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PARTE II A UNIÃO EUROPEIA ENQUANTO ACTOR GEOPOLÍTICO

2.8. A União Europeia, actor global

Completa a análise multidimensional em torno da concepção da U.E como actor internacional encontramo-nos agora habilitados a fazer um enquadramento mais geral dessa condição da União. Da síntese das diferentes dimensões analisadas conseguiremos, pois, perceber até que ponto estamos, ou não, no caso da U.E, perante um verdadeiro actor global no xadrez mundial. Esta condição é absolutamente determinante, na medida em que como faz questão de sublinhar a eurodeputada portuguesa Ana Gomes:

“Se se levar a sério e fizer o que lhe compete enquanto actor global, a Europa será também levada a sério pelos seus parceiros internacionais – dos Estados Unidos aos emergentes BRICS – nos domínios económico, financeiro, político e em todos os planos de regulação da globalização […].”121

A atribuição do Prémio Nobel da Paz em 2012 à U.E não é, de todo, uma distinção inocente nem, muito menos, desprovida de um simbolismo e de um significado particulares em relação à condição da União enquanto actor global. Tal como a

própria organização responsável pela atribuição deste prémio fez questão de esclarecer trata-se de uma distinção que visa despertar e alertar para o risco de desintegração da U.E enquanto projecto promotor e consolidado de paz, democracia, solidariedade e prosperidade. Esta distinção é, por conseguinte, um exemplo de que, mesmo mergulhada num contexto de incerteza e indefinição, tanto a nível interno como a nível externo, a U.E continua, ainda, a ser reconhecida internacionalmente como um actor modelo e com expressão relevante em domínios indispensáveis à governação e à sustentabilidade mundiais. Se o continuará, ou não, a ser por muito mais tempo, e quais as razões que motivam, ou não, essa tendência é já um outro debate que a presente dissertação não pretende alimentar, uma vez que se afasta já em demasia do âmago do seu objecto de estudo.

No plano histórico-cultural, a herança que a cultura europeia lega à civilização mundial assume uma dimensão e uma relevância tais, que a própria história não poderá olvidar. As principais raízes histórico-culturais europeias estendem-se, hoje, de forma natural e intrínseca, a toda a sociedade mundial, conferindo, deste modo, à Europa, e consequentemente à U.E, a quem cabe preservar este legado, um estatuto de actor global incontornável, de relevância e expressão, por ora, únicos e incomparáveis.

No plano social, apesar de não possuir um modelo social único, o grau de aprofundamento obtido pela construção europeia neste domínio permitiu a difusão e a padronização, à escala global, de um conjunto de conquistas sociais de matriz europeia, que projectam a U.E enquanto actor social de referência.

Quanto ao plano normativo, a U.E teve o mérito de conseguir dotar-se de uma base normativa que lhe permitiu, não só consolidar de forma credível e sustentada todo o seu sui generis processo de integração nos seus múltiplos domínios, como ainda servir de exemplo e de modelo à escala global. Como realça Ana Xavier:

“De facto, a difusão de normas para além das suas fronteiras, fortemente moldada por instrumentos de soft power, é bastante visível na influência e mudança de Estados tradicionalmente não democráticos em Estados democráticos, onde eleições livres e justas são apoiadas pela União Europeia,

e onde velhas normas e hábitos autoritários são substituídos por estruturas de transição orientada para a coerência económica e estabilidade política”122

No plano económico, o facto de possuir uma moeda forte e de reserva mundial, de possuir um mercado que abrange cerca de 500 milhões de pessoas, de ser a maior potência comercial do mundo, e de possuir uma política concorrencial pioneira e sem paralelo espelha bem a realidade de um actor que se destaca, inquestionavelmente, a nível global.

No plano estratégico, apesar do sério risco de secundarização a curto-médio prazo, a U.E continua a ser um parceiro privilegiado para a maioria dos restantes actores e agentes internacionais, quanto mais não seja pelo seu peso na economia e no comércio mundiais. A expressão que o multilateralismo ganhou no plano internacional deve-se, essencialmente, à abordagem levada a cabo pela U.E enquanto parceiro e actor estratégico. De facto como refere Leitão:

“[…] o incremento do multilateralismo nas relações internacionais depende em grande parte do papel que a União venha a exercer na sociedade internacional. A sua história e a sua especificidade acabaram por sedimentar o princípio segundo o qual o multilateralismo é chave da paz e da estabilidade no mundo. 123

Mesmo no plano político, apesar de parecer de um nanismo crónico, em virtude da indefinição e do baixo grau de aprofundamento do seu modelo de integração política somos levados a reconhecer uma evolução positiva, embora aquém do esperado, ao longo dos últimos anos. Não obstante ser esta a principal dimensão que obstaculiza, de forma mais evidente, a afirmação e o reconhecimento da U.E como actor global pleno, existe, porém, potencial, mais do que suficiente, para que, também a este nível, a União possa vir a criar as condições necessárias para reforçar o seu papel e a sua credibilidade no xadrez global.

Convém, ainda assim, não esquecer que as transformações operadas pela globalização levaram a que os actores internacionais, independentemente da sua

122Xavier, 2010, p.231.

natureza e tipologia, deixassem de lograr deter o monopólio da influência e do poder mundial, como outrora acontecera. Ainda assim, como afirma José Pereira Costa:

“O certo é que a União não só atraiu e continua a atrair ao seu seio todos os países do continente europeu, como se tornou num exemplo institucional a seguir em muitos pontos do globo, na Ásia, na América e em África, mercê do grande poder económico e do bem-estar social que granjeou para as suas populações através de uma dinâmica inter-regional forte.” (PEREIRA DA COSTA, 2007:202)