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PARTE IV – O MODELO TEÓRICO DA POLÍTICA EXTERNA E DE

4. Fundamentos da Política Externa e de Segurança Comum

4.3. Aspectos Conceptuais

4.3.4. O Conceito de Diplomacia

Este é um conceito que, apesar da sua aplicação prática remontar já à antiguidade clássica,222 a sua definição não é, ainda hoje, de todo, consensual. É um termo comummente adquirido, mas utilizado com diversos significados e em diferentes contextos, quer sejam do âmbito das relações e das actividades externas, quer sejam da esfera da vida quotidiana.

Ao analisarmos alguns exemplares lexicográficos, sejam eles nacionais ou internacionais, percebemos que, mesmo para este ramo da linguística, estamos perante um conceito que dá lugar a diferentes definições e significâncias. O conceituado dicionário de Oxford define diplomacia como “a profissão, a actividade ou a habilidade de gerir as relações internacionais, normalmente exercida por representantes de um país no exterior; a arte de lidar com as pessoas de forma sensível e delicada.”223 De acordo com o dicionário de Cambridge surge como “a gestão das relações entre países; capacidade demonstrada para lidar com as pessoas, sem as ofender ou perturbar.”224 Já relativamente à língua portuguesa, o dicionário Aurélio define diplomacia como “Ciência das relações internacionais; Arte de manter o direito e de promover os interesses de um Estado ou governo perante os Estados e governos estrangeiros; Carreira diplomática; Conjunto dos diplomatas; Fig. Habilidade, astúcia, finura.”225

Também para a doutrina o entendimento acerca da definição deste conceito é tudo menos consensual, na medida em que é objecto de diversas interpretações e significâncias. Para Calvet de Magalhães, diplomacia é entendida como “instrumento de política externa para o estabelecimento e desenvolvimento dos contactos pacíficos entre os governos de diferentes Estados, pelo emprego de

222Neste período, bem como na Idade Média, os diplomatas eram sempre enviados para outros

territórios apenas para negociações específicas, regressando à pátria com as suas conclusões.

223Oxford dictionaries online, disponível em:

http://oxforddictionaries.com/definition/english/diplomacy?q=diplomacy, consultado pela ultima vez a 23 de maio de 2013, trad. livre do autor.

224Cambridge Advanced Learner's Dictionary; Cambridge University Press. trad. Livre do autor 225Dicionário Aurélio online, disponível em: http://www.dicionariodoaurelio.com/Diplomacia.html;

intermediários, mutuamente reconhecidos pelas respectivas partes.”226. “A arte da negociação ou o conjunto das técnicas e processos de conduzir as relações entre os Estados” segundo Adriano Moreira.227 Já para Morgenthau “[…] A esse método de criar pré-condições para uma paz permanente chamamos de paz por meio de acomodações. E o seu instrumento é a diplomacia.”228 Ainda segundo o mesmo autor, que identifica a persuasão, a conciliação e a ameaça do emprego da força como os meios ao dispor da diplomacia, “A arte da diplomacia consiste na habilidade de, em cada momento particular, colocar a ênfase correcta em cada um desses três meios à sua disposição.”

É, ainda, frequente, particularmente para a doutrina americana, a tendência para considerar a diplomacia como um sinónimo da política externa, o que, em nosso entender, constitui um erro de análise conceptual. A diplomacia é, em bom rigor, uma das várias dimensões, através da qual se exerce a política externa, sendo por isso instrumental desta.229

Existe, com efeito, uma característica inerente ao conceito de diplomacia que parece merecer um consenso relativamente generalizado e alargado e que diz respeito à sua natureza pacificadora. A diplomacia pode, deste modo, ser entendida como o instrumento de execução pacificadora da política externa. Está, portanto, no seu âmago e na sua essência a procura de uma relação cooperativa e amigável entre os actores e os agentes envolvidos no exercício da actividade diplomática.

Também a evolução histórica desempenhou um contributo relevante para que a fixação deste conceito pela teoria, seja ela doutrinária ou lexicográfica, tenha sido marcada pela conflitualidade e pelo dissenso. Por conseguinte, tendo o sistema

226Calvet de Magalhães, 2005, p.26. 227Moreira, 2002, p.74.

228Morgentahu, 2003, p.967.

