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4.2 A POLÍTICA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

4.2.2 Política pública e planejamento

O planejamento econômico e social alcançou o seu auge na discussão doutrinária brasileira no século XX por volta da década de setenta93, quando a literatura jurídica tratou do tema como um importante fator de organização da gestão pública e de relevância para o desenvolvimento econômico e social do país.

O planejamento passa a ser matéria de interesse de estudo do Direito, conforme ensina José Afonso da Silva:

A institucionalização do processo de planejamento importou convertê-lo num tema do Direito, e de entidade basicamente técnica passou a ser uma instituição jurídica, sem perder suas características técnicas. Mesmo seus aspectos técnicos acabaram, em grande medida, juridicizando-se, deixando de ser regras puramente técnicas para se tornar normas técnico-jurídicas.94

Na Constituição Federal de 1988 o tema sobre planejamento foi tratado no Título VII, ora denominado Ordem Econômica e Financeira. O planejamento está previsto nos artigos 170 e 174, da Constituição Federal de 1988, e envolve a atividade econômica em sentido amplo, a qual engloba tanto o planejamento para o serviço público quanto para a atividade econômica em sentido estrito95.

O artigo 174, da Constituição Federal de 1988, ao lado das funções normativas e de fiscalização do Estado em relação à atividade econômica e social, traz a função de planejamento, que deverá nortear as escolhas estatais para a elaboração das políticas públicas voltadas ao desenvolvimento econômico e social. Referido artigo trouxe para a discussão constitucional o planejamento econômico como indicativo para o setor privado e determinante para o setor público.

Portanto, falar em planejamento social e econômico na política pública significa o planejamento determinante para o setor público, que presta serviços públicos por meio de políticas públicas, tais como saúde, educação, cultura, isto é, serviços públicos planejados e prestados pelo Estado à coletividade. Também significa o planejamento indicativo para o setor privado, como ocorre com as políticas públicas destinadas ao setor agrícola, por exemplo.

93 BUCCI, Maria Paula Dallari, Direito administrativo... p. 260.

Sobre o assunto ver GRAU, Eros Roberto. Planejamento econômico e regra jurídica. São Paulo: RT, 1978.

94 SILVA, José Afonso, Direito urbanístico... p. 90.

Assim, o planejamento então previsto no artigo 174, da Constituição Federal de 1988, tem imediata relação com a política pública, uma vez que constitui o primeiro processo juridicamente regulado por qual passa tal política.

Para que se possa ter melhor compreensão do que consiste o planejamento no âmbito jurídico, transcreve-se o conceito elaborado por Eros Grau em sua obra Planejamento Econômico e Regras Jurídicas:

Conceituo o planejamento econômico, assim, como a forma de ação estatal, caracterizada pela previsão de comportamentos econômicos e sociais futuros, pela formulação explícita de objetivos e pela definição de meios de ação coordenadamente dispostos, mediante a qual se procura ordenar, sob o ângulo macroeconômico, o processo econômico, para melhor funcionamento da ordem social, em condições de mercado.96

Eros Grau conceituou o planejamento econômico como a ação estatal que traça diretrizes que deverão nortear a atuação estatal, seja no domínio econômico ou no desenvolvimento social, na consecução de objetivos futuros a serem alcançados. É no ato de planejar que o Estado traça seus objetivos e os caminhos para alcançá-los.

O planejamento é fase inicial da atuação estatal. Quando o Estado atuar no domínio econômico e no desenvolvimento social deverá existir um plano, que estabeleça objetivos futuros, momento em que são eleitas as estratégias e os meios para a consecução de determinadas metas.

Para Washington Peluso Albino de Souza:

[...] o planejamento é uma técnica de intervenção do Estado no domínio econômico. Mas, apesar de ser a mais aprimorada e a mais abrangente de todas, nem por isso é essencial ao procedimento intervencionista. Podem ser praticados atos de „intervenção‟, independentemente de Planejamento.97

Desta forma, o planejamento seria um processo presente tanto na atuação quanto na intervenção estatal – aqui, quando o Estado atua em titularidade privada, planejamento que será função do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, de forma determinante para o setor público e indicativo para o setor privado, nos termos do artigo 174, da Constituição Federal de 1988.

