra de um padrão nas políticas públicas voltadas à infância e adolescência brasileira, as quais em seus modelos originais datavam de, no mínimo, um século. Ao adotar a Doutrina da Proteção Integral, também chamada Doutrina das Nações Unidas para a Proteção dos Direitos da Infância, o Estatuto rompeu com a tradição do conceito de “menor”, contido no Código de Menores de 1927 e com a Doutrina da Situação Irregular, consubstanciada no Código de 1979 e na Política Nacional do Bem Estar do Menor. Em sintonia com a concepção assumida pelo ECA de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, redirecionaram-se as atribuições do Estado e o papel da família e da sociedade em relação a eles, conforme o Artigo 4º:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de deixá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL. ESTATUTO...ECA..., 1990, p. 23)

internação nas Unidades da Fundação CASA, trazem nas suas narrativas questões que ferem profundamente o mesmo Artigo 4º desta legislação, ao expor:

[...] Por causa disso mano, muita opressão! Muita opressão! (L.A.S.)

[...] eu me sentia oprimido psicologicamente, fisicamente também. A gente era oprimido. Viu que era só couro, couro, couro, couro. [...] Isso ai não é justo, nós já tamos privados da nossa liberdade ainda ficar apanhando dos outros, isso ai só revolta, eu sou bem sincero, isso ai eu senti e eu posso dizer com toda a convicção isso ai só revolta, isso não recupera ninguém. [...] Então quando a gente queria fazer rebelião pra derrubar a opressão, a gente tinha que arrumar um meio de comunicação. [...] O que fizeram com os moleques? Deram um couro bem dado, racharam cabeça e perna também, mandaram os maiores para o CDP (Centro de Detenção Provisória). [...] Lá na FEBEM, eu inclusive, quase me mataram causa de uma falha minha com um moleque. (L.S.) – (grifo nosso)

Funcionários que me oprimiram já lá dentro da FEBEM, Coordenadores da FEBEM, tudo! Foram várias as opressões infelizmente você tá ali dentro, você tá preso, você... [...] Eu mesmo apanhei lá, apanhei. (T.J.C.S.)

Dentre as transformações legais contidas no Estatuto, destaca-se uma que melhor caracteriza o espírito da nova lei, qual seja, a eliminação de formas coercitivas de internação, por motivos relativos ao desamparo social, na medida em que suprime a figura da situação irregular. Neste sentido, a privação de liberdade só é aceita nos casos de flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial competente.

De acordo com o ECA, medidas socioeducativas são aquelas aplicadas a jovens entre 12 e 18 anos de idade incompletos, autores de alguma infração. As medidas socioeducativas são, em ordem crescente de severidade, advertência, obrigação de reparação do dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação – a penúltima em regime semi-aberto e a última em regime fechado. O ECA estabelece que os jovens não podem sofrer as mesmas penalidades como os adultos por entender que ainda estão em processo de desenvolvimento. Este mesmo diploma legal estabeleceu, ainda, as medidas protetivas que são aplicáveis a crianças e jovens até os 18 anos de idade incompletos, e que estejam ameaçados ou violados por "[...] ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; e em razão de sua conduta" (Art. 98).

Dentro das três esferas – Federal, Estadual e Municipal –, que compõem o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), compete aos Estados as seguintes especificidades:

a) coordenar o Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo;

b) elaborar o Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo, em cooperação com os Municípios;

c) instituir, regular e manter o seu Sistema de Atendimento Socioeducativo, respeitadas as diretrizes gerais fixadas pela União;

d) prestar assistência técnica aos Municípios na construção e na implementação do Sistema Socioeducativo, nele compreendidas as políticas, planos, programas e demais ações voltadas ao atendimento ao adolescente a quem se atribui ato infracional, desde o processo de apuração, aplicação e execução de medida socioeducativa;

e) criar, manter e desenvolver os programas de atendimento para a execução das medidas de semiliberdade e internação, inclusive de internação provisória;

f) editar normas complementares para a organização e funcionamento do seu sistema de atendimento e dos sistemas municipais;

g) estabelecer com os Municípios as formas de colaboração para o atendimento socioeducativo em meio aberto;

h) prestar assistência técnica e suplementação financeira aos Municípios e às organizações da sociedade civil para regular oferta de programas de meio aberto (SINASE..., 2006, p. 38-39)133.

