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PARTE IV – O MODELO TEÓRICO DA POLÍTICA EXTERNA E DE

4. Fundamentos da Política Externa e de Segurança Comum

4.2. Aspectos Metodológicos

4.2.1. O Modelo Teórico subjacente

Segundo uma perspectiva tradicionalista, o quadro da Política Externa e de Segurança Comum comporta, por natureza, os domínios mais sensíveis e potencialmente problemáticos, que podemos, comummente, enquadrar no âmbito das high politics. Defesa, diplomacia, segurança e questões ideológicas constituem, deste modo, segundo esta visão, o hard core material e tradicional da PESC. Com efeito, esta perspectiva tradicionalista da PESC, inspirada e influenciada, na sua essência, pela visão clássica da Política Externa regista uma lacuna importante. Desde logo, porque exclui do seu âmbito os demais domínios comunitários de low politics e que, com o fenómeno da globalização, assumiram um grau superior de relevância externa. Comércio, Energia, Ambiente, Ajuda Humanitária, são apenas alguns exemplos de low politics com implicações directas na actuação externa da U.E e cuja importância deve, naturalmente, ser considerada em qualquer modelo de análise sobre a PESC.

Para além desta perspectiva surgiram, ainda, outras correntes teóricas mais destacadas e que avançaram, também elas, com modelos de análise para a PESC. Entre elas destacam-se as correntes funcionalista, neo-realista, neo-institucionalista e intergovernamentalista, cujas raízes se fundam nas teorias das relações internacionais e nas teorias da Integração Europeia.199 Com efeito, também estas

199Para um conhecimento mais aprofundado ver: Maciej Wilga; The CFSP in synergetic theorizing:

perspectivas apresentam deficiências nos seus modelos, na medida em que procuram uma interpretação uni-causal dos factos e centram as suas análises num único nível, ou em diferentes níveis, mas sempre de forma isolada e nunca completa.

Assim, o modelo teórico da PESC mais genuíno é, em traços gerais, aquele que aproveita o melhor das principais concepções teóricas distintas (Politica Externa Clássica, Relações Internacionais, Integração Europeia), agregando, de forma conjunta, os diferentes elementos e características de cada uma delas numa lógica de complementaridade, oferecendo, assim, uma análise plena e exacta. Por outras palavras, é o modelo que tem em consideração as alterações dinâmicas ocorridas, ao longo do tempo, a nível da política externa europeia, e que é capaz de apresentar um conjunto de variáveis independentes explicativas dessas mesmas dinâmicas. A rejeição de uma análise e de uma interpretação uni-causais é, portanto, desde logo, condição sine qua non para uma teorização autêntica e exacta sobre a PESC. O modelo teórico que lhe está subjacente é, pois, aquele que procura uma mudança em direcção a uma plena e completa abordagem interpretativa, que tenha em consideração, no seu todo, os diferentes factores e variáveis em jogo, consoante o objecto em análise. Este modelo encontra, desde logo, a sua credibilidade no facto de privilegiar uma abordagem teórica que tem em consideração os múltiplos níveis de análise contextual (internacional, europeu, nacional, regional, etc.), de forma conjunta, e não apenas de forma singular ou parcial. Caso contrario, revelar-se ia manifestamente insuficiente e incompleto como tantos outros modelos teóricos. É, ainda, um modelo que procura integrar, adequadamente e de forma equitativa, quer dimensão e a envolvência internas, quer a dimensão e a envolvência externas, sem excluir ou menosprezar uma em detrimento da outra. Procura, além do mais, estabelecer uma correlação entre estas duas envolvências e interpretar o seu significado como forma de garantir a complementaridade total da sua análise. É, por fim, um modelo que se esforça por não excluir da sua análise as diferentes acções e comportamentos sócio-humanistas, como forma de compreender de que modo eles se complementam entre si, no âmbito da PESC. Em suma, quando nos

Schuman Paper Series, Vol.8. No.7, May 2008; Miami European Union Center, Florida International University, University of Miami.

referimos ao modelo teórico da PESC falamos de um modelo holístico, sinergético, complexo, sistémico e multidimensional.

