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PARTE II A UNIÃO EUROPEIA ENQUANTO ACTOR GEOPOLÍTICO

2.5. A União Europeia como actor estratégico

se encontra, ainda, pelo menos a curto prazo, em condições de igualar.

2.5. A União Europeia como Actor Estratégico

Contrariamente ao passado, onde o poder hegemónico de uma ou duas potências dominava o SRI, a realidade situa-nos hoje num mundo global, multipolarizado e em permanente mutação. Neste novo contexto geopolítico a U.E tem-se deparado com grandes desafios relativamente à sua afirmação na cena internacional, na medida em que uma multiplicação do número de centros de poder veio dificultar e alterar as suas escolhas, as suas prioridades e as suas estratégias em relação aos novos actores e agentes internacionais. De igual modo, o risco de divergências e tensões internacionais veio tornar-se mais evidente. Por outro lado, e com um efeito positivo, também se alargou o horizonte de oportunidades de exploração de novas realidades e dimensões com potencial de cooperação estratégica multidimensional, até então desconhecidas ou, simplesmente, inatingíveis, tendo em conta o quadro geopolítico passado.

Esta breve excursão em torno da realidade da U.E enquanto actor estratégico pressupõe, desde logo, uma análise em torno de dois tipos de aspectos: políticos e económicos. Relativamente aos primeiros, estes incidem, principalmente, no domínio relativo à política externa e à política de segurança. Já em relação aos segundos, estes recaem, essencialmente, no âmbito da PCC, que, por serem os de maior expressão no plano estratégico, merecerão um maior destaque nesta análise. Desta forma será possível compreender as opções estratégicas da U.E tanto no quadro geopolítico como no quadro geoeconómico, bem como o seu estatuto e a sua relevância estratégica perante os demais actores e agentes internacionais concorrentes.

Quando se refere a questão da política externa e particularmente da política de segurança é inevitável associá-las à dimensão militar. No caso da U.E não é

excepção, mas com a particularidade de ter relegado, desde a sua génese e particularmente após o fracasso da CED,81 a componente militar para segundo plano, tendo-a transferido, essencialmente, para a esfera da NATO. Como alternativa a U.E apostou no desenvolvendo de uma componente civil, que abrangesse os domínios relativos à segurança não só europeia como também internacional. Diversos meios, instrumentos e estruturas foram, pois, criados a nível da prevenção de conflitos, da gestão de crises e da ajuda humanitária e permitiram à União, tornar-se um parceiro e, consequentemente, um actor estratégico relevante na esfera da segurança e da paz internacionais, especialmente junto das OI.82 No entanto, a complexidade do quadro institucional e do policy-making da U.E no domínio da PESC continuam a constituir um entrave ao pleno reconhecimento de um estatuto claro e definido da União enquanto actor estratégico a nível político.

A própria União parece não ter dificuldade em identificar o problema ao reconhecer que “num contexto mais global devemos reforçar as parcerias, tanto com os parceiros de longa data como com os actores mundiais emergentes e pô-las em prática traduzindo as aspirações em acções concretas.”83 Esta ideia é, aliás, consubstanciada pelo próprio Presidente do Conselho Europeu quando, em 2010, afirmou, a propósito da U.E, que: “Até agora tivemos parcerias estratégicas, agora precisamos também de uma estratégia.”84 Daqui resulta evidente que, de facto, a maior dificuldade não reside na identificação do problema, que a própria U.E reconhece natural e conscientemente, mas sim na sua resolução real e efectiva.

81O projecto da Comunidade Europeia de Defesa remonta a 1950, quando o governo francês

presidido por René Pleven, inspirado por Jean Monnet, apresenta formalmente a ideia, de criação de uma defesa europeia comum e de um exército europeu. A 27 de Maio de 1952 foi assinado pelos seis EM fundadores o Tratado que estabeleceria a CED. No entanto, dois anos mais tarde, por voto contrário da maioria, a assembleia francesa viria a rejeitar esta comunidade, tendo a iniciativa sido definitivamente abandonada em agosto de 1954.

82O relatório anual da PESC de 2009 constata isso mesmo ao reiterar que: “O papel da União

Europeia tem vindo a expandir-se nos últimos anos. A União tem contribuído para a estabilidade e a democracia nos países vizinhos, reforçado as relações com os seus parceiros internacionais, participado na resolução de crises e conflitos em todo o mundo, promovendo a boa governação e os direitos humanos e apoiado o desenvolvimento.”