Inicialmente, ressalte-se que somente os adolescentes – pessoas entre 12 e 18 anos de idade incompletos – são passíveis de cometerem o ato infracional, entendido como a transgressão das normas estabelecidas, do dever jurídico, que em face das peculiaridades que os cercam, não pode se caracterizar enquanto crime. Assim, ainda que os jovens se encontrem sujeitos a todas as conseqüências dos seus atos infracionais, não são passíveis de responsabilização penal. Cabem-lhes, nestes casos, medidas socioeducativas, cujo objetivo é menos punição e mais a tentativa de (re) inserção social, de fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Hoje, refletir sobre a medida de privação de liberdade de adolescentes em nosso país requer que se fundamente preliminarmente o Art. 108 – ECA, que traz a seguinte recomendação: “A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias”. Referenda ainda, o Parágrafo Único deste

133 SINASE. SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA. Brasília, junho de 2006.

mesmo artigo, que, “A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida”.

Em vista da sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, o adolescente em conflito com a lei é um sujeito que rompeu com o pacto social e, conforme preceitua o Art. 112, “Verificada a prática do ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente”, dentre as medidas já referidas anteriormente, “a internação em estabelecimento educacional”.

A medida socioeducativa de internação, conforme prescreve o ECA, no Artigo 121, traz a seguinte redação:

A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

§ 1º – Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário;

§ 2º – A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada 06 (seis) meses;

§ 3º – Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a 03 (três) anos;

§ 4º – Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida;

§ 5º – A liberação será compulsória aos 21 (vinte e um) anos de idade.

Trata-se de uma medida que é excepcional e temporária (ECA, Art.122, §§ 1º e 2º). Vale dizer, portanto, de acordo com a revisão de Volpi (2006b)134:

[...] os que forem submetidos à privação de liberdade só o serão porque a sua contenção e submissão a um sistema de segurança são condições sine qua

non para o cumprimento de medida socioeducativa. Ou seja, a contenção não

é em si a medida socioeducativa, é a condição para que ela seja aplicada. De outro modo ainda: a restrição da liberdade deve significar apenas limitação do exercício pleno do direito de ir e vir e não de outros direitos constitucionais, condição para sua inclusão na perspectiva cidadã (VOLPI, 2006b, p. 28).

Contudo, os jovens narram o significado dessa experiência durante o cumprimento da medida socioeducativa aplicada, a saber:

Ah! Senhora é ruim! É ruim você se sentir preso. Você não pode fazer o que você quer. Você tem que respeitar dentro da Unidade... Tem que respeitar, mas foi um lado de experiência e de outro lado foi um... Vixi, muito ódio,

muito ódio memo. (R.F.N)

A primeira vez que eu fiquei privado da minha liberdade aquilo ali foi um choque pra mim, um choque pra minha família, também né... Pra aqueles que eu conhecia ali na minha infância, todo mundo falava: ele não merecia isso, mas o pessoal não sabia o que eu tava fazendo. A primeira vez eu fiquei assustado, os primeiros dias que eu fiquei um tempão até recuperar. Até um certo tempo eu acreditava que eu tivesse recuperado, mas depois eu fui ficando, fui ficando, a recuperação se tornou em revolta. A gente tá seguindo a doutrina certinho, e a gente não vai embora e a gente vê aqueles que também tá seguindo a mesma doutrina que a gente não tá indo embora. Isso ai não é justo! Ai aquilo ali foi criando uma revolta, nada de sair, é complicado, é complicado. [...] Agora, a segunda vez não. A segunda vez eu já entrei virado no 70. Entrei parecendo que era o satanás... [...] Lá dentro que nem um cachorro... Esquecido. Pra senhora ter uma idéia, contando tudo eu fiquei sete anos preso. Dos 13 aos 20 anos eu fiquei na FEBEM, só fiquei sete meses na rua dentro desse tempo (suspiro). [...] Eu passei por muitas Unidades... Passei em três Complexos: Raposo Tavares, Tatuapé, Franco da Rocha, passei por muitas Unidades dentro da FEBEM. [...] Tem dia que você não acorda legal. Tem que ter alguém, você tem que ter alguém pra você desabafar, tá preso...[...] Privado de liberdade não, lá né... Então na hora que você acorda tem que ter alguém pra desabafar, pra você expor o que você tá sentindo ai não tem. [...] Bate em você sem ter feito nada, só porque você levantou com a cara virada, você teve um sonho, tava na rua, isso e aquilo, ai sem dúvida você vai acordar bravo mesmo, não tem com quem desabafar, ele (funcionários) também tá bravo com os problemas pessoais dele, pega você, põe na salinha lá sozinho, chega lá você vai ficar pensando o que? Só maldade! Só maldade! [...] Só quem passou por lá realmente, aqueles que passam 24 horas por 48 horas lá dentro é que sabe o qual que é realmente a realidade, o que é que tem lá dentro pra nós, e o que é que não tem, do que falta. [...] Tem que fazer o que? Conversar, saber conversar, é isso. Um resumo meu da minha vida é que há males que vem pra o bem. Aprontei, aprontei, aprontei, aprontei, entendeu? Só que hoje eu penso diferente, hoje eu penso diferente, eu já não penso como antigamente acredito eu. Também que é devido à idade né? (L.S.) – (grifo nosso)