4.2.2. A Estrutura da Política Externa e de Segurança Comum.

Para uma análise completa da estrutura da PESC importa, desde logo, ter em consideração quatro grandes elementos: quadro institucional; instrumentos; processo decisório; financiamento.

O quadro institucional, indica-nos quais são os actores e os agentes intervenientes na definição e execução da PESC. Conselho Europeu e Conselho são as instituições por excelência desta política. Comissão Europeia e Parlamento Europeu. são as restantes instituições intervenientes, embora já com um papel substancialmente diminuído.200 Todas as demais instituições da União não têm qualquer tipo de

participação no âmbito da PESC e, como tal, ficam, desde logo, excluídas do seu quadro institucional.201 Destaque igualmente para o Alto Representante e para o SEAE que, não sendo oficialmente considerados instituições da União, viram o TL, conferir-lhes um conjunto de competências e atribuições que os colocam como actores privilegiados da PESC, sobretudo a nível do Conselho Europeu e do Conselho. Nesse sentido, a sua integração no quadro institucional da PESC é uma obrigatoriedade. CPS; AED; COREPER: CMUE; EMMUE; CACGC; CCPC; REUE; CSUE; IESUE são as restantes estruturas e organismos que, num plano menos visível, suportam todo o trabalho dos principais actores e agentes da PESC.202 Deparamo-nos, portanto, com um quadro institucional complexo, de difícil compreensão e articulação, que tem levado a divergências políticas e à

200A Comissão não dispõe do poder de iniciativa legislativa nem o PE actua como co-decisor,

precisamente as competências que, respectivamente, melhor os caracterizam. Isto porque no âmbito PESC está excluída a adopção de actos legislativos. Ver art24º, nº1, segundo parágrafo do TUE, versão consolidada, alterada pela redacção do TL.

201Note-se, todavia, que o TJUE, apesar de não ter competência para se pronunciar sobre os assuntos

da PESC, tem a possibilidade indirecta de o fazer de acordo com as duas excepções previstas no 24º, nº1, segundo parágrafo do TUE, versão consolidada, alterada pela redacção do TL.

202Sobre estas estruturas e organismos da PESC aludimos de forma mais pormenorizada num dos

duplicação de funções entre cargos, e que, em nada, tem contribuído para o reforço da coesão europeia.

Quanto aos instrumentos, estes traduzem, na prática, a forma como a PESC é executada pelos actores e agentes competentes. Com a entrada em vigor do TL os instrumentos da PESC foram alterados a nível da sua tipologia. Assim, os antigos instrumentos (estratégias comuns, posições comuns e acções comuns) foram substituídos pela definição das orientações gerais, por decisões adoptadas pelo Conselho Europeu e pelo Conselho em três âmbitos (as acções a empreender pela União, as posições a adoptar pela União e os procedimentos de execução dessas mesmas acções e posições) e, por fim, pelo reforço da cooperação política sistemática entre os EM.203 É, pois, com base nestes quatro tipos de decisões que a PESC é definida e implementada pelos actores competentes. No entanto, nunca é demais sublinhar que no âmbito da PESC está, por natureza, excluída a adopção de actos legislativos.204

O terceiro elemento, o processo decisório, não sofreu alterações de maior com a entrada em vigor do TL. Desta forma, o Conselho Europeu mantém-se como a principal instituição a nível decisório, na medida em que é o órgão que define e estabelece as linhas, as orientações e as estratégias gerais da PESC.205 Seguindo a

ordem natural do processo decisório, o Conselho mantém-se como o principal órgão responsável pela elaboração e execução desta política, de acordo com essas mesmas orientações e estratégias estabelecidas pelo Conselho Europeu.206

Sem novidade, a unanimidade permanece como regra padrão para a adopção, pelo Conselho Europeu e pelo Conselho, de decisões no âmbito da PESC.207 Com efeito, o TL é responsável pela introdução de «cláusulas-ponte»,208 uma delas de aplicação

203Ver art.25º do TUE, versão consolidada, alterada pela redacção do TL.

