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3 POLÍTICA AGRÍCOLA

3.1 A POLÍTICA AGRÍCOLA COMO INSTITUTO JURÍDICO

3.2.2 Conceito de política agrícola

A política agrícola recebeu conceito legal do Estatuto da Terra, em seu artigo 1º, § 2º:

§ 2º Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país.256

Do conceito legal conferido pelo Estatuto da Terra à política agrícola é possível extrair que:

1) A política agrícola é um conjunto de medidas de ação estatal, de instrumentos que possibilitam a execução da política agrícola. Tais medidas ou instrumentos se apresentam, primeiramente, no artigo 73, do próprio Estatuto da Terra, enumerados da seguinte forma: assistência técnica, produção e distribuição de sementes e mudas, criação, venda e distribuição de reprodutores e uso da inseminação artificial, mecanização agrícola, cooperativismo, assistência financeira e creditícia, assistência à comercialização, industrialização e beneficiamento dos produtos, eletrificação rural e obras de infra-estrutura, seguro agrícola, educação, através de estabelecimentos agrícolas de orientação profissional e garantia de preços mínimos à produção agrícola.

Conforme dispõe o § 1º, do artigo 73, do Estatuto da Terra, os meios ou instrumentos de efetivação da política agrícola têm por objetivo a plena capacitação do rurícola mediante o fomento da educação, da formação empresarial e técnico-profissional.

Tamanha importância e necessidade da atuação estatal no âmbito rural pelo fomento dos meios ou instrumentos de política agrícola, que o texto constitucional de 1988, nos incisos de seu artigo 187, os contemplou, acrescentando dentre eles o direito à habitação pelo trabalhador rural.

A Lei Agrícola, Lei nº 8.171 de 1991, que regulamenta a política agrícola nos termos da Constituição Federal de 1988, também reproduziu os instrumentos ou medidas de efetivação da política agrícola em seu artigo 4º, entretanto, trouxe algumas inovações em relação ao artigo 73, do Estatuto da Terra e ao artigo 187, da Constituição Federal de 1988.

256 BRASIL, Lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964. Disponível em:

Dentre as inovações do rol do artigo 4º, da Lei Agrícola, incluem-se o planejamento agrícola, a pesquisa agrícola tecnológica, a proteção do meio ambiente, a conservação e a recuperação dos recursos naturais, a defesa da agropecuária, a formação agrícola, junto com as medidas de produção, comercialização e abastecimento incluiu-se a armazenagem, o associativismo, os investimentos públicos e privados, a garantia da atividade agropecuária, tributação e incentivos fiscais, irrigação e drenagem.

2) As medidas, ações ou instrumentos de política agrícola, de acordo com o conceito legal, visaria o amparo da propriedade da terra. Desta forma, a política agrícola está intimamente ligada à política fundiária.

Entretanto, surge uma questão quanto à abrangência da finalidade da política agrícola, isto é, se tal política seria amparo apenas à propriedade da terra ou se acobertaria também a posse e seus desdobramentos ou, até mesmo, outras formas de territorialidades não reconhecidas ou classificadas pelo Direito.

O estudioso e aplicador do Direito, ao analisar o artigo 1º, § 2º, que se refere ao amparo à propriedade da terra, deve fazer uma interpretação sistemática desta questão, ou seja, que leve em consideração o todo estrutural do sistema jurídico, [...] em tese, qualquer preceito isolado deve ser interpretado em harmonia com os princípios gerais do sistema, para que se preserve a coerência do todo257.

Primeiramente, deve-se atentar que o projeto de Estatuto da Terra foi encaminhado ao Congresso Nacional acompanhado da Mensagem nº 33 de 1964, com a intenção de uma verdadeira exposição de motivos para a aprovação deste Estatuto.

A Mensagem nº 33, ao tratar da reforma agrária e do desenvolvimento rural, a partir de seu item nº 18, explica que o Estatuto da Terra visa atingir o desenvolvimento rural por meio de medidas de política agrícola de forma a regulamentar e disciplinar as relações jurídicas, sociais e econômicas que envolvam a propriedade rural, seu domínio e uso.