83União Europeia, 2009, p.48.

84Van Rompuy, 14 de Setembro de 2010, declaração proferida no âmbito da preparação da reunião

do Conselho Europeu de 16 de Setembro de 2010. Disponível para consulta em: http://vloghvr.consilium.europa.eu/?p=2377.

A instabilidade e a tensão no Médio Oriente e Norte de África; os conflitos regionais nos países vizinhos da Europa Ocidental; a afirmação e consolidação dos BRICS e o despontar de novas economias emergentes no contexto na economia global; o aprofundamento da agenda transatlântica; a aposta no multilateralismo no âmbito das OI; as questões do terrorismo, do armamento nuclear, da segurança energética e das alterações climáticas são apenas os principais desafios externos com os quais a U.E tem de lidar, e que provam que nenhum país ou região pode, por si só, enfrentar, com sucesso, os grandes desafios internacionais da actualidade. Neste contexto, as parcerias entre os vários actores e agentes internacionais, nos seus múltiplos domínios, adquiriram uma importância particular enquanto elemento estratégico matricial da relevância e do estatuto conquistados por esses mesmos actores e agentes.

Por parceiros estratégicos entendem-se, de acordo com a definição básica de David Allen e Michael Smith, “aqueles países ou grupos com os quais realizam cimeiras regulares entre chefes de Estado e com os quais o PCE mantém uma relação permanente e duradoura.”85 Relativamente à U.E, a principal prioridade com os seus parceiros estratégicos tem residido, preferencialmente, no aprofundamento das suas relações económicas e comerciais com os mesmos, tendo naturalmente por base os objectivos estabelecidos entre ambas as partes no seio das cimeiras bilaterais ou multilaterais. O grau de aprofundamento e alcance das relações da União varia consoante os parceiros em questão, na medida em que dependem da natureza dos diálogos e das negociações entre os respectivos agentes representantes de cada uma das partes, bem como da natureza e da especificidade dos assuntos em causa. Antes de mais, convém sublinhar que todas as parcerias estratégicas requerem, naturalmente, uma autoridade política forte, bem como processos negociais por vezes longos, onde as posições devem ser flexibilizadas, sem deixarem, no entanto, de convergir quanto ao seu propósito negocial.86

85Allen and Smith, 2012, p.5.

86Renhard and Hooijimaaijers, 2001, p.6, aqui citado por European Parliament, Directorate-General

for External Policies, Policy Department, AFET; The EU Foreign Policy towards the BRICS and other emerging powers: Objectives and strategies, EXPO/B/AFET/FWC/2009-01/LOT2/09; European Parliament, Directorate-General for External Policies, Policy Department, AFET, 2011, p.21.

De entre os inúmeros parceiros estratégicos da U.E destacam-se, naturalmente por força das circunstâncias, os BRICS, com os quais um número significativo de parcerias e acordos económicos têm sido celebrados quer bilateral, quer multilateralmente. Em relação à Índia, destacam-se a cooperação em matérias como as alterações climáticas, energia e I&D, bem como a continuação das negociações tendo em vista o estabelecimento de um ACL entre ambas as partes. Com o Brasil, a U.E. logrou celebrar acordos relativos à segurança e à circulação aérea, bem como a nível de investigação sobre energia de fusão. Quanto ao seu parceiro estratégico mais próximo, a Rússia, a U.E celebrou um Acordo de Parceria e Cooperação com o intuito de promover uma maior convergência de posições internacionais de interesse recíproco e particularmente de fomentar as condições para o estabelecimento de uma ZCL e consumar a adesão deste parceiro à OMC. Com a África do Sul destacam-se os acordos de cooperação a nível de ciência e tecnologia, do programa ERASMUS Mundus e de mecanismos de apoio ao desenvolvimento comercial.

Também relativamente às Organizações Internacionais, a U.E tem-se revelado um parceiro estratégico fundamental, enquanto maior promotor e impulsionador do multilateralismo no seio da ONU (no domínio da gestão de crises), da NATO (no reforço da segurança dentro e fora do eixo transatlântico) e da OMC (no âmbito do comércio externo e de todos os factores que lhe estão associados). Todavia, tem-se evidenciado nos últimos anos um declínio generalizado da imagem internacional da U.E, que se começa a reflectir nas opiniões e sondagens realizadas junto dos seus principais parceiros estratégicos.87 Como fazem questão de sublinhar Oliver e Fioramonti: “subsídios agrícolas, barreiras não-pautais e outras medidas protecionistas contra as economias emergentes reforçam a percepção da U.E como potência neo-colonial”.88 São disputas como estas que resultam, pois, numa

87Ver: The EU Foreign Policy towards the BRICS and other emerging powers: Objectives and

strategies, EXPO/B/AFET/FWC/2009-01/LOT2/09; European Parliament, Directorate-General for External Policies, Policy Department, AFET, 2011, p.21, tabela 7.