96 GRAU, Eros Roberto, Planejamento econômico... p. 65.

José Afonso da Silva, ao dissertar sobre o tema Direito Urbanístico, esclarece que:

O planejamento, em geral, é um processo técnico instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos. De início tal processo dependia simplesmente da vontade do administrador, que poderia utilizá-lo ou não. Não era, então, um processo juridicamente imposto, mas simplesmente técnica, de que o administrador se serviria ou não. Se o usasse, deveria fazê-lo mediante atos jurídicos, que se traduziriam num plano, que é o meio pelo qual se instrumentaliza o processo de planejamento.98

Citado autor explica que houve gradativas mudanças na visão sobre a utilização do planejamento como instituto jurídico, isto é,

atualmente a questão tomou outros rumos e sofreu radical transformação, porque o processo de planejamento passou a ser um mecanismo jurídico por meio do qual o administrador deverá executar sua atividade governamental na busca da realização das mudanças necessárias à consecução do desenvolvimento econômico-social.99

Dalmo de Abreu Dallari, ao trabalhar com modelos de super Estados, mais especificamente ao expor a teoria do Mundo do Bem-Estar, faz menção ao planejamento, conceituando-o da seguinte forma:

O planejamento, concebido como processo democrático, pode ser conceituado como um conjunto de tentativas conscientes, feitas por um governo, geralmente com o auxílio de organizações não governamentais, para coordenar mais racionalidade a ação governamental e administrativa, a fim de atingir mais completa e rapidamente os fins desejados, atendendo às determinações do processo político em sua evolução. Existe normalmente um mecanismo burocrático de planejamento, mas este atua no sentido de facilitar o atendimento dos objetivos sociais.100

Ressalta o autor, ainda, que há autores que diferenciam planejamento de planificação, uma vez que esta significa uma expressão totalitária, que impõe comportamentos e não deixa margem a opções.101

No entanto, vale ressaltar a citada afirmação de Washington Peluso Albino de Souza de que o termo planificação é utilizado em outros idiomas com o mesmo significado de

Eros Grau explica que a noção de planejamento e plano teve início com a ciência urbanística ainda no século XVIII. GRAU, Eros Roberto. Planejamento econômico e regra jurídica. São Paulo: RT, 1978. p. 9-10.

98 SILVA, José Afonso da, Direito urbanístico... p. 89.

99

IBIDEM, p. 90.

100 DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do Estado. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 141-142.

planejamento.102

Quanto à previsão constitucional referente ao planejamento, explica José Afonso da Silva:

O processo de planejamento encontra fundamentos sólidos na CF de 1988, quer quando, no art. 21, IX, reconhece a competência da União para “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação de território e de desenvolvimento econômico e social”. Quer quando no art. 174, § 1º, inclui o planejamento entre os instrumentos de atuação do Estado no domínio econômico, estatuindo que “a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”, ou, ainda, quando, mais especificamente, atribui aos Municípios competência para estabelecer o planejamento e os planos urbanísticos para ordenamento do território (ats. 30, VIII, e 182).103

Continua esclarecendo o autor que, o planejamento, assim, não é mais um processo dependente da mera vontade dos governantes. É uma previsão constitucional e provisão legal104.

É possível perceber que há o planejamento e o plano e a relação entre eles é assim explicada por Washington Peluso Albino de Souza:

Convém estabelecer a diferença de entendimento entre “Planejamento” e “Plano”. O primeiro, que em certos idiomas se denomina apenas “Planificação”, constitui o “ato de planejar”, e prende-se essencialmente à ideia de racionalizar o emprego de meios disponíveis para deles retirar os efeitos mais favoráveis. Seu conceito está intimamente ligado ao sentido do que seja o “econômico”, visto como este traduz o intuito de obter a “maior vantagem” do emprego de meios escassos, para a sua consecução. Levada adiante a ideia da “planificação” como “ação de planejar”, poderemos esmiuçar mais o sentido do termo “Planejamento” e atribuir-lhe ligação íntima com a adoção de “planificação” como método de intervir, ou seja, de concretizar a intervenção do Estado no domínio econômico.105