229Luís Moita faz, a este propósito, uma clara destrinça entre os dois conceitos ao afirmar que: “A

política externa é o conjunto de opções de um país no que toca à sua colocação no mundo e às suas relações com os outros países enquanto que a diplomacia é uma actividade através da qual se aplica a política externa. […] Designamos então “diplomacia” aquele conjunto de pessoas de instituições e de práticas pelas quais se materializam as escolhas no domínio das relações internacionais, incluindo portanto o corpo de diplomatas, as delegações em países estrangeiros e em organizações internacionais e a rede de embaixadas, consulados e outros organismos de representação do Estado no exterior.” Moita, 2005, p.136.

diplomático surgido, genuinamente, no seio das repúblicas italianas do século XV, apesar da sua prática já remontar aos tempos da antiguidade clássica, a diplomacia era, à época, segundo Luís Moita “Entendida como representação pessoal de soberano a soberano, a diplomacia era, assim, essencialmente bilateral, ocupando- se das relações Estado a Estado”.230 Ainda de acordo com o mesmo autor ”desenrolava-se em ambiente palaciano, longe dos olhares indiscretos dos súbditos, divorciada das opiniões públicas e mesmo ausente dos debates parlamentares.”231

Em suma, este é, pois, o entendimento mais adequado sobre o conceito de diplomacia clássica, que se veio a consolidar já no século XVIII, designando, à data, o conjunto de práticas e actividades relativas às trocas e negociações entre Estados.

É, no entanto, já em pleno século XX, com as grandes mutuações no quadro das relações internacionais, que o termo diplomacia conhece um novo capítulo, no que à sua conceptualização diz respeito. Afastamo-nos, assim, progressivamente do que, até então, se entendia por diplomacia clássica para nos aproximarmos de um novo paradigma, caracterizado por novos actores, novos espaços, novos processos e novos métodos no seio da realidade internacional. Apesar do ónus da diplomacia clássica se sentir, ainda, em alguns aspectos do contexto internacional actual, podemos considerar esta mudança como uma nova acepção do conceito de diplomacia, e que podemos designar por “nova diplomacia”.

A passagem do bilateralismo para o multilateralismo, a perda do monopólio exclusivo da acção externa pelos Estados, a emergência da globalidade, o surgimento da dimensão transnacional materializada no surgimento de novos actores e agentes (OI, ONG, comunidades religiosas, empresas multinacionais, movimentos associativos, etc.) obrigaram, desta forma, à necessidade de redefinição das práticas e das concepções diplomáticas. Tudo isto contribuiu,

230Moita, 2005, p.134. 231Idem, ibidem.

igualmente, para o surgimento de novas unidades territoriais, caracterizadas pela heterogeneidade dos seus agentes e pela vastidão dos seus espaços. Os Estados viram-se, portanto, confrontados com a necessidade de redefinir os seus modelos de representação externa, particularmente através da acção dos seus diplomatas, em função da emergência de novas realidades e configurações espaciais.232

Outra das características desta “nova diplomacia” diz respeito ao alargamento dos domínios abrangidos pela acção externa. Assistimos ao surgimento de uma nova agenda diplomática multidimensional, caracterizada por uma multiplicidade de adjectivos que passaram a estar associados à palavra diplomacia. Diplomacia económica; diplomacia cultural; diplomacia militar; diplomacia ambiental; diplomacia humanitária são apenas alguns exemplos da nova realidade caracterizadora deste conceito.

Em síntese, no contexto actual, parece plausível considerar a diplomacia como um instrumento da política externa utilizado pelos actores políticos internacionalmente reconhecidos, e cuja actividade compreende uma multiplicidade de domínios, espaços, agentes, processos, métodos e desafios.

Já no contexto da U.E este é um conceito que tem vindo a assumir um crescente protagonismo, particularmente após a entrada em vigor do TL. A criação do cargo de Alto Representante, do SEAE e a transformação da rede de embaixadas da Comissão em embaixadas da U.E vieram colocar ênfase na emergência de uma diplomacia à escala europeia. Nesse sentido, a confirmar-se esta evolução favorável no quadro da PESC, por via do aprofundamento desta nova dimensão europeia, seremos, inexoravelmente, transportados para uma nova e mais complexa definição do conceito de diplomacia.