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4.2 A POLÍTICA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

4.2.1 A atuação do Estado no domínio econômico e social por meio de políticas públicas

Explica Eros Grau que o Estado social se difere do Estado liberal ao deixa de ser apenas produtor do direito e provedor da segurança para também intervir na ordem econômica e social como implementador de políticas públicas. O Estado passa a atuar não apenas como terceiro-árbitro, mas também como terceiro-ordenador74.

Entretanto, parece haver na doutrina certa distinção entre o ato de intervenção e o de atuação do Estado no domínio econômico e social. Para esclarecer esta questão terminológica, desenvolve-se o estudo sobre o que diz a literatura jurídica para que se possa identificar se na ordem constitucional de 1988 o Estado atua ou intervém na ordem econômica e social por meio de políticas públicas.

Para Hely Lopes Meirelles, a Constituição Federal de 1988 trata da atuação do Estado na atividade econômica, rompendo com o modelo de intervenção do Estado no domínio econômico discutido nos textos constitucionais anteriores. O Estado atua a partir da fiscalização, do incentivo e do planejamento, mas de forma indicativa para a iniciativa privada e determinante para o setor público, nos termos do artigo 174, da Constituição Federal de 1988. Portanto, o entendimento deste autor é no sentido de atuação supletiva do Estado na

atividade econômica e não mais interventiva75.

Hely Lopes Meirelles, ao falar da atuação supletiva do Estado na economia, ressalta que a Constituição Federal de 1988 manteve o padrão de sua antecessora ao assegurar à iniciativa privada a preferência na exploração da atividade econômica76. Explica o autor que,

atuar é interferir na iniciativa privada. Por isso mesmo, a atuação estatal só se justifica como exceção à liberdade individual, nos casos expressamente permitidos pela Constituição e na forma que a lei estabelecer. O modo de atuação pode variar segundo o objeto, o motivo e o interesse público a amparar. Tal interferência pode ir desde a repressão a abuso do poder econômico até as medidas mais atenuadas de controle de abastecimento e de tabela de preços, sem excluir outras formas que o Poder Público julgar adequadas em cada caso particular. O essencial é que as medidas interventivas estejam previstas em lei e sejam executadas pela União ou por seus delegados legalmente autorizados.77

Ainda sobre os termos atuação estatal e intervenção, Eros Grau ensina que:

[...] A intervenção, pois, na medida em que o vocábulo expressa, na sua conotação mais vigorosa, precisamente atuação em área de outrem.

Daí se verifica que o Estado não pratica intervenção quando presta serviço público ou regula a prestação de serviço público. Atua, no caso, em área de sua própria titularidade, na esfera pública. Por isso mesmo dir-se-á que o vocábulo intervenção é, no contexto, mais correto que a expressão atuação estatal: intervenção expressa atuação estatal em área de titularidade do setor privado, atuação estatal, simplesmente, expressa significado mais amplo. Pois é certo que essa expressão, quando não qualifica, conota inclusive atuação na esfera do público.

Por isso que o vocábulo e expressão não são absolutamente, mas apenas relativamente, intercambiáveis. Intervenção indica, em seu sentido forte (isto é, na sua conotação mais vigorosa), no caso, atuação estatal em área de titularidade do setor privado; atuação estatal, simplesmente, ação do Estado tanto na área de titularidade do setor privado. Em outros termos, teremos que intervenção conota atuação estatal no campo da atividade econômica em sentido estrito; atuação estatal, ação do Estado no campo da atividade econômica em sentido amplo.78

No mesmo sentido, expressa Washington Peluso Albino de Souza:

Intervenção, forma de ação. Subentende certa maneira de agir, e uma outra que a ela se antepõe. Confirma-se, aqui, a idéia anteriormente exposta de que, ao se falar em “intervenção”, conserva-se o princípio ideológico

75 MEIRELLES, Hely Lopes, op. cit., p. 536-537.

76 IBIDEM, p. 537.

77

IDEM.

78 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 15. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 90-91.

“liberal” da abstenção do Estado em termos de ação econômica direta, admitindo-se a “exceção” de que possa “atuar”, portanto “intervir”, em determinadas circunstâncias.

Ao mesmo tempo, mantém-se a posição de que “ação” traduz o gênero e os demais atos são espécies deste.

Por ser forma de ação do Estado, a sua natureza é política. Quando essa se exprime por um “conjunto de atos praticados pelo Poder Público para atingir certos fins, incluindo sobre os fenômenos a longo prazo (reformas estruturais), ou simplesmente a curto prazo (medidas de tipo conjuntural), temos a “Política Econômica”, que se completa por lhe serem fixados os objetivos com os quais se compromete o Poder Público, quer legislando, quer executando ou estimulando, quer “regulamentando” ou “regulando” medidas, pela aplicação dos dispositivos legais.79

A partir dos ensinamentos acima é possível fazer a observação de que o artigo 173, da Constituição Federal de 1988, quando autoriza, mediante lei, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado em caso de imperativos da segurança nacional ou de relevante interesse coletivo, está permitindo ao Estado intervir de forma direta no domínio econômico. O domínio econômico é área de titularidade do setor privado, portanto, a Constituição Federal de 1988 autoriza a intervenção direta do Estado somente em casos excepcionais e desde que o princípio da legalidade seja respeitado.

De acordo com Washington Peluso Albino de Souza, ao analisar o artigo 173, da Constituição Federal de 1988, ensina que a Constituição de 1988 adotou a técnica de redação pela excepcionalidade80, isto é, a atividade econômica em sentido estrito é explorada prioritariamente pelo setor privado, uma vez que o comando constitucional permite apenas em casos excepcionais a exploração direta pelo Estado.

