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3 POLÍTICA AGRÍCOLA

3.2 PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO DA POLÍTICA AGRÍCOLA

A política agrícola é espécie de política pública com previsão expressa no texto constitucional. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 187, traçou as diretrizes gerais para nortear o planejamento e a execução da política agrícola no Brasil.

Maria Paula Dallari Bucci entende que o artigo 187, da Constituição Federal de 1988, limitou-se a dizer que o planejamento e a execução da política agrícola serão realizados na forma da lei261.

Entretanto, ao analisar o artigo 187, da Constituição Federal de 1988, é possível observar que o constituinte foi além do delegar a matéria para o legislador infraconstitucional, uma vez que traçou diretrizes mínimas a serem seguidas tanto pelo legislador quanto pelo Administrador público que venha a planejar e executar a política agrícola.

Ressalta Lutero de Paiva Pereira que o legislador infraconstitucional ao dispor sobre política agrícola terá que fazê-lo observando o que dispõe o art. 187 da Constituição Federal, onde estão alinhavados os fundamentos de seu planejamento e execução262.

Referido artigo determina que o planejamento e a execução da política agrícola deverão contar com a participação dos setores de produção, de comercialização, de

260

BUCCI, Maria Paula Dallari, O conceito de política... p.11.

261 IBIDEM, p. 17.

armazenamento e de transporte, envolvendo a participação dos produtores e dos trabalhadores rurais.

O texto constitucional, nos incisos do artigo 187, contemplou instrumentos de efetivação da política agrícola, antes já previstos no Estatuto da Terra de 1964, tais como o os instrumentos creditícios e fiscais, preços compatíveis e garantia de comercialização, incentivo à pesquisa e à tecnologia, assistência técnica e extensão rural, seguro agrícola, cooperativismo, eletrificação rural e irrigação e a habitação para o trabalhador rural.

O § 1º, do artigo 187, estabeleceu que o planejamento da política agrícola deverá englobar as atividades agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais.

Já o § 2º, do artigo 187, dispôs que deverão ser compatibilizadas as ações de política agrícola com a reforma agrária.

Conforme estudado no planejamento das políticas públicas, o planejamento é indicativo para a iniciativa privada, como ocorre, por exemplo, com as políticas agrícolas. Aqui, o planejamento é voltado ao meio rural, ao desenvolvimento da atividade agrária.

Em regra, o Estado planeja um esboço de desenvolvimento econômico e social de forma indicativa para a atividade agrária. Isto significa que a lei ou outro ato normativo que instituir o planejamento para a política agrícola será regra de natureza dispositiva.

No entanto, quando a política agrícola envolver questões sanitárias, tais como a vacinação, o controle de zoonoses etc., normalmente ela não será indicativa para o setor privado, mas sim impositiva, uma vez que se trata de regra de natureza cogente ou de ordem pública. Conforme explica Miguel Reale:

Ordem pública aqui está para traduzir a ascendência ou primado de um interesse que a regra tutela, o que implica a exigência irrefragável do seu cumprimento, quaisquer que sejam as intenções ou desejos das partes contratantes ou dos indivíduos a que destinam. O Estado não subsistiria, nem a sociedade poderia lograr seus fins, se não existissem certas regras dotadas de conteúdo estável, cuja obrigatoriedade não fosse insuscetível de alteração pela vontade dos obrigados.263

Nestes casos, o planejamento e a execução da política agrícola materializados por uma regra jurídica de ordem pública muitas vezes serão prestado pelo próprio Poder Público, com o objetivo de assegurar a segurança alimentar e a saúde vegetal e animal na produção agropecuária.

O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, em seu artigo 50,

delegou à lei ordinária, uma vez respeitadas as diretrizes constitucionais para a política agrícola, a tarefa de desenvolver os temas sobre política agrícola e seus instrumentos, seus objetivos, as prioridades, o planejamento de safra, a comercialização, o abastecimento interno e as exportações, bem como sobre o que denominou de crédito fundiário.

O prazo para a edição da lei era de um ano após a promulgação da Constituição Federal de 1988, no entanto, somente em janeiro de 1991 é que foi editada a Lei nº 8.171, conhecida como Lei Agrícola, a qual dispõe especificamente sobre a política agrícola no Brasil. Assim, conforme expõe Luiz Ernani Bonesso de Araujo, tem-se a Lei nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991, versando sobre a política agrícola e disciplinando a atuação governamental nessa área [...]264.