88Oliver and Fioramnonti, 220, aqui citado por European Parliament, Directorate-General for

External Policies Policy Department; The EU foreign policy towards the BRICS and other emerging powers: objectives and strategies 2011., p.21.

imagem menos favorável da U.E enquanto parceiro estratégico. Esta lacuna no entendimento da U.E torna-se ainda mais evidente junto dos observadores não- europeus, que encontram, assim, motivos suficientes para lamentarem a incapacidade da U.E se adaptar às constantes mudanças do contexto global, bem como para procurar adoptar uma postura mais modesta relativamente ao resto do mundo.89

Na verdade, como afirma Ana Xavier na sua própria dissertação de doutoramento: “De facto, a União não tem um centro de soberania concentrado que permita a afirmação estratégica igual a uma superpotência e, por isso, será sempre uma comunidade de Estados com diferentes culturas estratégicas submetidas a uma certa europeização.”90 A U.E encontra, deste modo, na necessidade de restaurar e reforçar a sua imagem e o seu entendimento aos olhos do mundo, principalmente dos seus parceiros estratégicos, um dos seus maiores desafios externos. Uma tarefa que requererá o desenvolvimento de esforços sustentáveis conjuntos por parte das elites europeias, no sentido de demonstrar aos principais parceiros e elites mundiais que a U.E pode e dever ser um actor relevante e indispensável na procura de soluções para os grandes desafios globais. Além do mais, porque, apesar de tudo, uma década de rápido crescimento económico provou não ser, ainda, suficiente para que os BRICS se assumissem como os grandes parceiros estratégicos de referência mundial. Tanto a U.E como os E.U.A continuam a assumir a liderança da governação geoestratégica global, em virtude de conservarem o seu estatuto de parceiros estratégicos preferenciais da maioria dos demais actores e agentes internacionais. Apesar dos sinais que começam a evidenciar uma inversão desta realidade, a verdade é que, no caso concreto da U.E, esta continua, apesar de tudo, a gozar de um estatuto e de uma relevância estratégica assinaláveis, fruto de uma prosperidade e de um desenvolvimento consolidado e sustentado que as potências emergentes, ainda, almejam alcançar. Deste modo, a cooperação estratégica da União com as novas potências económicas emergentes e com os BRICS continua, apesar de tudo, a revelar-se determinante, na medida em que é essencial para o

89European Parliament, 2011, p.21. 90Xavier, 2010, p.247.

processo de modernização e inovação pelo qual estes mesmos países têm de passar até atingirem o grau de desenvolvimento desejado.91

Todavia, para uma plena consolidação do estatuto da U.E enquanto actor estratégico global, parece estar implícita a definição de uma estratégia e de um conjunto de mecanismos e capacidades para influenciar decisivamente alguns dos principais domínios com incidência directa na governação mundial. Para isso, a U.E deve continuar o aprofundamento do seu projecto de integração não só económica mas, sobretudo, política, de modo a dissipar, de uma vez por todas, as muitas dúvidas e incertezas que ainda subsistem.

Em síntese, é possível afirmar que a U.E tenderá sempre a ser um actor estratégico global, edificado numa cultura do Estado de direito, da democracia; dos direitos humanos, do apoio ao desenvolvimento e da boa governação. Valores e princípios intrinsecamente europeus, cuja promoção incessante, juntamente com o facto de ser o principal actor económico, ainda lhe vão conferindo, em termos estratégicos, um estatuto privilegiado e reconhecido na cena internacional, não obstante a ameaça das novas potências económicas emergentes. Com efeito, quando se perspectiva o estabelecimento de uma cultura estratégica europeia esta será sempre de natureza híbrida e muito particular, na medida em que terá por base as diferentes subculturas estratégicas dos EM. São elas que, apesar de lhe conferirem uma diversidade, uma riqueza e um potencial únicos, também lhe conferirão um carácter fragmentado, discrepante e potencialmente conflituoso, o que condicionará sempre a afirmação de uma verdadeira cultura estratégica transnacional única no seio da U.E.