A atuação estatal seria mais ampla, vez que englobaria a própria intervenção do Estado no domínio econômico, por isso Eros Grau defende que os vocábulos são apenas relativamente intercambiáveis. A intervenção seria espécie de atuação estatal no domínio econômico, mas o termo é utilizado para individualizar as hipóteses de exceção em que o Estado poderá atuar diretamente no domínio econômico, na esfera de titularidade privada.

Assim, a atuação estatal ocorre quando o Estado presta serviço público ou regulamenta a prestação destes serviços, é o âmbito de titularidade do setor público. Portanto, quando o Estado presta serviços por meio de políticas públicas ocorre a atuação estatal. Por isso que a política pública vem sendo conceituada como um programa de ação estatal. É o Estado agindo dentro do âmbito de sua titularidade.

79

SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de Direito econômico. 5. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 318.

Eros Grau afirma que o artigo 174, da Constituição Federal de 1988, denota atividade econômica em sentido amplo, conforme se observa na seguinte exposição:

Alude, o preceito, a atividade econômica em sentido amplo. Respeita à globalidade da atuação estatal como agente normativo e regulador. A atuação normativa reclama fiscalização que assegure a efetividade e eficácia do quanto normativamente definido – daí por que, em rigor, nem seria necessária a ênfase que o preceito adota ao expressamente referir a função de fiscalização. A atuação reguladora há de, impõe a Constituição, compreender o exercício das funções de incentivo e planejamento. Mas não apenas isso: atuação reguladora reclama também fiscalização e, no desempenho de sua ação normativa, cumpre também ao Estado considerar que o texto constitucional assinala, como funções que lhe atribui, as de incentivo e planejamento. Tanto é assim que o preceito determina ser ele – o planejamento – “determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. O art. 174 reporta-se nitidamente, nestas condições, a atividade econômica em sentido amplo.81

Eros Grau continua explicando que a atividade econômica que aparece no artigo 173, da Constituição Federal de 1988, refere-se àquela de titularidade do setor privado, isto é, a atividade econômica em sentido estrito, mas que a própria Constituição permite, excepcionalmente, a atuação direta da União, dos Estados-membros e dos Municípios em tal atividade.82

Já o artigo 174, da Constituição Federal de 1988, refere-se à atividade econômica em sentindo amplo, que é o gênero, o que significa englobar tanto a atividade econômica de titularidade do setor privado quanto os serviços públicos.83

Agora quanto à atuação do Estado no domínio social, ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello que:

A intervenção do Estado no domínio social tanto se faz pela prestação dos serviços públicos desta natureza (educação, saúde, previdência e assistência social) como pelo fomento da atividade privada mediante trespasse a particulares de recursos a serem aplicados em fins sociais.84

Carolina Zancaner Zockun parte da premissa de que a intervenção estatal na ordem social tem por objetivo assegurar os direitos sociais.85 Continua a autora explicando que a Constituição Federal, ao tratar da ordem social, quis, em última análise, tratar da sociedade

81

GRAU, Eros Roberto, A ordem econômica... p. 105.

82 IBIDEM, p. 101.

83 IBIDEM, p. 101-105.

84

MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit., p. 814-815.

85 ZOCKUN, Carolina Zancaner. Da intervenção do Estado no domínio social. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 13.

brasileira, e não apenas dos mecanismos de implantação dos direitos sociais previstos no art. 6º.86

Carolina Zancaner Zockun ressalta que a ordem econômica foi tratada de forma separada da ordem social no texto constitucional87. Ensina, ainda, que a intervenção estatal no domínio social ocorrerá ou por meio de prestações de serviços públicos88, ou por meio da atividade de fomento89.

Maria Paula Dallari Bucci defende que o modelo de atuação do Estado na ordem social é o mesmo utilizado por ele na ordem econômica. A forma de agir do Estado é igual para o domínio econômico e para o domínio social. De forma direta, expressa a autora que:

O paradigma dos direitos sociais, que reclama prestações positivas do Estado, corresponde, em termos da ordem jurídica, ao paradigma do Estado intervencionista, de modo que o modelo teórico que se propõe para os direitos sociais é o mesmo que se aplica às formas de intervenção do Estado na economia. Assim, não há um modelo jurídico de políticas sociais distinto do modelo de políticas econômicas.90

Surge a questão sobre a ligação entre atividade econômica e serviço público, que é esclarecida por Eros Grau quando este defende ser o serviço público espécie de atividade econômica. Explica que há a atividade econômica em sentido amplo que é o gênero, o qual tem como espécies a atividade econômica em sentido estrito e o serviço público.91

Quanto ao fato de ser o serviço público espécie de atividade econômica, Eros Grau destaca que a prestação de serviço público está voltada à satisfação de necessidades, o que envolve a utilização de bens e serviços, recursos escassos. Daí podermos afirmar que o serviço público é um tipo de atividade econômica.92

Assim, é por meio da atuação estatal, seja na atividade econômica ou na atividade social, que são aplicadas as políticas públicas, ora como serviço público em que o Estado atua em titularidade própria, ora de forma indicativa para o setor econômico quando este for de titularidade privada, como ocorre, por exemplo, com a política agrícola, na qual há a atuação estatal na atividade econômica rural.

86

ZOCKUN, Carolina Zancaner, op. cit., p. 34.

87

IBIDEM, p. 33.

88 IBIDEM, p. 160-185.

89 IBIDEM, p. 186-222.

90

BUCCI, Maria Paula Dallari, O conceito de política... p. 5.

91 GRAU, Eros Roberto, A ordem econômica... p. 100.