Continua Washington Peluso Albino de Souza explicando que “plano” é o documento, a “peça técnica” decorrente da “ação de planejar”, da “planificação”, quando se adota a orientação político-econômica de “intervenção” pelo “Planejamento”.106

Sobre a questão, expressa Eros Grau:

102 SOUZA, Washington Peluso Albino de, op. cit., p. 370.

103 SILVA, José Afonso, Direito urbanístico... 2008. p. 90.

104

IDEM.

105 LOC. CIT., p. 370.

A atividade de planejamento se expressa documentalmente em um plano, no qual se registra, a partir de um processo de previsões, a definição de objetivos a serem atingidos, bem assim a definição dos meios de ação cuja ativação, em regime de coordenação, é essencial àquele fim.107

Portanto, o planejamento é materializado mediante um plano. Quanto à relação de vinculação do plano ao setor privado, explica Eros Grau:

O plano, resultado da atividade de planejamento, não traça definições em relação ao setor privado. Esta, a peculiaridade que o caracteriza como indicativo: permanecem os centros de decisão econômica, em condições de mercado, a deliberar a respeito de suas condutas e procedimentos, no exercício de suas liberdades econômicas. Com relação ao setor público, no entanto, ainda que também de maneira peculiar, as deliberações contidas no plano são impositivas.108

Dessa forma, o plano segue as diretrizes constitucionais impostas ao planejamento, previstas no artigo 174, da Constituição Federal de 1988, ou seja, é de vinculação determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.109

Ainda sobre as características do plano aponta Eros Grau:

[...] Necessário verificar, pois, inicialmente, que a mobilidade econômica e social contínua, que vivemos e pela qual estamos condicionados no nosso cotidiano, induz a flexibilidade como um dos requisitos do plano. De outra parte, visto ter o plano a sua elaboração definida a partir de uma visão prospectiva, é imprescindível assuma tal natureza.

Daí, condicionada por essas duas circunstâncias, a impossibilidade de se definir com precisão um conjunto altamente complexo de decisões, o que impõe a necessidade de delinear-se no plano caráter programático. Por consubstanciar um ato prospectivo, impõe-se, na sua aplicação, a adoção de um processo de adaptação de seus objetivos à realidade – até a fim de que possam se tornar eles economicamente viáveis.

O plano, assim, deve ser instrumento extremamente flexível, compatibilizando às funções a que se destina, enquanto definidor de recomendações para o setor privado e de ordens internas para o setor público.110

O planejamento é fase inicial para a elaboração das políticas públicas, é processo juridicamente regulado no qual o Estado estabelecerá um plano a ser executado, no qual deverão constar os objetivos futuros e os meios para se alcançar tais objetivos.

107 GRAU, Eros Roberto, Planejamento econômico... p. 63-64.

108 IBIDEM, p. 78.

109

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 28. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 809-810.

Maria Paula Dallari Bucci, ao fazer uma comparação entre política pública e plano, concluiu que as políticas públicas são, de certo modo, microplanos ou planos pontuais, que visam a racionalização técnica da ação do Poder Público para a realização de objetivos determinados, com a obtenção de certos resultados111.

A relação entre o planejamento e as políticas públicas pode ser observada na exposição de Fábio Konder Comparato, [...] doravante e sempre mais, em todos os países, governar não significa tão-só a administração do presente, isto é, a gestão de fatos conjunturais, mas também e sobretudo o planejamento do futuro, pelo estabelecimento de políticas a médio e longo prazo.112

Portanto, a política pública vincula-se ao seu planejamento, que deverá ser materializado por meio de um plano, de forma a orientar o Administrador Público na execução de políticas públicas presentes e futuras. Desta forma, os processos da política pública iniciam-se pelo planejamento, seguido de sua execução e avaliação.