204Ver art.24, nº1, segundo parágrafo, do TUE, versão consolidada, alterada pela redacção do TL. 205Ver art.15º, nº1 do TUE, versão consolidada, alterada pela redacção do TL.

206Ver art.24º, nº1, segundo parágrafo e art.26º, nº2, ambos do TUE, versão consolidada, alterada

pela redacção do TL.

207Ver art.24º, nº1, segundo parágrafo, do TUE, versão consolidada, alterada pela redacção do TL. 208São cláusulas que permitem uma derrogação do processo legislativo originalmente previsto no

direito originário. A sua activação está sempre dependente de uma decisão aprovada por unanimidade pelo Conselho Europeu ou pelo Conselho. Podem ser de dois tipos: gerais (aplicáveis à

específica à PESC,209 com excepção das decisões relacionadas com assuntos militares e de defesa (PCSD), e que prevê a possibilidade do Conselho da U.E, mediante autorização do Conselho Europeu, deliberar por maioria qualificada nos casos previstos no nº2 do Art.31º TUE. Fica, deste modo, aberto o caminho ao reconhecimento da possibilidade de haver lugar à existência de função legislativa neste domínio.

Os EM e o Alto Representante gozam do direito de iniciativa nas matérias relacionadas com a PESC, sendo que este último o pode fazer individualmente ou com o apoio da Comissão Europeia.210 Como foi já referido anteriormente, o Alto Representante fica, ainda, incumbido de informar e consultar regularmente o PE sobre as questões relativas à implementação da PESC, bem como de assegurar que as recomendações desta instituição são tidas em consideração.211

Por fim, o último elemento diz respeito ao financiamento. A este nível o TL não introduziu qualquer tipo de modificação, permanecendo o processo de financiamento da PESC inalterado. As despesas com operações militares ou no domínio da defesa continuam, por conseguinte, a ser financiadas pelos EM, sendo as restantes despesas cobertas pelo orçamento da União.212213

Da análise estrutural da PESC resulta, assim, evidente que estamos perante uma política muito particular, cujas características e evolução se verificam ser, substancialmente, distintas das demais políticas comunitárias da União. Ao contrário destas, na PESC as instituições promotoras do interesse comunitário como a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu desempenham um papel muito

totalidade das políticas europeias) ou específicas (aplicáveis apenas a determinadas políticas europeias).

209Ver art.31º do TUE, versão consolidada, alterada pela redacção do TL. 210Ver art.30º, nº1 do TUE, versão consolidada, alterada pela redacção do TL. 211Ver art.36º do TUE, versão consolidada, alterada pelo TL.

212Ver art.41º, nº1 e nº2 do TUE, versão consolidada, alterada pela redacção do TL.

213Foram, no entanto, introduzidos dois novos mecanismos para garantir o rápido financiamento em

caso de acções e situações urgentes, e que deste modo podem, remota e indirectamente, vir a ter algum tipo de influência em termos de financiamento da PESC. São eles os processos de financiamento rápido, válidos para as acções urgentes abrangidas pelo da orçamento da União, e o fundo de lançamento, válido para as acções urgentes financiadas pelos EM.

secundário, sendo que o papel do TJUE é, simplesmente, inexistente.214 Convém, a este propósito, não esquecer, uma vez mais, que estamos perante uma política que toca directamente numa das prerrogativas nacionais mais sensíveis e que está umbilicalmente ligada à soberania política dos Estados. Deste modo, a sua evolução e a sua aproximação ao método comunitário têm-se revelado bastante morosas e difíceis, por comparação com as demais políticas europeias. Ainda assim, é possível identificar, ao longo da evolução estrutural da PESC, sinais reveladores de um ténue, mas progressivo, distanciamento da esfera intergovernamental, sem que tal signifique, necessariamente, uma futura e total submissão à esfera supranacional.215

Em síntese, toda esta análise serve para demonstrar a singularidade da PESC e para compreender de que modo esta contribui para o melhor entendimento da construção europeia, sobretudo, no que à sua integração política diz respeito, também esta um modelo de singularidade na história das relações internacionais.