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PARTE IV – O MODELO TEÓRICO DA POLÍTICA EXTERNA E DE

4. Fundamentos da Política Externa e de Segurança Comum

4.1. Significado Político-Estratégico

A Política Externa e de Segurança Comum é o conceito, forjado no seio da construção europeia, que designa um sistema, único a nível mundial, de cooperação entre os EM da U.E nas questões de política internacional. Foi oficialmente instituída, aquando da entrada em vigor do Tratado de Maastricht em Novembro de 1993, por decisão dos EM de inscreverem esta política como um dos pilares basilares da U.E.191

Actualmente, e de acordo com o direito originário, na sua redacção pelo Tratado de Lisboa, a PESC inscreve-se no quadro geral da acção externa da U.E.192 Nesse sentido, os seus princípios e objectivos são os mesmos que pautam e norteiam toda a acção externa da União nos seus múltiplos domínios e dimensões.193 Para a plena compreensão dos objectivos e princípios da PESC consideramos pertinente a transcrição integral do Artigo 21º do TUE, não obstante a sua extensão.

1. “A acção da União na cena internacional assenta nos princípios que presidiram à sua criação, desenvolvimento e alargamento, e que é seu objectivo promover em todo o mundo: democracia, Estado de direito, universalidade e indivisibilidade dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, respeito pela dignidade humana, princípios da igualdade e solidariedade e respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional.

191A PESC ficou oficialmente consagrada através das disposições constantes do Título V do TUE,

precisamente denominado PESC. Esta política era igualmente mencionada no artigo 2º (antigo artigo B) do TUE das disposições comuns, que previa como um dos objectivos da União "a afirmação da sua identidade na cena internacional, nomeadamente através da execução de uma política externa e de segurança comum, que inclua a definição, a prazo, de uma política de defesa comum, que poderá conduzir, no momento próprio, a uma defesa comum [..].”

192Está consagrada no conjunto de disposições que integram o capítulo 2, do Título V do TUE, na

sua versão consolidada, alterada pela redacção do TL.

193Ver art.23º do TUE, que, por sua vez, remete para o art.21º do TUE, ambos na versão

A União procura desenvolver relações e constituir parcerias com os países terceiros e com as organizações internacionais, regionais ou mundiais que partilhem dos princípios enunciados no primeiro parágrafo. Promove soluções multilaterais para os problemas comuns, particularmente no âmbito das Nações Unidas.

2. A União define e prossegue políticas comuns e acções e diligencia no sentido de assegurar um elevado grau de cooperação em todos os domínios das relações internacionais, a fim de:

a) Salvaguardar os seus valores, interesses fundamentais, segurança, independência e integridade;

b) Consolidar e apoiar a democracia, o Estado de direito, os direitos do Homem e os princípios do direito internacional;

c) Preservar a paz, prevenir conflitos e reforçar a segurança internacional, em conformidade com os objectivos e os princípios da Carta das Nações Unidas, com os princípios da Acta Final de Helsínquia e com os objectivos da Carta de Paris, incluindo os respeitantes às fronteiras externas;

d) Apoiar o desenvolvimento sustentável nos planos económico, social e ambiental dos países em desenvolvimento, tendo como principal objectivo erradicar a pobreza;

e) Incentivar a integração de todos os países na economia mundial, inclusivamente através da eliminação progressiva dos obstáculos ao comércio internacional;

f) Contribuir para o desenvolvimento de medidas internacionais para preservar e melhorar a qualidade do ambiente e a gestão sustentável dos recursos naturais à escala mundial, a fim de assegurar um desenvolvimento sustentável;

3. A União respeita os princípios e prossegue os objectivos enunciados nos números 1 e 2 no contexto da elaboração e execução da sua acção externa nos diferentes domínios abrangidos pelo presente título e pela Parte V do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, bem como das suas outras políticas nos seus aspectos externos.

A União vela pela coerência entre os diferentes domínios da sua acção externa e entre estes e as suas outras políticas. O Conselho e a Comissão, assistidos pelo Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, asseguram essa coerência e cooperam para o efeito.”194

Perante o consagrado no artigo supra transcrito é inevitável fazer uma avaliação positiva do mesmo, na medida em que os princípios e os objectivos norteadores da PESC traduzem e expressam a preocupação e a vontade da U.E em contribuir para a efectivação de um progresso e de uma prosperidade globais. Com efeito, como sublinham Keukeleire e MacNaughtan:

“Em vez de serem objectivos precisos que providenciem uma orientação concreta para as acções no âmbito da política externa, as disposições do Tratado são princípios gerais que os Estados Membros podem facilmente subscrever, mas que deixam margem para diferentes interpretações em torno da acção concreta que pode ser empreendida para efectivar esses mesmos objectivos” (KEUKELEIR e MACNAUGTHAN, 2008:152, trad. livre do autor)

Em suma, destacamos que os objectivos fixados pelo direito originário para a PESC são, do ponto de vista teórico, reveladores de uma ambição, que poderíamos cognominar de utópica, pelo simples motivo de que a sua plena realização se revela deveras difícil e altamente improvável. Não só porque está dependente de outros actores e agentes externos à U.E, mas também pelo facto de estarmos, no quadro europeu, num domínio de natureza intergovernamental, onde a convergência para a unanimidade e formação de maiorias e consensos alargados são uma constante, e se têm revelado processos de elevado grau de morosidade e complexidade.