A medida de internação não significou nada na minha vida, porque ali dentro não muda, não recupera ninguém. [...] Eles prendem ali até o seu pensamento, não dá nem pra você se expressar com alguma pessoa, falar realmente o que tá acontecendo pra ter... Pra tudo ser resolvido na justiça né? A justiça é cega. O sistema da Fundação Casa da antiga FEBEM é podre. Tudo é por debaixo dos panos. [...] Eles batendo nos moleque e não batendo sabe que o salário deles tá na conta dele no fim do mês do mesmo jeito. Não vai nem ligar mesmo (revoltado). (T.J.C.S.) – (grifo nosso).

Com relação à forma abrupta em que os jovens são tratados, conforme os depoimentos, ressalta-se a inexistência de uma história de vida que contemple processos de formação por meio do qual poderiam, realmente, serem denominados educadores. O que se observa na prática é a manutenção dos mesmos procedimentos de composição de equipes que atuavam na época das Doutrinas do Direito do “Menor” e da Situação Irregular, em que a preocupação básica era o encarceramento, a vigilância e a repressão dos internos.

Diante desse quadro, o saldo das experiências dos sujeitos da pesquisa revela de forma contundente: a medida de internação não recupera, não insere e não reintegra o jovem na sociedade, conforme as premissas e promessas burocraticamente firmadas, mas que não se comprovam na prática e na realidade social. Vale reiterar, em síntese, as palavras destes jovens:

[...] eu me sentia oprimido psicologicamente, fisicamente também. A gente era oprimido. Viu que era só couro, couro, couro, couro. [...] Isso ai não é justo, nós já tamos privados da nossa liberdade ainda ficar apanhando dos outros, isso ai só revolta, eu sou bem sincero, isso ai eu senti e eu posso dizer com toda a convicção isso ai só revolta, isso não recupera ninguém. [...] Balela! Balela! Senhora. Aquilo ali também não reintegra ninguém na sociedade. É mentira! É mentira! (L.S.) – (grifo nosso)

A medida de internação não significou nada na minha vida, porque ali dentro não muda, não recupera ninguém. [...] A justiça é cega. O sistema da Fundação Casa da antiga FEBEM é podre. Tudo é por debaixo dos panos. (T.J.C.S.) – (grifo nosso)

Nota-se que a alocação de pessoal para a instituição não obedece à exigência de critérios mínimos para o trabalho educativo com jovens na condição específica de conflito com a lei, pois são pessoas que não possuem vocação para atuar junto à juventude apesar de concursadas para o cargo denominado, atualmente, de Agente de Proteção ou de Educação, no entanto, não demonstram habilidade e/ou capacidade em atuar com jovens nas condições referidas, contudo, permanecem nos cargos e atuam de forma arbitrária e negligente.

Volpi (2006b), com base na Normativa Nacional e Internacional elabora um manual que normaliza, dentre outras questões, a administração nos centros de detenção de jovens, e traz no item 87 uma questão que merece ser ressaltada: “No desempenho de suas funções, o pessoal dos centros de detenção (Unidades de Internação) – (grifo nosso), deverá respeitar e proteger a dignidade e os direitos fundamentais de todos os jovens, especialmente”:

a) nenhum membro do pessoal do centro de detenção ou da instituição deverá infligir, instigar ou tolerar nenhum ato de tortura, nem forma alguma de tratamento, castigo ou medida corretiva ou disciplinar severa, cruel, desumana ou degradante, sob nenhum pretexto ou circunstância de qualquer tipo;

b) todo o pessoal deverá impedir e combater, severamente, todo ato de corrupção, comunicando-o sem demora às autoridade competentes; c) todo o pessoal deverá respeitar estas Regras. Quando tiverem motivo para

ser, deverão comunicar as suas autoridades superiores ou órgãos competentes com responsabilidade para supervisionar ou remediar a situação;

d) todo o pessoal deverá velar pela total proteção da saúde física e mental dos jovens, incluída a proteção contra a exploração e maus tratos físicos, sexuais e afetivos e deverá adotar, com urgência, medidas para que recebam atenção médica, sempre que necessário;

e) o pessoal deverá respeitar o direito dos jovens à intimidade e deverá respeitar, em particular, todas as questões confidenciais relativas aos jovens ou às suas famílias que cheguem a conhecer no exercício de sua atividade profissional;

f) todo o pessoal deverá reduzir, ao mínimo, as diferenças entre a vida dentro e fora do centro de detenção que tendem a diminuir o devido respeito à dignidade dos jovens como seres humanos. (VOLPI, 2006b, p. 78)

As narrativas dos jovens expostas remetem a um resgate na história da humanidade, onde se constata que o cometimento de delitos e a delinqüência sempre estiveram em conflito com a punição e a repressão. Cada período histórico instituiu as suas leis penais sempre impregnadas de vários métodos de punição – da violência física aos denominados princípios humanitários –, que propunham a recuperação e a integração daqueles que cometeram delitos, ou seja, que infringiram os códigos que regem a sociedade.