O planejamento da política agrícola figura entre as matérias disciplinadas pela Lei Agrícola. A partir das diretrizes gerais sobre planejamento traçadas pela Constituição Federal de 1988, artigo 174, a Lei Agrícola regulamentou o planejamento agrícola em seu Capítulo III, artigos 8 a 10.

Dentre os objetivos da política agrícola estabelecidos pelo artigo 3º, da Lei nº 8.171 de 1991, está o planejamento agrícola, nos mesmos moldes do planejamento previsto pelo artigo 174, da Constituição Federal de 1988.

Nos termos do artigo 3º, I, da Lei nº 8.171 de 1991, a função de planejamento exercida pelo Estado no âmbito rural deverá se voltar às especificidades da atividade agrária, portanto, o planejamento agrícola será destinado a promover, regular, fiscalizar e controlar tais atividades, com o fito de incrementar a produção rural, assegurar a regularidade do abastecimento interno, principalmente o alimentar, reduzir as incertezas do setor agrícola e reduzir as diferenças regionais.

O planejamento agrícola também figura entre as ações e instrumentos de efetivação da política agrícola estabelecidos pelo artigo 4º, da Lei nº 8.171 de 1991. Assim como as demais ações e instrumentos, deverá o planejamento agrícola ser orientado pelos planos plurianuais – parágrafo único, do artigo 4º, da Lei Agrícola.

A Lei Agrícola dedicou capítulo próprio ao planejamento agrícola, no qual prevê o estabelecimento de planos nacionais plurianuais para o desenvolvimento agrícola, além de planos anuais para as safras e planos operativos.

A Lei Agrícola delegou ao Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, hoje

264 ARAUJO, Luiz Ernani Bonesso de. O acesso à terra no estado democrático de direito. Frederico Westphalen: Editora da URI, 1998. p. 161.

denominado de Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a função de coordenar o planejamento agrícola em nível nacional, mas em articulação com os Estados, Distrito Federal e Municípios – artigo 9º, da Lei nº 8.171 de 1991.

O planejamento agrícola também recebe tratamento específico conforme as especificidades da política que será instituída. Exemplo disto é a Decreto n° 7.794, de 20 de agosto de 2012, que instituiu o Plano Nacional de Agroecologia - PNAPO.

Citado decreto traz em seu bojo a elaboração de um plano para incentivar e possibilitar a produção orgânica de alimentos. O denominado Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PLANAPO - é um dos instrumentos da Política Nacional de Agroecologia. O Plano, ao qual recebeu o nome Brasil Agroecológico, foi elaborado pelo governo federal, em conjunto com organizações da sociedade civil, que se articulam, a nível nacional, em torno dos temas da agroecologia e da produção orgânica. Sua participação se deu no âmbito da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica - CNAPO, órgão de composição paritária entre governo e sociedade civil, que deverá, além de exercer o controle social do Plano, propor iniciativas e garantir a sua efetivação265.

No caso da política agrícola voltada à produção orgânica de alimentos o próprio veículo normativo condutor da política, o Decreto n.º 7.794 de 2012, concebeu o plano para a implementação da política agrícola. Um dos instrumentos de efetivação da PNAPO é o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PLANAPO. Neste caso, o plano está previsto dentro do próprio decreto que institui a política agrícola.

O Decreto n.º 7.794 de 2012 criou a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica - CNAPO, órgão composto de forma paritária por representantes da sociedade civil e do Poder Público, para exercer o controle social do PLANAPO.

O processo de planejamento da política agrícola é seguido pelo seu processo de execução, com diretrizes também previstas na Constituição.

O artigo 23, VIII, da Constituição Federal de 1988, dispõe que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar.

José Afonso da Silva explica que a competência comum se caracteriza por permitir âmbito de atuação comum e com igualdade para os entes federativos, seja para legislar ou

 O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento desde 1999 teve excluído de sua competência matéria referente à Reforma Agrária. Esta, por sua vez, ficou aos cuidados do Ministério de Desenvolvimento Agrário. Disponível em:

http://www.agricultura.gov.br/portal/page/portal/Internet-MAPA/pagina-inicial/ministerio/historia. Acesso em 19 jun. 2014.

praticar atos, sem que o exercício de uma competência exclua a outra266.