Portanto, ao analisar a Mensagem nº 33, percebe-se que tanto o Estatuto da Terra quanto a Mensagem que o acompanhou, visam amparar a propriedade privada da terra, seu domínio e uso. Assim, as medidas de política agrícola teriam o objetivo de apenas amparar a propriedade rural. Não ampararia o instituto da posse e nem o uso comunal de terras e recursos naturais.

Quanto à vertente patrimonialista do Código Civil de 1916, em vigor à época da edição do Estatuto da Terra, com o advento da Constituição Federal de 1988 deve ser

257 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 285.

observado o movimento que nasce entre os civilistas a partir de um Direito Civil Constitucional, em que o Código Civil deve ser lido à luz da Constituição258, movimento estendido à interpretação do Código Civil de 2002, tendo como base o princípio constitucional da dignidade humana para descortinar a proteção dos direitos patrimoniais como fins em si mesmo. Neste sentido, segue Daniel Sarmento:

A despatrimonialização implica, isto sim, o reconhecimento de que os bens e direitos patrimoniais não constituem fins em si mesmos, devendo ser tratados pela ordem jurídica como meios para a realização da pessoa humana. Antes, prevalecia o “ter” sobre o “ser”, mas agora vai operar-se uma inversão, e o “ser” converter-se-á no elemento mais importante do binômio. Esta nova perspectiva provoca a necessidade de redefinição dos próprios direitos patrimoniais e institutos que lhe são correlatos, como a propriedade, a posse e o contrato, cuja tutela passará a sujeitar-se a novos condicionamentos, ligados a valores extrapatrimoniais sediados na Constituição.259

Desta forma, com a ordem constitucional que se constitui na estrutura jurídica com a promulgação da Constituição em 1988, não cabe mais a análise da política agrícola com base na proteção da propriedade privada e individualizada como fim em si mesmo, mas sim, em primeiro lugar, deve-se levar em consideração o sujeito de direitos e seu desenvolvimento social, econômico e cultural de forma digna na terra em que vive. Como bem salientou Daniel Sarmento, em trecho citado acima, deverá prevalecer o ser em relação ao ter.

3) O fundamento de garantir o pleno emprego e harmonizar a política agrícola com a industrialização do país demonstra bem o momento histórico em que Estatuto da Terra foi editado, ou seja, na tentativa de engrenar a industrialização do país que precisava de matéria-prima vinda da produção agropecuária e também do aumento do poder aquisitivo do rurícola para a compra de insumos e maquinários agrícolas produzidos pela indústria brasileira, tentou-se formular um projeto para o campo que atendesse os anseios políticos e econômicos da burguesia que emergia nos centros urbanos com a industrialização.

De certa forma, o Estatuto da Terra e a Mensagem nº 33 deixam claro que as medidas de política agrícola têm por objetivo o amparo da propriedade privada e a harmonização da produção agrária com a industrialização do país.

Entretanto, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, muita coisa mudou no Brasil, seja social, política ou juridicamente falando, o que leva a crer pela

258 FACHIN, Edson Luiz. Questões do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 58.

259 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 91.

superação do conceito legal de política agrícola do artigo 1º, § 2º, da Constituição Federal. Desta forma, a política agrícola como instituto jurídico que configura a atuação do Estado voltada ao fomento da economia rural, vai muito além da mera proteção da propriedade privada e da harmonização com outros setores da economia brasileira.

Diante de sua natureza de política pública, a política agrícola poderá ter distintos suportes, isto é, pode vir expressa em norma constitucional, em leis ou em normas infralegais, tais como os decretos e portarias, ou mesmo em instrumentos jurídicos de outra natureza, como os contratos de concessão de serviço público260.

Assim como a política pública, a política agrícola também é desdobrada em processos juridicamente regulados. Regulação esta que pode se apresentar na Constituição Federal de 1988, ou nas leis ou outros atos de natureza normativa, que terão o condão de definir e especificar seu planejamento e as regras para sua execução.