A própria designação PESC leva-nos, à partida, e tal como o próprio nome, assim o sugere, a considerar que estamos perante uma política nos mesmos termos das demais políticas comuns da União (PAC, PCC, etc.). Com efeito, até hoje, a realidade mostra-nos que esta se trata de uma política que de comum tem ainda muito pouco, a não ser o próprio nome. Estamos, ainda, muito longe de reunir todos os procedimentos, mecanismos, e instrumentos necessários ao estabelecimento efectivo de uma política verdadeiramente comum.195

Além do mais, de acordo com o direito originário, a PESC da União “abrange todos os domínios da política externa, bem como todas as questões relativas à segurança da União, incluindo a definição gradual de uma política comum de defesa que poderá conduzir a uma defesa comum”196 Com efeito, a verdade é que, na prática, e em bom rigor, a PESC não compreende a totalidade destes domínios, pois como reiteram Keukeleir e MacNaugthan: “A defesa territorial dos Estados- Membros não é abrangida pela PESC, por exemplo, e para muitos EM a NATO

195Sobre este assunto ver subcapítulos 4.5.7.1, 4.5.7.2 e 4.5.7.3 da presente tese. 196Art.24º do TUE, versão consolidada, alterada pela redacção do TL.

permanece como o maior fórum da política de segurança.” (KEUKELEIR e MACNAUGTHAN, 2008:152, trad. livre do autor)

Deste modo, mesmo com todos os progressos e com todas as conquistas alcançadas nesta esfera ao longo das últimas décadas (criação de novos cargos, organismos, estruturas, instrumentos, etc.), e que permitiram um alargamento dos domínios abrangidos pela PESC, a verdade é que esta política, a celebrar duas décadas de existência, continua muito longe de poder ser considerada uma política verdadeira e plenamente comum.

O surgimento da PESC deve-se, essencialmente, a um conjunto de factores que influenciaram e fizerem sortir o seu efeito, de forma, mais ou menos directa, na Europa no início da década de noventa do séc. XX. Por um lado, no plano interno, a própria dinâmica do processo de construção europeia que, ao ver o seu processo de integração económica culminar com o estabelecimento de uma UEM e, a curto prazo, de uma moeda comum veio tornar a integração política no passo e na prioridade seguintes. Sendo a política externa e a política de segurança e defesa os domínios mais delicados e sensíveis a este nível, o estabelecimento de uma plataforma comum no plano europeu tornou-se uma prioridade necessária e indispensável para a efectivação do aprofundamento dessa mesma integração política. Do mesmo modo, ainda na esfera interna, conseguia-se, igualmente, minimizar o hiato e o desfasamento existentes entre o gigantismo económico e o nanismo político que, desde sempre, caracterizara o projecto de construção europeia.

Por outro lado, no plano externo, a Europa via parte do seu significado político- estratégico ser subalternizado a favor dos E.U.A, mas, por contraste, via também surgirem novos horizontes de integração e afirmação do seu papel na cena internacional.197 Assim, as prioridades da U.E no domínio das relações externas conheciam um novo capítulo, em parte, e como reitera Luís Tomé, pela ”necessidade de estabilizar a «outra Europa» e o empenho em aproveitar a

oportunidade histórica para enquadrar todos os povos da Europa num projecto comum de segurança, desenvolvimento e prosperidade”198 Os conflitos nos Balcãs e os atentados terroristas a 11 de Setembro de 2001 foram, também, outros factores externos determinantes na evolução e desenvolvimento da PESC.

Com a crescente afirmação de novos e emergentes actores globais, e com o surgimento de novas e permanentes ameaças à segurança internacional, consequência natural do processo de globalização, a PESC tornou-se num veículo privilegiado da promoção dos valores e dos princípios da U.E. Deste modo a secundarização e a perda de influência da União, e de cada um dos seus EM, no xadrez mundial foi significativamente travada.

Em suma, o significado político-estratégico da PESC reside, essencialmente, no desejo e na ambição dos EM conseguirem alcançar, de forma conjunta, um grau de afirmação e projecção externas, bem como de protecção e de segurança perante as constantes mutações do contexto geopolítico internacional, e que de outra forma não conseguiram atingir individualmente. Reforçar a posição da U.E enquanto actor de política externa permitiu, assim, aos EM salvaguardarem-se das novas e futuras ameaças que viessem a resultar das evoluções da conjuntura internacional. Em particular das instabilidades da envolvência externa, como foram os casos da guerra do Golfo e da desagregação da URSS, com a consequente reunificação alemã, precisamente os grandes acontecimentos externos impulsionadores da PESC. No entanto, para a maioria dos EM o objectivo e o interesse não passava, e continua a não passar, por tornar a U.E num actor de política externa demasiado forte e relevante, em virtude de isso significar uma perda da sua influência e relevância externas em detrimento da União. Já para não referir que, em último caso, poderia levar a que os EM perdessem para a U.E uma das suas prerrogativas mais soberanas como é o controlo das suas políticas externas. Deste modo se justifica o facto da PESC, apesar de todas as suas evoluções e progressos, permanecer, até hoje, sob a égide do seu traço mais característico, o intergovernamentalismo. Tal tem permitido aos EM, manter o domínio exclusivo desta política e controlar o reforço do papel da

U.E, enquanto actor de política externa, apenas e só, de acordo com os interesses e nos termos que melhor lhes convenham. De igual modo se explica a relutância e, por vezes, a intransigência crónicas dos EM em dotar a PESC dos meios, dos actores e dos instrumentos necessários para a tornar numa política sólida, robusta e plenamente comum.