Desta forma, tratando-se de fomento da produção agropecuária e organização do abastecimento alimentar, a competência para legislar e praticar atos é comum entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Portanto, se a política agrícola é uma política pública de fomento da atividade agrária, planejar e executar a política agrícola é competência comum de todos os entes federativos.

Neste sentido, a Lei Agrícola, artigos 6º e 7º, dispõe que as ações governamentais, isto é, as políticas públicas destinadas ao setor agrícola, ou simplesmente políticas agrícolas, serão organizadas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e exercidas em sintonia pelos entes federativos, respeitada a autonomia constitucional, sem superposições ou paralelismo, conforme disposição de Lei Complementar prevista no parágrafo único, do artigo 23, da Constituição Federal de 1988.

Ao Governo Federal, fica incumbido à função da orientação normativa, das diretrizes nacionais para a política agrícola e a execução quando prevista em lei - artigo 6º, II, da Lei Agrícola.

Às entidades da Administração direta e indireta dos Estados e dos Distritos Federais ficam incumbidas as funções de planejar, executar, acompanhar, controlar e avaliar atividades específicas – artigo 6º, III, da Lei Agrícola.

Outro exemplo de execução comum da política agrícola está disposto no parágrafo único, do artigo 1º, do Decreto nº. 7.794 de 2012, o qual estabelece que a PNAPO será implementada pela União em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal e Municípios, organizações da sociedade civil e outras entidades privadas. Além da execução comum entre os entes federativos, referido dispositivo prevê a cooperação na execução da política agrícola por organizações da sociedade civil e outras entidades privadas.

A competência comum para planejar e executar as políticas agrícolas possibilita a atuação estatal por meio de políticas públicas voltadas ao meio rural de forma mais eficiente. Uma política regionalizada tem a possibilidade de atender melhor as características ambientais, socioculturais e econômicas de cada região brasileira, chegando mais próximo aos sujeitos que desenvolvem a atividade agrária.

Exemplo de participação na execução da política agrícola pelo Município ocorre com o caso da Prefeitura Municipal de Cianorte, no Estado do Paraná. Uma equipe de técnicos e

profissionais foi formada para prestar assistência para que o agricultor consiga o selo do Serviço de Inspeção Municipal para Produtos de Origem Animal (SIM/POA), para tornar a venda legalizada dos produtos da agroindústria familiar nos limites do Município de Cianorte.

Para que todos os documentos sejam providenciados é preciso a participação de outros órgãos como da Saúde e do Instituto Ambiental do Paraná - IAP. O grupo agiliza todos os documentos necessários para a implementação do selo do SIM/POA, legalizando os produtos da Agroindústria Familiar, que também conta com os recursos o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, que é um programa de política agrícola voltado à agricultura familiar.

Desta forma, é possível concluir que o planejamento e a execução da política agrícola são de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Esta competência comum possibilita maior eficiência da política agrícola, que deve ser desenvolvida de acordo com as características regionais do Brasil. Também possibilita que o Estado desenvolva suas funções de fiscalização, de incentivo e de planejamento, nos termos do artigo 174, da Constituição Federal de 1988.

O artigo 2º, VI, da Lei 8.171 de 1991, estabelece como um dos fundamentos da política agrícola que sejam incorporados os seguintes serviços essenciais ao homem do campo: saúde, educação, segurança pública, transporte, eletrificação, comunicação, habitação, saneamento, lazer e outros benefícios sociais, ou seja, junto com a política agrícola outras políticas públicas também devem ser fomentadas no âmbito rural.

Neste sentido, segue Xico Graziano:

A cidadania do homem no campo exige também políticas sociais e de infra-estrutura. A educação, saúde, moradia, transporte, telecomunicações, eletrificação, lazer, enfim, os benefícios da sociedade urbana, precisam atingir a zona rural plenamente. Urbanizar o campo é uma tarefa prioritária de governo, elevando a qualidade de vida e evitando o êxodo rural.267

Entretanto, estender serviços essenciais ao meio rural não deve significar urbanização do campo. Os serviços essenciais são devidos a todos os sujeitos de direitos, independentemente de residirem na área urbana ou rural, pois a Constituição Federal de 1988 não faz distinção entre os sujeitos de direitos fundamentais e sociais em sujeitos urbanos e rurais. Neste sentido, basta conferir o caput do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, que

Informações disponíveis em: http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2013/07/agricultores-conquistam-direito-de-vender-produtos-sem-restricao-no-pr.html. Acesso em: 28 jul. 2013.

contemplou o princípio da isonomia.