A exemplo da recorrência histórica, Foucault (1987, p. 11) descreve uma forma de suplício e de utilização do tempo na “Casa dos Jovens Detentos de Paris”, datada de 1757: “Eles não sancionam os mesmos crimes; não punem o mesmo gênero de delinqüentes. Mas definem bem, cada um deles, um certo estilo penal”. Compreende-se que Foucault relata a queda do cerimonial das penas, dos ritos dos suplícios, bem como o início dos tempos da vigilância, com a privação de liberdade através da prisão. Este estilo penal, empregado ao longo dos tempos, não tem obtido resultados satisfatórios como forma de reinserção social, pois as prisões na concepção foucaultiana são vistas como fábricas de delinqüentes “[...] úteis tanto no domínio econômico como no político” (FOUCAULT, 1999, p. 132)135.

O Artigo 122 do ECA prevê, ainda, os seguintes requisitos indispensáveis à aplicação da medida:

135 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. (Organização e Tradução Roberto Machado). 14 ed. Rio de Janeiro: Graal. 1999.

I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa;

II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. (BRASIL. ESTATUTO... 2005)

Os sujeitos da pesquisa narram os reais motivos que culminaram para a aplicação e posterior cumprimento da medida socioeducativa de internação:

Quando eu fui preso eu tava na Via lá Dutra no Aeroporto de Cumbica tava eu mais três muié, e um camarada de maior com 10 kg de cocaína que eu comprava pela internete que era só acessar um site que a mina mandava era só ligar pra ela. (L.A.S)

Os moleques me chamavam e eu não dispensava, não dava uma desculpa, aí foi nessa primeira do 157 (roubo), que eu já tava com 14 anos que eu se ferrei e já fui direto pra internação mano. (R.S.M.)

Entrei de cana quando fui roubar um carro. Não consegui roubar o carro, corri e a polícia me pegou. (R.F.N.)

Ai eu saia mesmo pra roubar, e sempre roubei com os maiores. Comecei a roubar com os menores que foi o caso da bicicleta, ai parei de andar com eles, ai fui conhecendo o mundo do crime, conheci uns caras maior, vi que eles tavam andando cheio de dinheiro, ai eu também queria dinheiro, também queria bagunçar, queria botar terror, pânico, tudo isso ai comecei a roubar com os maior, ai na hora que era preso eu segurava o meu e o deles. (L.S.)

Depois foi pra coisa mais pesada, chegando ao ponto de pegar uma arma e roubar por ai, fazer assalto. (T.J.C.S.)

Segundo levantamento estatístico realizados pelas Subsecretarias de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e relatado pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo há no Brasil cerca de 39.578 adolescentes inseridos no sistema socioeducativo136, o que representa

quantitativamente em 0,2% do total de adolescentes na idade de 12 a 18 anos existentes no país. Mais, 70%, ou seja, 27.763 do total destes adolescentes, estão inclusos no sistema socioeducativo e se encontravam em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto – liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade (SINASE..., 2006), conforme ilustra a Tabela 14, a seguir.

136 “O termo Sistema Socioeducativo refere-se ao conjunto de todas as medidas privativas de liberdade (internação e semiliberdade), as não-privativas de liberdade (liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade) e a internação provisória”. (SINASE, 2006, p. 18)

Tabela 14 – Adolescentes segundo o sistema socioeducativo e a população total de adolescentes de 12 a 18 anos no Brasil e Estado de São Paulo.

Região Adolescentes no SSE População de 12 a 18 anos

Brasil 39.578 25.030.970

Sudeste 22.022 9.790.356

Fonte: Adaptado de SINASE..., 2006, p. 18.

É importante um olhar crítico a esse segmento social, não apenas circundado à questão da infração, de suas penalidades, cumprimento e condições das mesmas, mas, principalmente, para indagar o que o país no plano político e de atenção está realizando por essa população, pois apesar de numericamente parecer insignificante, 0,2% do total representa e se traduz em um contingente absurdo de vidas humanas que se estraçalham no meio de tanta miséria, falta de oportunidades e da criminalidade.